Via do MeioO inesperado Mestre Mao Qiling Paulo Maia e Carmo - 17 Ago 2025 Xu Zhaohua (1662-1722), que usou expressivos pseudónimos literários como lanchi, ou yibi, «louca por orquídeas» e «jade como mulher», foi uma das reconhecidas poetas que, no início da dinastia Qing, reflectiram sobre o lugar instável das mulheres que, se bem confinadas ao gineceu, possuíam já uma cultura literária que lhes permitia a expressão em forma de poemas, pinturas ou ensaios literários das mais subtis tonalidades da sua apurada sensibidade. O modo como essas mulheres na transição dinástica Ming-Qing, referidas depois como guixiu, «damas cultas» ou cainu, «mulheres de talento», adquiriam esses conhecimentos quando raramente se ausentavam de suas casas, variava. Mas no seu caso, como de outras igualmente ousadas, essa aprendizagem dependia de um homem literato mais velho com o qual não tinha qualquer relação familiar. Mao Qiling (1623-1716), esse seu preceptor, foi uma das mais extraordinárias figuras entre os homens de letras que asseguraram a continuidade da cultura literária. Um destino improvável que partiu, aliás, de uma recusa. Nascido em Xiaoshan (Zhejiang) após a queda dos Ming sentindo-se, como outros literatos e cultores das artes, incomodado pelos novos poderes que pareciam ignorar a tradição milenar, vagueou sem destino pelas regiões do baixo Changjiang. Mas afinal o que receava não se verificou e ele aproveitou uma abertura decretada pelo imperador Kangxi para se apresentar em 1679, já tarde em relação ao habitual, ao exame imperial e a sua vocação aproveitada por exemplo na redação da Mingshi, a «História dos Ming». Participaria noutros projectos imperiais, mas a partir de1687 vai para Hangzhou onde viverá a ambicionada vida retirada dos homens de letras, longe da poeira vermelha das cidades. E, numa das artes que conhecia, a da pintura, figurou esse lugar que era uma disposição do espírito. Mao Qiling alude num rolo vertical designado Pescador solitário numa embarcação, ou Songling yuyin, «Pinheiros na colina, pescador escondido» (tinta sobre papel, 63,5 x 35,6 cm, no Metmuseum) à figura modesta, sem ambições mundanas, do homem solitário que numa embarcação pesca sem isco num rio infindável. Xihe, Rio do Oeste, de resto era um dos seus nomes literários e o que aparece na edição das suas obras completas. E se no vasto Império os rios desaguam no Oriente, no Oeste é que estão as nascentes, ir para lá era regressar às origens. Como filólogo, Mao Qiling estudou a origem de palavras e conceitos antigos, debatendo questões que no seu tempo se colocavam quanto à interpretação dos Clássicos, ou o excesso de antagonismo que os neo-confucianos colocavam entre o desejo humano e o princípio da bondade celeste. Essa clarividência permitia-lhe apreciar a poesia de autoras como Xu Zhaohua que elogiava a longanimidade, a resistência à adversidade, e o jade que toma a temperatura de quem o toca.