O rolo primeiro debaixo do céu de Shen Shichong

Chen Jiru (1558-1639), o pintor que se quis livre das amarras dos funcionários da corte para se dedicar a conhecer tudo à sua volta por si próprio e pronunciar-se de forma independente, foi por isso mesmo chamado «grande chanceler das montanhas» (Shanzhong zaixiang), o espaço onde há sempre novas perspectivas para o olhar e não existem os limites das cidades.

Referindo-se às obras que circulavam entre os coleccionadores e apreciadores das pinturas do seu amigo, o influente pensador de Huating (actual Songjiang, Xangai) Dong Qichang (1555-1636) terá dito sem peias que «menos de uma em dez» das pinturas que lhe eram atribuídas seriam efectivamente obras do seu pincel.

O que não será de admirar dada a multiplicidade de tarefas exigidas a um homem de cultura no fim da dinastia Ming e que, no seu caso, incluíam a demonstração das suas teorias em caligrafias e pinturas.

São aliás conhecidos nomes de alguns pintores que o auxiliaram nessa função a partir do conhecimento da história da pintura, estudada na sua valiosa coleccção, como o seu amigo Zhao Zuo (c.1570- depois de 1630) ou Shen Shichong (act.c.1602-41).

Este último também originário de Huating, recriaria num álbum de 1625, doze perspectivas do jardim privado Lejiao yuan, «Prazeres dos subúrbios» do insigne pintor Wang Shimin (1592-1680), onde se terá apercebido da eloquência de certas figuras colocadas em lugares favoráveis.

A criação de jardins, zaoyuan, um espaço privilegiado para o exercício da subjectividade, uma das actividades a que se dedicavam os intelectuais, possuía o prestígio associado às expressões zaowu ou zaohua, o «criador da força» ou da «transformação» usadas no Zhuangzi, com afinidades intrínsecas ao labor do pintor ou do homem de letras.

Como escreveu Qi Baojia (1602-1645) criar um jardim é como «a pintura de um grande artista: nem uma única pincelada desinspirada é permitida; tal como a um autor cuidadoso escrevendo: nem uma palavra destoante é autorizada.»

Shen Shichong faria em seu próprio nome, várias pinturas afirmando a sua relação com o espaço livre para caminhar, num estilo que aproveita a lição das formas abstractas das montanhas de Dong Qichang com a atmosfera nebulosa e a recessão espacial notada entre pintores profissionais.

Longos rolos horizontais, exemplares dessas características são as pinturas Paisagem das quatro estações (Shangao shuifang, Altas montanhas, longos rios, tinta e cor sobre papel, 28,6 x 761 cm, no Museu de Belas Artes de Boston) ou aquela que é considerada a sua obra-prima, Tianxia diyi, «Primeira sob o céu». Hoje conhecida como Retiro de montanha (tinta e cor sobre papel, 33 x 1527 cm, à venda na Christies) nela são visíveis eremitas, pontes sobre os rios, pinheiros e caminhantes destemidos nas fímbrias das montanhas numa figuração da determinação lúdica do tempo próprio.

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