Grande Plano MancheteEnsino profissional | Estudo alerta para falhas em recursos humanos na China Andreia Sofia Silva - 18 Fev 2025 Um estudo publicado na revista “The China Quarterly” conclui que há ainda muitas questões a resolver para que o ensino técnico-profissional na China consiga responder às necessidades de recursos humanos. O trabalho alerta para a “rápida massificação” deste tipo de ensino, com prioridade para “número de matrículas em detrimento da qualidade” O ensino técnico-profissional na China tem-se popularizado, mas um estudo publicado recentemente na revista “The China Quarterly”, da Cambridge University Press, conclui que há ainda lacunas a colmatar para que os cursos consigam, de facto, dar resposta às necessidades do país em matéria de mão-de-obra no sector industrial. “More graduates, fewer skills? Vocational education expansion and skilled labour shortages in China” [Mais graduados, menos competências? A expansão da educação vocacional e as faltas de mão-de-obra qualificada na China] é o nome do estudo desenvolvido por Xinmiao Song, da Universidade de Lingnan, e Duduo Xu, do departamento de sociologia da Universidade de Hong Kong. O trabalho académico chama atenção para a “tendência perturbadora” da “rápida massificação do ensino profissional, que dá prioridade ao número de matrículas em detrimento da qualidade do ensino” e que “não responde à procura de formação de competências e de mão-de-obra qualificada”. Além disso, os autores acrescentam para as “consequências adversas, tanto para a gestão administrativa como para o ensino”, causadas por este panorama. “O desenvolvimento de competências cabe frequentemente a associações profissionais pós-escolares e a um grupo exclusivo de alunos de elite. Entretanto, as iniciativas de reforma, como a campanha de artes manuais e os concursos de competências, beneficiam apenas alguns, sem melhorar as perspectivas de emprego da população estudantil em geral.” Desta forma, os dois académicos defendem que “se preste mais atenção às tensões inerentes ao sistema de ensino e formação profissional da China”, pois “só quando houver uma compreensão mais profunda das causas subjacentes à formação ineficaz de competências nas escolas profissionais a China poderá atingir o seu objectivo nacional de modernização industrial”. O estudo foi desenvolvido em duas escolas vocacionais, tendo sido feitas entrevistas a 104 estudantes. Além disso, foram utilizados dados etnográficos de quatro projectos de doutoramento na área do ensino profissional, desenvolvidos entre Outubro de 2017 e Dezembro de 2020. É também referido que o país tem necessidade “cada vez mais urgente” de trabalhadores qualificados “devido à concorrência económica mundial”. Porém, “apesar da expansão massiva do sistema de ensino e formação profissional nas últimas duas décadas, continua a existir um défice significativo de mão-de-obra qualificada”, existindo “debates sobre a ineficácia do ensino profissional”. Estes centram-se, sobretudo, “na falta de sinergias institucionais entre o ensino e a indústria, mas ignoram frequentemente os conflitos inerentes ao sistema de ensino profissional e aos processos de formação de competências a nível micro”. Dificuldades práticas Ao “nível micro”, ou seja, nas escolas, os autores denotam a existência de diversas dificuldades no funcionamento efectivo destes cursos em consonância com os resultados pretendidos. No ensino secundário existe “um equilíbrio delicado entre a promoção da igualdade social e o desenvolvimento de competências”. Porém, “a análise indica que, no contexto da rápida expansão do ensino secundário, as escolas têm dificuldade em harmonizar eficazmente estes objectivos”. “A fim de manter um corpo discente adequado, as escolas e os professores vêem-se muitas vezes obrigados a comprometer a qualidade dos candidatos e os padrões de ensino na sala de aula. Esta situação gera uma mudança na pedagogia quotidiana e na administração escolar no sentido de preservar a disciplina e a estabilidade, atribuindo assim o desenvolvimento de competências e a selecção de talentos – idealmente uma missão de toda a escola – a associações profissionais extra-curriculares, prosseguidas apenas por alguns”, é