Sexanálise VozesO sexo e as emoções Tânia dos Santos - 15 Out 2025 O sexo pode despertar uma panóplia de emoções. Das positivas às negativas — passando pelas neutras — as emoções emergem muitas vezes de forma atabalhoada, sem que consigamos dar-lhes sentido imediato. Há quem até experiencie combinações emocionais que colocam lado a lado emoções que à primeira vista seriam opostas: o prazer e a vergonha. Estas respostas, contudo, são culturalmente moldadas. O sexo, no fundo, é um microcosmo da vida emocional humana, onde se cruzam corpo, cultura e identidade. A teoria da vinculação, frequentemente descrita como a teoria do amor, mostra como a procura de segurança, ou a sua ausência, molda a nossa resposta emocional na relação com o outro. O corpo possui mecanismos hormonais associados ao prazer, que nos fazem sentir seguros, mas também outros que podem perpetuar o nosso sentido de insegurança. A forma como as respostas emocionais são criadas depende muito do contexto e das nossas experiências passadas. Por isso as emoções tornam-se muitas vezes uma lente pela qual olhamos o mundo. A psicologia das emoções tem cruzado duas linhagens importantes para percebermos estes mecanismos. Uma delas é a da medicina, onde a emoção resulta da construção e regulação fisiológica. A outra vem da antropologia, que tem explorado a forma como a cultura molda as nossas respostas emocionais. Por exemplo, estudos interculturais mostraram que em sociedades mais individualistas, em que a raiva é uma forma de expressão de quebra na relação com o outro – numa tentativa de impor limites – a resposta fisiológica é mais forte que em sociedades coletivistas. Em sociedades onde a configuração grupal tem um peso mais determinante no sentido do self, a raiva é apenas um indicador de que existe uma desarmonia na relação de grupo, e a resposta fisiológica e os níveis de inflamação são menores. A raiva não é percebida como um corte radical do coletivo, e por isso a experiência da raiva é, de algum modo, mais sustentada. Esta dimensão cultural torna-se ainda mais evidente quando analisamos a forma como as várias expressões de género constroem os seus mundos emocionais. Apesar da cultura popular nos dizer que há diferenças entre ‘homens’ e ‘mulheres’, a verdade é que existe muito mais variabilidade dentro de cada grupo do que entre eles, o que torna difícil justificar uma distinção clara. Essa divisão é culturalmente alimentada e manifesta-se nos gestos quotidianos. Os estudos mostram que as mulheres, ao chegarem a uma urgência com palpitações, são mais rapidamente diagnosticadas com ansiedade do que com um ataque cardíaco. O mesmo não acontece com os homens, de quem se espera uma manifestação emocional menor, e por isso sintomatologia como palpitações raramente é confundida com ansiedade. Assim, torna-se quase esperado que as mulheres expressem emoções em excesso e que os homens as reprimam — o que distorce a nossa noção do que é ‘normal’ ou ‘desviante’. Vale a pena trazer aqui uma distinção essencial na teoria das emoções: existem emoções primárias, que são mais imediatas e mais fiéis aos nossos estados internos, e as emoções secundárias, que são de algum modo uma complexificação das primeiras, alimentadas então por crenças, narrativas e culturas. Se num determinado momento sinto raiva, e se a minha experiência de vida me ensinou que a raiva é uma emoção desadequada, rapidamente outras emoções se sobrepõem, como a vergonha ou a culpa. Tudo isto é relevante para melhor compreendermos as emoções durante o sexo. No binarismo redutor do costume, persistem crenças generalistas que impõem aos homens pressões de desempenho e às mulheres sentimentos de culpa — dinâmicas que também se refletem nas relações entre pessoas do mesmo sexo. Quando percebemos que as emoções que emergem não correspondem àquilo que a cultura define como ‘normal’, começamos a vigiar e a censurar o que sentimos. Sem uma compreensão profunda das emoções, do corpo e do contexto em que estão inseridos, acabamos por complicar a nossa vida. Por exemplo, as emoções que se seguem ao sexo variam tanto quanto as próprias experiências. Alguns sentem um bem-estar tranquilo, uma sensação de proximidade e ternura — o chamado afterglow. Outros experimentam o oposto: uma certa melancolia ou vazio, conhecida como disforia pós-sexo. Estes estados emocionais parecem depender menos do acto físico e mais do significado que cada pessoa lhe atribui — ligação, validação, curiosidade ou solidão. As emoções estão intimamente ligadas aos significados que atribuímos às coisas. São as conversas mais profundas sobre as emoções que nos libertam dos limites artificiais que impedem a honestidade emocional plena. Só compreendendo estes processos — que traduzem contextos sociais e narrativas culturais em respostas fisiológicas e emocionais que o corpo transporta — poderemos compreender melhor o sexo, os seus prazeres e as suas dificuldades. E se tratarmos o sexo como uma conversa entre corpos e emoções — talvez consigamos ouvir-nos, e aos outros, com mais presença e empatia.