Investigador altamente qualificado entrega comida (I)

Recentemente, a imprensa online divulgou amplamente a história do académico chinês, Ding Yuanzhao (丁遠昭).

Em 2004, Ding Yuanzhao obteve 700 pontos, de um total de 750, no exame de admissão ao ensino superior na China continental e ingressou, na Universidade de Tsinghua para tirar bacharelatos em engenharia química e bio-industrial. Após a formatura, foi admitido na Universidade de Pequim e fez o mestrado em engenharia de recursos energéticos. Mais tarde, obteve o doutoramento em biologia na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura. Em 2018, ingressou na Universidade de Oxford, no Reino Unido, para tirar um mestrado em biodiversidade. Posteriormente, trabalhou como investigador num pós-doutoramento na Universidade Nacional de Singapura.

Em Março de 2024, o contrato como investigador chegou ao fim, não foi renovado, e Ding passou a trabalhar como entregador de comida em Singapura. Trabalha 11 ou 12 horas por dia, e ganha em média por dia 50 a 100 dólares de Singapura (cerca de 40 a 80 dólares americanos), podendo ganhar até 254 dólares de Singapura (cerca de 200 dólares americanos) aos domingos.

Este caso provocou um debate alargado depois de Ding ter filmado e carregado um vídeo na Internet. No vídeo, mostrava os diversos certificados académicos e aconselhava os candidatos ao ingresso nas Universidades da China continental, nos seguintes termos:

“Os resultados dos exames não são tudo. Não fiquem pessimistas se não tiverem boas notas. Os bons resultados não significam que venham a ter o futuro garantido. Os trabalhos não são muito diferentes. Fazer entregas de comida é uma boa escolha para servir a sociedade e para nos sustentarmos, basta trabalhar afincadamente que somos recompensados.”

Num outro vídeo, Ding aconselha os especialistas a prestarem atenção à segurança das pessoas que entregam comida.

O caso de Ding provocou uma discussão acesa na sociedade chinesa. O principal motivo é a disparidade entre o seu nível académico e a sua profissão actual. Esta disparidade chama a atenção para o problema do conflito cultural na sociedade chinesa. Desde os tempos mais remotos, a China sempre esteve focada na educação. As pessoas cultas podem servir como membros do Governo e dar largas a toda a sua ambição. Outro propósito da educação, é cultivar o carácter, por isso existe um ditado que diz “a formação começa com a aprendizagem e a aprendizagem com a leitura.” (立身以立學為先,立學以讀書為本)

Na Europa, a educação foca-se na transmissão do conhecimento e no incentivo aos alunos para que pensem de forma independente e inovadora. As Universidades são o bastião do conhecimento e valorizam particularmente a investigação científica. A investigação científica conduz à inovação e a inovação beneficia a sociedade. Este é o principal objectivo da educação, o que não tem qualquer relação com as carreiras que muitos estudantes escolhem depois da formatura.

Ding tornou-se um entregador de comida depois de ter obtido um doutoramento. Esta disparidade entre a formação e a profissão actual colide com os princípios da cultura tradicional chinesa e é inevitável que tenha provocado debates acesos. Este caso não representa só uma história, mas também um espelho que reflecte questões como o significado da educação, os valores sociais e as atitudes pessoais.

Em primeiro lugar, tendo passado de investigador universitário a entregador de comida, Ding ter-se-á interrogado sobre a utilidade de ter obtido vários graus académicos? Para quê frequentar a Universidade? Para responder a esta pergunta, não podemos só ter em conta a experiência pessoal, mas sim uma perspectiva social.

O conhecimento é uma propriedade pessoal. Não se mede em termos de dinheiro, mas na evolução que provoca nos seres humanos. Os estudantes recebem educação na Universidade para obterem mais conhecimento, para herdarem uma propriedade “intangível” e enriquecerem os seus espíritos. O conhecimento obtido na Universidade transforma-se em conhecimento profissional, por isso os profissionais, como os médicos, os advogados e os contabilistas, têm de receber formação universitária. Depois de adquirirem conhecimentos profissionais, o caminho certo será abraçarem uma profissão em que dêem bom uso à formação que receberam. Só com pessoas talentosas e especializadas pode existir desenvolvimento social, e só com investigadores talentosos e especializados podem surgir novas invenções, o que é também muito necessário em todas as sociedades. Por conseguinte, os estudantes que receberam formação universitária devem seguir carreiras diferentes daqueles que não a receberam e é impossível que os “trabalhos futuros não sejam assim tão diferentes.”

Ding tem um doutoramento e é uma pessoa com um alto grau de educação. Trabalhar como entregador de comida é obviamente o resultado de um desajuste entre a sua formação e a sua profissão actual; este desajuste resulta no desperdício de pessoas talentosas e a sociedade perde com isso. A dificuldade que Ding teve em encontrar um trabalho compatível com as suas qualificações académicas foi uma questão de falta de oportunidades e fez parte do seu percurso de vida. Quando no futuro encontrar um trabalho digno da sua formação, pode voltar a usar os seus conhecimentos e aprender a torná-los úteis. Portanto, não é correcto confundir o objectivo da educação com as circunstâncias da vida.

Na próxima semana, continuaremos a aprofundar esta história.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau

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