Grande Plano MancheteViolência doméstica | Uma mulher morre a cada dez minutos Hoje Macau - 26 Nov 2024 Um relatório da ONU divulgado ontem revela dados chocantes sobre a violência de género. Algures no mundo, a cada 10 minutos, uma mulher morre vítima de violência doméstica, sendo que nos continentes europeu e americano a maioria das mortes ocorre em casa. Mais de 51 mil mulheres morreram desta forma no ano passado Todos os dias, a nível mundial, morrem 140 mulheres ou raparigas às mãos dos seus companheiros ou de familiares mais próximos, o que representa uma morte a cada 10 minutos, avança um relatório da ONU – Organização das Nações Unidas divulgado ontem. Segundo os dados da organização internacional, no ano passado foram mortas intencionalmente 85 mil mulheres e raparigas em todo o mundo, das quais 51 mil (ou seja, 60 por cento) foram assassinadas pelos seus parceiros ou por outros membros da família. A nível mundial, estima-se que cerca de 1,3 mulheres por cada 100.000 habitantes do sexo feminino tenham sido mortas por um parceiro íntimo ou outro membro da família em 2023. O relatório divulgado a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres conclui que o fenómeno continua generalizado e que a sua manifestação mais extrema, o femicídio, é universal, transcendendo fronteiras, estatutos socioeconómicos e grupos etários. Dados que indignam a directora-executiva da ONU Mulheres, o órgão das Nações Unidas dedicado à igualdade de género e à defesa do fortalecimento do poder das mulheres. “A violência contra as mulheres e raparigas é passível de ser prevenida e sabemos como fazê-lo”, garante Sima Bahous, citada no relatório. Para isso, defende a representante, “precisamos de legislação sólida, de uma melhor recolha de dados, de mais responsabilização governamental, de uma cultura de tolerância zero e de um maior financiamento para as organizações e organismos institucionais que defendem os direitos das mulheres”. Os números referentes a 2023 mostram um aparente crescimento do fenómeno de violência doméstica face ao ano anterior, já que em 2022 as estimativas apontavam para 48 mil vítimas. No entanto, como a disponibilização de dados a nível nacional foi muito diferente de país para país, a organização avisa que a alteração não é indicativa de um aumento real. Na introdução do relatório lêem-se sinais de alarme sobre os dados da violência doméstica a nível global. “Mais de duas décadas depois, e apesar dos esforços dos movimentos de defesa dos direitos das mulheres para exigir justiça e responsabilização, bem como alguns progressos notáveis na prevenção e resposta à violência contra as mulheres, a situação é ainda mais preocupante.” “Estamos alarmados com o facto de o número de assassinatos por membros da família e parceiros íntimos – a manifestação mais comum do femicídio – continuar a registar níveis assustadores a nível mundial. Cerca de 51.100 mulheres e raparigas foram mortas em casa por pessoas que lhes eram próximas em 2023, representando 60 por cento de todos os homicídios de mulheres. Em demasiados casos, as vítimas de femicídio tinham denunciado anteriormente a violência e os seus assassinatos poderiam ter sido evitados”, acrescenta-se ainda. O panorama africano No ano passado, África registou as taxas mais elevadas de femicídios causados por parceiros íntimos e familiares próximos relativamente ao tamanho da sua população (2,9 vítimas por 100.000 mulheres em 2023). Na Europa e nas Américas, a maioria das mulheres foram mortas no contexto doméstico (64 e 58 por cento, respectivamente), vítimas dos respectivos parceiros, sendo nestas duas regiões geográficas que esta tendência é mais pronunciada. Noutros locais, os familiares são normalmente os principais perpetradores. “No resto do mundo (com base nos dados disponíveis), as mulheres e as raparigas têm maior probabilidade de serem mortas por membros da família (59 por cento) do que pelos seus parceiros (41 por cento)”, indicam os dados divulgados pela ONU. Segundo os