Finanças | Portugal retira Hong Kong da lista de paraísos fiscais

A partir de 1 de Janeiro de 2026, Hong Kong deixará de fazer parte da lista de paraísos fiscais de Portugal, tal como o Liechtenstein e o Uruguai. Há muito que as autoridades da região vizinha pediam a retirada, inclusivamente em visitas oficiais a Portugal. A Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong salienta a decisão coerente com posição da União Europeia

 

O Governo de Hong Kong viu finalmente cumprido o desejo, expressado diversas vezes, de sair da lista de paraísos fiscais em Portugal. A mudança será uma realidade a partir de 1 de Janeiro de 2026, tendo em conta a portaria publicada na sexta-feira pelo Ministério das Finanças no Diário da República.

Segundo este documento, Hong Kong deixa de estar incluído na lista de “regimes fiscais claramente mais favoráveis”, nome oficial da lista vulgarmente conhecida como “lista de paraísos fiscais”.

Lê-se na portaria, assinada pela Secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte, que “os Governos da Região Administrativa Especial de Hong Kong, do Principado do Liechtenstein e da República Oriental do Uruguai dirigiram pedidos formais” para a “revisão do seu enquadramento na lista, os quais foram objecto de pareceres positivos elaborados pela Autoridade Tributária e Aduaneira”. A retirada destes três países e territórios oficializa-se a 1 de Janeiro do próximo ano.

Assim, o Governo português considera que estão “verificadas as condições para, nos termos legalmente estabelecidos, excluir aquelas jurisdições da lista dos países, territórios ou regiões com regimes fiscais claramente mais favoráveis”.

Destaca-se também que “a Região Administrativa Especial de Hong Kong, o Principado do Liechtenstein e a República Oriental do Uruguai não constam da lista da União Europeia de jurisdições não cooperantes para efeitos fiscais, adoptada pelo Conselho da União Europeia, cuja última actualização ocorreu em 18 de Fevereiro de 2025”.

Recorde-se que uma das últimas vezes que Hong Kong fez um pedido formal para saída da lista de paraísos fiscais foi durante a visita a Lisboa do secretário para os Serviços Financeiros e Tesouro, Christopher Hui Ching-yu, em Junho do ano passado, no âmbito de um encontro com a Secretária de Estado Cláudia Reis Duarte.

Aí, e segundo noticiou a Lusa, o governante da região vizinha “manifestou preocupação” por Hong Kong ser considerado um paraíso fiscal desde que a lista foi criada pelas autoridades portuguesas, em 2004.

A inclusão na lista “sujeitaria as empresas de Hong Kong a um aumento de impostos e a medidas especiais” em Portugal, descreveu o governante, que recordou que as duas partes assinaram um acordo para evitar a dupla tributação, que entrou em vigor em 2012.

Nesse mesmo encontro, Christopher Hui lembrou à Secretária de Estado portuguesa que a União Europeia (UE) retirou, em Fevereiro de 2024, a RAEHK da lista de jurisdições não cooperantes para efeitos fiscais, uma decisão que, no entender do secretário, “demonstrou o reconhecimento da UE dos esforços de Hong Kong” para introduzir medidas que combatam “a evasão [fiscal] transfronteiriça resultante da dupla não tributação”. Christopher Hui acrescentou que Hong Kong já cumpria todos os padrões europeus nesta matéria.

De referir que, à data, o ministro português da Economia era Pedro Reis, que num evento a propósito da visita de Christopher Hui a Lisboa, declarou ser importante “manter o crescimento económico sustentável e aproveitar as oportunidades de investimento mútuo” entre Portugal e Hong Kong.

Câmara de Comércio rejubila

Entretanto, a Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong (PHKCCI, na sigla inglesa) emitiu uma nota no Linkedin a destacar favoralmente a saída de Hong Kong desta lista. “Este marco representa a culminação de um processo de longa duração e transversal em Portugal, que envolveu um diálogo contínuo e coordenação entre sucessivos governos, partidos parlamentares e parceiros internacionais. Embora o consenso sobre o objectivo fosse sólido, o processo desenrolou-se de forma gradual ao longo de mais de uma década”, lê-se.

Para a PHKCCI, a decisão do Estado português “restabelece a coerência com as normas da União Europeia e reflecte o compromisso de Portugal com uma abordagem justa e actual na sua governação fiscal”, salientando-se também a “importância de respeitar critérios objectivos, manter um diálogo permanente e assegurar rigor jurídico e diplomático na gestão da política fiscal”.