acrescentado. Conclui-se também que “a aquisição de competências é um processo multifacetado, moldado pela interação dinâmica entre educadores e alunos”, pois “a preparação académica dos alunos e as suas motivações para aprender são igualmente pertinentes para a formação de microcompetências, tal como o são os recursos das escolas e as capacidades dos professores”. Desta forma, “a resolução do problema da formação ineficaz de competências exige mais do que iniciativas do topo para a base”, sendo “necessária uma abordagem que reconheça os obstáculos que os estudantes enfrentam na aquisição de competências, bem como as suas apreensões e incertezas na procura de emprego”, é referido. Os autores falam ainda de “elitismo” nalgumas formações relacionados com cursos de trabalhos manuais e “concursos de competências”. “Estas iniciativas podem inadvertidamente sugerir que os trabalhos manuais estão reservados a um número restrito de pessoas, uma vez que os concursos de competências permanecem muitas vezes inacessíveis à maioria dos estudantes do ensino profissional, quer objectiva quer psicologicamente.” Assim, os autores salientam que “existe um desfasamento significativo entre esta abordagem elitista da aquisição de competências e as condições reais enfrentadas pelos estudantes do ensino profissional”. “A promoção superficial do espírito de trabalho manual e a exclusividade de competências não conseguiram resolver verdadeiramente os desafios associados à aquisição de competências, à procura de emprego e ao empenho em seguir profissões técnicas entre os estudantes do ensino profissional”, é também referido. Ainda assim, são referidas limitações no estudo, nomeadamente o facto de se centrar apenas nas escolas profissionais públicas do ensino secundário superior, podendo “os resultados não representar totalmente outros níveis de ensino profissional, como os institutos superiores de formação profissional”. Números da “fábrica do mundo” No estudo é referido o intenso desenvolvimento industrial que a China tem conseguido nos últimos 40 anos, emergindo como a “fábrica do mundo”, conforme descrevem os autores, “tirando partido dos seus dividendos demográficos”. “No entanto, o modelo de crescimento intensivo em mão-de-obra revelou-se insustentável devido ao envelhecimento da população e à intensa concorrência global. Para escapar à ‘armadilha do rendimento médio’, o Governo chinês lançou uma série de acções de modernização industrial nos sectores da indústria transformadora e dos serviços”, mas “apesar das ambiciosas agendas para a próxima década, a persistente escassez de trabalhadores qualificados continua a dificultar estes esforços”, é referido. Em 2020, eram mais de 23 milhões os estudantes do ensino profissional, pelo que “esta escassez de mão-de-obra qualificada constitui uma surpresa”, é referido no estudo, que destaca “os esforços e recursos substanciais que o Governo chinês dedicou à melhoria do ensino profissional nos últimos anos”. Surgiu, por exemplo, “o ensino profissional secundário superior gratuito, a expansão dos estabelecimentos de ensino profissional superior em um milhão de estudantes de 2019 a 2021 e a criação de universidades de tecnologia aplicada”. Além disso, o sistema de ensino profissional assistiu a uma trajectória sem precedentes, com as matrículas nos estabelecimentos de ensino profissional secundário superior a aumentarem de 4,56 milhões em 2004 para 7,11 milhões em 2009″. Em termos de necessidade de recursos humanos, o estudo cita dados do Ministério dos Recursos Humanos e da Segurança Social da China relativos a 80 cidades do país. “Os relatórios trimestrais do ministério revelaram que o rácio entre posto de trabalho/pessoa que procura mão-de-obra qualificada atingiu um pico histórico de 2,0 no início de 2020”, sendo que “os trabalhadores qualificados de nível superior, os técnicos e os técnicos superiores tiveram uma procura particularmente elevada”. É também referido que o Ministério da Educação prevê que o país continue a confrontar-se, este ano, “com um défice de 30 milhões de trabalhadores qualificados, o que representa uma quebra de 48 por cento em domínios como os materiais, a poupança de energia e os veículos movidos a novas energias”.