A bolacha que desafia a repressão

Recentemente, a Hungria proibiu as marchas LGBTQIA+, aprofundando ainda mais a sua deriva autoritária e conservadora sob o governo de Viktor Orbán. Esta decisão não é apenas um ataque aos direitos humanos — é também um reflexo direto da ignorância e do medo perante a diversidade. Em resposta, cerca de 200.000 pessoas saíram às ruas de Budapeste para celebrar o orgulho. Sob o risco de serem detidas e até de enfrentarem penas de prisão até um ano, mostraram-se orgulhosamente destemidas, convictas de que estão do lado certo da história.

Neste contexto, vale a pena revisitarmos uma ferramenta didática simples, mas poderosa, que há anos tem sido usada em escolas e espaços educativos para explicar a complexidade da identidade humana: o Genderbread Person, um trocadilho com gingerbread — a bolachinha de gengibre em forma humana.

A Pessoa de Gengibre é uma representação gráfica que utiliza essa figura da cultura popular americana — a bolachinha de gengibre com cabeça, tronco e membros — para descomplicar conceitos muitas vezes mal compreendidos: identidade de género, expressão de género, orientação sexual e sexo biológico. Através desta figura simpática, ensina-se que estas quatro dimensões são distintas, mas interligadas — e que, sobretudo, não se enquadram em binarismos rígidos.

Infelizmente, para líderes como Orbán e para tantos outros no mundo, esta nuance é precisamente o que mais assusta. Num mundo em que a diversidade humana se torna cada vez mais visível, a resposta de certos governos tem sido o silenciamento e a repressão. Encaram-no como uma ameaça. A Hungria, ao proibir as marchas do orgulho LGBTQIA+, não está apenas a negar o espaço público a uma comunidade vulnerável — está a negar a sua própria realidade social.

O Genderbread explica coisas que deveriam ser simples: uma pessoa pode nascer com características biológicas masculinas, identificar-se como mulher, exprimir-se de forma não-binária e sentir atração por outro homem. É uma descrição factual da complexidade humana. Na Hungria, já em 2021 foi aprovada uma lei que proíbe a “promoção” de conteúdos LGBTQIA+ junto de menores, numa clara tentativa de associar identidade de género e orientação sexual a temas tabu. A lógica é antiga e gasta: se não falarmos sobre, talvez desapareça. Mas as pessoas LGBTQIA+ não são invenções modernas — são parte da humanidade desde sempre. Negar a sua existência não as elimina; apenas agrava o sofrimento, o isolamento e reforça a urgência da resistência.

A Europa tem assistido, nos últimos anos, a um perigoso crescimento de movimentos populistas que alimentam o ódio e a exclusão. A Hungria é apenas um exemplo de como esse discurso pode tornar-se política de Estado. Educar para a diversidade é o antídoto mais eficaz contra o extremismo. Ensinar crianças (e adultos) que ser diferente não é ser errado, que o género não se resume ao binário homem-mulher, e que o amor não conhece regras impostas por ideologias — tudo isso é uma forma de construir sociedades mais justas e mais humanas.

O medo que estes líderes demonstram não é mais do que a recusa em aceitar a complexidade da condição humana. A sua rigidez ideológica impede-os de reconhecer que a liberdade individual e a diversidade não são ameaças — são pilares fundamentais de uma sociedade saudável. Hoje, mais do que nunca, precisamos de mais Pessoas de Gengibre nas escolas — e de menos líderes de pedra nos governos deste mundo.

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