Reformar o sistema de júri

Recentemente, o secretário da Justiça de Hong Kong, Ting-kwok Lam, declarou que o sistema de júri pode ser revisto, mas o Governo não vai tomar a iniciativa de conduzir o debate.

O júri é um elemento importante do sistema jurídico que tem por base o direito consuetudinário. Segundo a Lei Básica de Hong Kong, a região pode continuar a reger-se por este modelo e conservar o sistema de julgamentos com presença de júri. Este princípio está consagrado no Artigo 86 da Lei Básica.

As qualificações para prestar serviço como jurado são relativamente vagas, na medida em que, no seu todo, precisam de reflectir os pontos de vista da sociedade. Desde que alguém tenha entre 21 e 65 anos, esteja na plena posse das suas faculdades, tenha completado o ensino secundário e seja proficiente em chinês e inglês, tem condições para ser seleccionado como jurado. Claro que existem excepções, como os juízes, os advogados, os membros do Conselho Executivo e do Conselho Legislativo, pessoas célebres, etc. O propósito destas restrições é evitar integrar no júri pessoas que possam ter algum tipo de ascendente sobre os outros jurados, garantindo, assim, a equidade do julgamento legal e evitando distorções de juízos.

Servir como jurado é um dever cívico que tem de ser cumprido por aqueles que foram seleccionados. Os empregadores dos jurados também têm de colaborar e dispensá-los do serviço enquanto o julgamento durar. Os jurados podem receber um pagamento diário do tribunal.

Em Hong Kong, os crimes mais graves são julgados com a presença de um júri no Tribunal da Primeira Instância ou no Supremo Tribunal. O júri é composto por 7 a 9 residentes da cidade. Habitualmente, os julgamentos cíveis não requerem a presença de um júri, mas há excepções, como nos casos de difamação. O júri tem apenas um dever, decidir se o réu é ou não culpado. Outros procedimentos legais, como decidir se a arma do crime pode ser apresentada como prova, qual a sentença a aplicar ao réu se for condenado etc., são todos decididos pelo juiz.

A grande vantagem de usar um júri é a equidade. O réu pode facilmente subornar um juiz, mas não é fácil subornar sete jurados. Além disso, os jurados são seleccionados no seio da população, e reflectem a percepção da sociedade sobre o caso. Não têm conhecimentos legais, mas devem decidir com base nas provas apresentadas. Sempre houve debates sobre este assunto na sociedade de Hong Kong. Os júris têm, na prática, muitos problemas, tais como:

No caso de corrupção do antigo Secretário-Geral do Governo de Hong Kong, Rafael Hui, um jurado pediu licença por doença e o tribunal concedeu-lha. O julgamento ficou suspenso até ao regresso do jurado.

Nesse mesmo caso, foram precisas 45 horas para chegar a um veredicto, fazendo com que este fosse um dos julgamentos que se arrastou por mais tempo em Hong Kong.

No caso de corrupção do ex-Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang, um jurado foi afastado por ter apertado a mão e falado com uma celebridade que tinha ido ao tribunal prestar declarações. Foi considerado tendencioso porque a celebridade era um apoiante de Donald Tsang.

No mesmo caso, um dos jurados, que trabalhava para o Departamento de Saúde do Governo de Hong Kong, teve de trabalhar aos sábados, a pedido dos seus superiores, e não esteve presente nesses dias no tribunal.

Além disso, no caso de Donald Tsang, o júri tinha problemas no domínio da língua. Na medida em que o julgamento decorria em inglês, o juiz dispensou um jurado porque ele não conseguia pronunciar a palavra “almighty” (“todo poderoso”). Outro jurado não conseguia pronunciar correctamente as palavras “affirm” (“afirmar”) e “verdict” (“veredicto”) quando prestou o julgamento em inglês. Foi também excluído do júri e substituído por outra pessoa.

No passado mês de Agosto, o Tribunal de Primeira Instância julgou um caso de violação ocorrido em Outubro de 2021. O júri, constituído por seis mulheres e um homem, chegou a um veredicto de 4-3 depois de deliberar durante sete horas. Uma vez que o veredicto não atingiu a proporção de 5 para 2, 6 para 1 ou 7 para 0, foi impossível decidir da culpabilidade do réu. O juiz teve de dispensar o júri e adiar o julgamento.

Reformar este sistema, implica extinguir os júris ou modificar o presente sistema. De acordo com o Artigo 86 da Lei Básica de Hong Kong, os júris devem permanecer. Se os júris forem abolidos, significa que a Lei Básica deve ser alterada. Como o Governo de Hong Kong não tem poder para alterar a Lei Básica por si só, terá de obter o consentimento do Congresso Nacional do Povo. É um processo legal longo e complicado.

Talvez o Governo de Hong Kong possa regular várias questões relacionadas com as regras do funcionamento dos júris através de legislação. Contudo, como o sistema de júri envolve a totalidade do sistema jurídico, o Governo de Hong Kong, os réus, os empregadores, os empregados, os jurados e outras partes, é difícil pesar os prós e os contras para cada uma delas. Por conseguinte, não é fácil melhorar o sistema de júri.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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