analistas, a situação “sublinha a necessidade de garantir que a prevenção da violência doméstica aborda as relações íntimas, mas também os contextos familiares onde as mulheres correm maior risco”. Por outro lado, além do assassinato de mulheres e raparigas pelos seus companheiros (maridos, namorados) ou por outros membros da família, existem outras formas de femicídio, sem que nenhuma região do mundo está excluída. “Com uma estimativa de 21.700 vítimas de femicídio relacionado com o parceiro íntimo/família em 2023, África é a região com o maior número de vítimas em termos agregados”, lê-se. A Ásia surge logo a seguir a África com 18.500 vítimas de violência doméstica no ano passado, as Américas registaram 8.300 vítimas, a Europa 2.300 e a Oceânia 300. As Américas e a Oceânia também registaram taxas elevadas de femicídio por parceiro íntimo/familiar em 2023, com 1,6 e 1,5 por 100.000 pessoas, respectivamente. Os dados disponíveis para três países – França (2019-2022), África do Sul (2020-2021) e Colômbia (2014-2017) – confirmam que uma parte significativa das mulheres mortas pelos seus parceiros íntimos (entre 22 e 37 por cento) tinha anteriormente relatado alguma forma de violência física, sexual ou psicológica pelo seu parceiro. “Isto sugere que muitos assassinatos de mulheres podem ser evitados”, concluem os autores do documento, defendendo medidas como ordens de restrição contra os parceiros masculinos, que proíbem novos contactos entre eles e as vítimas da sua violência. A França e o femicídio Nos últimos anos, avança o relatório da ONU, alguns países começaram a quantificar outras formas de femicídio, dando como exemplo o caso de França. Neste país, durante o período de 2019-2022, quase 80 por cento de todos os homicídios de mulheres foram realmente cometidos por parceiros íntimos ou outros membros da família, mas outras formas de femicídio representaram mais de cinco por cento de todos os casos, menciona o relatório. Relativamente à evolução deste tipo de crime, a ONU refere, porém, que a falta de dados suficientes só permite identificar as tendências temporais de mortes de mulheres relacionadas com parceiros íntimos/família nas Américas e na Europa. No primeiro caso, essa taxa tem-se mantido relativamente estável desde 2010, mas, no caso da Europa, foi detectada uma diminuição (menos 20 por cento) entre 2010 e 2023, sobretudo pelo declínio destes actos nos países do norte, ocidente e sul da Europa. A menos de um ano de ser assinalado o 30.º aniversário da Plataforma de Acção de Pequim, documento assinado na IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, no qual os governos se comprometeram a garantir que a perspectiva de igualdade entre mulheres e homens é reflectida em todas as suas políticas e programas, a directora da ONU Mulheres defende ser tempo de os líderes mundiais se unirem. Para Sima Bahous, é preciso que os líderes da comunidade internacional tomem “medidas ousadas” e “deem prioridade ao compromisso, à responsabilização e aos recursos para pôr fim a esta crise”. Homens vs Mulheres É certo que também os homens são vítimas. Porém, a ONU destaca que o impacto da violência é proporcionalmente maior nas mulheres. O relatório dá conta que “embora homens e rapazes representem a grande maioria das vítimas de homicídio” no mundo, a verdade é que mulheres e raparigas “continuam a ser afectadas de forma desproporcional pela violência letal na esfera privada”. Assim, “estima-se que 80 por cento de todas as vítimas de homicídio em 2023 sejam homens e 20 por cento mulheres, mas a violência letal no seio da família afecta muito mais as mulheres do que os homens, com quase 60 por cento de todas as mulheres mortas intencionalmente em 2023 a serem vítimas de homicídio pelo parceiro íntimo/membro da família”. A ONU indica que “a violência na esfera familiar pode afectar ambos os sexos, mas apenas 12 por cento de todos os homicídios masculinos em 2023 foram atribuídos a mortes por parceiros íntimos ou outros membros da família”.