“Enquanto Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong, saudamos este desfecho como um passo em frente no alinhamento do nosso ambiente bilateral de comércio e investimento com previsibilidade, transparência e boa governação. Mantemo-nos empenhados em facilitar um envolvimento construtivo entre os nossos mercados, apoiando a clareza nos quadros fiscais e fomentando a confiança mútua”, é referido na mesma nota.

Segundo o jornal online Eco, a inclusão de um país ou território na lista de paraísos fiscais acontece se não houver um imposto semelhante ao IRC [Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas], cobrado em Portugal, ou a existência de regimes de benefícios fiscais que sejam mais favoráveis do que no país europeu.

Também serve de critério para a inclusão na lista práticas administrativas dos países ou regiões não permitem a troca efectiva de informações fiscais. Todas questões que Hong Kong considera ter ultrapassado e que asseguram que há pleno respeito pelo combate à evasão fiscal.

Mais concretamente, e aquando da sua visita a Portugal no ano passado, o secretário Christopher Hui falou dos “esforços de Hong Kong na introdução de um regime de isenção de rendimento de fonte estrangeira (FSIE) para determinados rendimentos passivos, a fim de melhor combater a evasão transfronteiriça decorrente da dupla não tributação”. Na sua visão, “tais esforços alinharam plenamente o regime de FSIE de Hong Kong com as Orientações sobre Regimes de FSIE actualizadas pela UE em Dezembro de 2022”.

Mexidas na FSIE

Segundo uma nota explicativa da consultora PriceWaterHouseCoopers (PwC), Hong Kong foi adicionada à lista de observação da UE a nível fiscal em Outubro de 2021. Nessa data, a UE “estava preocupada de que, ao abrigo do então regime de isenção de rendimento de fonte estrangeira (FSIE), poderiam existir situações em que empresas sem actividade económica substancial em Hong Kong não estariam sujeitas a imposto relativamente a certos rendimentos passivos de fonte estrangeira (como juros e royalties), resultando assim em situações de ‘dupla não tributação'”, pode ler-se.

No ano seguinte, a RAEHK “promulgou alterações legislativas”, nomeadamente em Dezembro de 2022, para “aperfeiçoar e reforçar o regime de FSIE contra a evasão fiscal transfronteiriça”.

Com as alterações em vigor desde 1 de Janeiro de 2023, “os quatro tipos de rendimentos de fonte estrangeira”, como dividendos, juros, rendimentos de propriedade intelectual e ganhos de alienação provenientes da venda de participações societárias, passam a “ser considerados como tendo origem em Hong Kong e sujeitos ao imposto sobre lucros se recebidos em Hong Kong por uma entidade de um grupo multinacional que exerça comércio, profissão ou negócio no território”, explica a PwC, “salvo se essa entidade satisfizer os requisitos da excepção aplicável”.

Depois da sugestão da UE, “o Governo da RAEHK aperfeiçoou ainda mais o regime de FSIE para alargar o âmbito dos rendimentos abrangidos, incluindo ganhos de alienação de outros tipos de activos (para além das participações societárias), a fim de se alinhar com a mais recente orientação da UE, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2024”.

Foi então que a 20 de Fevereiro do ano passado o Conselho da UE publicou as conclusões da revisão semestral da UE quanto às “jurisdições não cooperantes para fins fiscais”, a chamada “lista negra” dos paraísos fiscais, e também a “lista de observação” quanto ao “estado de cooperação com a UE relativamente aos compromissos assumidos por jurisdições cooperantes para implementar princípios de boa governação fiscal”.

Nessa altura Hong Kong foi retirado da lista, considerando a UE que o território tinha “cumprido o compromisso ao alterar o regime de FSIE”, destacando a PwC, na mesma nota, que a RAEHK está agora “entre as jurisdições que cooperam com a UE e não possuem compromissos pendentes”.

Ainda segundo a PwC, “o Governo da RAEHK saudou o reconhecimento da UE dos esforços para alinhar o seu regime de FSIE com os requisitos relevantes, como reflectido na sua remoção da lista de observação da UE”, tendo também afirmado que “continuará a cumprir as normas fiscais internacionais, ao mesmo tempo que manterá a competitividade fiscal de Hong Kong”.

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