Foi só o primeiro

Quem decide ser político tem de se compenetrar que tem de ser sério, competente, incorruptível e servir o povo com honestidade. Não cumprindo este desiderato passa a ser apenas mais uma pessoa que não cumpre o que jurou em cerimónia de posse. Passa a ser um cidadão desconsiderado e fragilizado perante os portugueses para continuar a exercer a sua função de ministro, secretário de Estado, deputado ou autarca.

Na semana passada, depois de vários “casos e casinhos”, idênticos ao que o PSD acusava o Governo de António Costa, tais como o que aconteceu no INEM e em certos casos de autarcas da AD que pediram a demissão, agora, este Governo de Luís Montenegro foi confrontado com a primeira demissão de um dos seus membros em apenas um ano em funções.

O secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, apresentou o pedido de demissão. Por alegadamente ser suspeito de fraudes antigas e recentes. Aconteceu que este senhor já há muito estava a ser investigado pela Procuradoria Europeia por alegadas irregularidades cometidas durante o seu mandato como presidente da Câmara Municipal de Bragança, incluindo suspeitas de recebimento de contrapartidas indevidas. Não atendendo à gravidade da situação aceitou ser governante com o pelouro que recentemente definiu a nova Lei dos Solos.

Hernâni Dias, chico-esperto, apressou-se a criar duas empresas de imobiliário e de construção de imóveis. Então, o governante passando a ter conhecimento de quais os terrenos rústicos pelo interior do país foi fundar duas empresas que poderiam concorrer à obtenção de terrenos que viessem a ser transformados em construção de imóveis? Grande visão de “estadista”… Hernâni Dias pediu a demissão e o primeiro-ministro aceitou de imediato. Diz o povo que não há fumo sem fogo e na verdade a polémica instalada tem razão de ser porque a incompatibilidade em causa é descarada.

Hernâni Dias tem negado qualquer ilegalidade, garantindo que sempre actuou “com total transparência” e que está disposto a colaborar com as investigações em curso. “Na vida política há que ter a hombridade de assumir decisões”, declarou, sublinhando que a sua continuidade no cargo poderia prejudicar o trabalho do Governo. Estas declarações só nos dão vontade de rir. Transparência? Muitíssima, se atendermos à investigação da Procuradoria Europeia e à criação de duas empresas enquanto governante relacionadas com imóveis possíveis de virem a ser construídos em locais que o próprio Hernâni Dias passou a ter conhecimento no âmbito da nova Lei dos Solos.

A ironia ainda é maior quando afirma que é preciso ter “hombridade de assumir decisões”. Decisões? Que saibamos as suas decisões foram ter recebido contrapartidas como autarca e criar empresas de imobiliário depois de saber o conteúdo da nova Lei de Solos. A sua decisão de se demitir apenas surge na sequência de notícias que indicam para um possível conflito de interesses devido à alegada criação de empresas que poderiam beneficiar das alterações legislativas promovidas pelo seu Ministério. Clarinho, como água. O secretário de Estado demitiu-se porque sabe que está sob suspeita e a ser investigado. O resto são tretas.

O país não pode ser governado por gananciosos. Por indivíduos que colocam os seus interesses acima dos interesses do povo e que apenas se servem dos cargos estatais para cambalachos que os enriquecem ilegalmente. Há décadas que assistimos a casos destes e nem assim terminam as opções pela irregular função de servidor do Estado.

A triste risota torna-se mais substancial quando Hernâni Dias justificou à agência Lusa que a sua saída foi um “acto de responsabilidade” para garantir a estabilidade do Governo e preservar a imagem do primeiro-ministro… Acto de responsabilidade? Nós chamaremos ao acto, uma obrigatoriedade de sair pela porta dos fundos cheio de vergonha. Como agravante, o ex-secretário de Estado ainda teve o desplante de se atirar contra os órgãos de comunicação social alegando que tem estado em curso uma campanha de “desinformação”… Desinformação? Então, o que se passa na Procuradoria Europeia é desinformação? As empresas de imobiliário criadas por si, na qualidade de governante, são desinformação? Realmente, os jornalistas são uns malandros que divulgam cada verdade…

E estamos certos que esta demissão foi apenas a primeira num Governo onde as ministras da Saúde e da Administração Interna há muito já deviam ter pedido a demissão dos cargos, por indecente e má figura. Num Governo onde um advogado ligado ao negócio imobiliário é que foi contratado como consultor jurídico na elaboração da nova Lei dos Solos…

Acrescente-se, que fontes credíveis adiantaram-nos que por ter sido a RTP a divulgar o caso das empresas criadas pelo governante, que a RTP será alvo de privatização mais depressa do que estava planeado. Se assim acontecer, estamos perante mais um caso de vingança servida friamente, porque com uma RTP privatizada não podemos pensar que a liberdade de informação irá continuar…

A mesma RTP também avançou que uma das sociedades de imobiliário foi constituída em conjunto com a mulher e filhos do governante em causa, enquanto a segunda empresa tem como sócio uma menor de idade… Tudo “transparente”, como referiu o ex-governante. E é assim, que este nosso Portugal continua a ser governado, sempre com a capa de possíveis suspeitas, acusações, julgamentos e recursos atrás de recursos judiciais. Ai, Portugal, Portugal…

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