Arquitectura | Liu Jiakun venceu prémio Pritzker 2025

Liu Jiakun venceu o prémio Pritzker deste ano. O arquitecto natural de Chengdu foi escolhido pela obra “coerente”, em paz com a natureza e o mundo envolvente. A organização do prémio destaca o “percurso que não foi linear nem esperado”, e os projectos de arquitectura com “respostas convincentes” em termos ambientais

 

Na obra de Liu Jiakun é o cidadão que manda, sem linhas fixas ou barreiras, conjugando o antigo e o moderno. Mas acima de tudo, sobressai uma espécie de coerência. O arquitecto chinês, nascido em 1956 na província de Chengdu, venceu prémio Pritzker deste ano, distinção descrita frequentemente como o Nobel da arquitectura. Com o anúncio desta semana, foi acrescentado o ponto que faltava para consagrar o talento de um homem que viveu e trabalhou numa China em transformação e que, por pouco, não desistia da arquitectura. Aliás, segundo a informação oficial do prémio Pritzker sobre Liu Jiakun, o seu percurso “até à arquitectura não foi linear nem esperado”.

A mãe era médica interna no Chengdu Second People’s Hospital e foi por lá que passou grande parte dos seus dias durante a infância. Nos anos em que a China vivia intensamente o Maoísmo e depois durante o processo da Reforma e Abertura, Liu passou por todas as transformações políticas e sociais à medida que ia crescendo. Frequentou o programa para “jovens instruídos” na área da agricultura, e depois o Instituto de Arquitectura e Engenharia de Chongqing, mais tarde chamado de Universidade de Chongqing, em 1978. “Como num sonho, apercebi-me, de repente, que a minha vida era importante”, disse, segundo a informação oficial do prémio Pritzker.

O atelier em nome próprio, Jiakun Architects, só surgiu em 1999 na sua cidade natal, Chengdu, a capital da província de Sichuan.

Sobre si e o seu trabalho, Liu Jiakun disse: “Aspiro sempre a ser como a água – a permear um lugar sem ter uma forma fixa própria e a infiltrar-me no ambiente local e no próprio sítio”. “Com o tempo, a água solidifica-se gradualmente, transformando-se em arquitectura e talvez mesmo na forma mais elevada da criação espiritual humana. No entanto, mantém todas as qualidades desse lugar, tanto as boas como as más”, acrescentou.

Sobre a atribuição do Pritzker, o júri considerou que o arquitecto chinês soube inovar, mantendo o lado mais tradicional que a profissão pode ter. “A identidade tem tanto a ver com o indivíduo como com o sentido colectivo de pertença a um lugar. Liu Jiakun revisita a tradição chinesa sem abordagem nostálgica nem ambiguidade, mas como um trampolim para a inovação. Criar uma nova arquitectura que é simultaneamente um registo histórico, uma infra-estrutura, uma paisagem e um espaço público notável”, refere a organização.

Compromisso espacial

Construir casas ou edifícios pode ser muito mais do que a simples edificação, estabelecendo um compromisso com o espaço e o meio ambiente. Para o júri do Pritzker, “num contexto global em que a arquitectura se esforça por encontrar respostas adequadas a desafios sociais em rápida evolução, Liu Jiakun deu respostas convincentes que também celebram a vida quotidiana das pessoas, bem como as suas identidades comunitárias e espirituais”.

Ainda segundo o júri, “através de uma obra notável de profunda coerência e qualidade constante, Liu Jiakun imagina e constrói novos mundos, livre de qualquer constrangimento estético ou estilístico”.

“Em vez de um estilo, desenvolveu uma estratégia que nunca se baseia num método recorrente, mas sim na avaliação das caraterísticas e exigências específicas de cada projecto de forma diferente. Ou seja, Liu Jiakun pega nas realidades actuais e manipula-as ao ponto de oferecer um cenário totalmente novo da vida quotidiana. Além do conhecimento e da técnica, acrescenta senso comum e sabedoria à caixa de ferramentas do designer”, acrescenta-se.

A nota que apresentou o prémio refere que o arquitecto consegue projectar “um ambiente construído que está frequentemente a ser puxado em direcções opostas”, repensando “os fundamentos da densidade através da coabitação, criando uma solução inteligente que equilibra as forças opostas em jogo”.

O júri descreve também que “através de uma obra notável de profunda coerência e qualidade constante, Liu Jiakun imagina e constrói novos mundos, livre de qualquer constrangimento estético ou estilístico”.

Os maiores projectos

O comunicado do Pritzker deste ano destaca o projecto “West Village”, em Chengdu, classificado como “transformador”, onde Liu Jiakun soube “reformular o paradigma dos espaços públicos e da vida em comunidade”, “inventando novas formas independentes e partilhadas de viver em conjunto, em que a densidade não representa o oposto de um sistema aberto”. O arquitecto criou, aqui, um espaço que permite “a adaptação, a expansão e a replicabilidade”.

Destacam-se ainda “museus subtis e memoráveis” por si criados, como é o caso do Suzhou Museum of Imperial Kiln Brick ou o Shuijingfang Museum, também em Chengdu. Por sua vez, no Memorial Hu Huishan, em Chengdu, o arquitecto “compreende que a identidade é uma questão de memória colectiva e pessoal, elevando brilhantemente a perspectiva individual a um elemento fundamental da criação de lugares, a fim de reavivar uma dimensão comunitária”.

Licenciado em 1982, Liu fez parte da primeira geração de alunos responsáveis por parte dos grandes projectos da chamada “Nova China”, já com Deng Xiaoping ao leme do Governo Central. No início da carreira, esteve ligado ao Instituto de Investigação e Design Arquitectónico de Chengdu, uma entidade estatal, tendo-se deslocado a Nagqu, no Tibete, onde viveu dois anos na década de 80.

Sobre esse tempo, o arquitecto recordou a sua “maior força na altura parecia ser o meu medo do nada, além das capacidades de pintura e escrita”, desbravando livros e escrita à noite, quando não projectava.

A carreira na arquitectura esteve quase a ser posta de lado até ao momento em que Liu Jiakun viu a exposição individual de arquitectura de Tang Hua, um antigo colega da universidade, no Museu de Arte de Xangai, em 1993. Tal “reacendeu a sua paixão pela profissão e alimentou uma nova mentalidade de que também ele se podia desviar da estética social prescrita”, descreve o júri do Pritzker.

Para Liu, “a arquitectura deve revelar algo – abstrair, destilar e tornar visíveis as qualidades inerentes às pessoas locais”, tendo “o poder de moldar o comportamento humano e criar atmosferas, oferecendo uma sensação de serenidade e poesia, evocando compaixão e misericórdia, e cultivando um sentido de comunidade partilhada”.

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