Macau Visto de Hong Kong VozesIndulto paterno (II) David Chan - 7 Jan 2025 A semana passada, analisámos o indulto que Biden concedeu ao filho. Esta semana, aprofundaremos o tema. A decisão de Biden desencadeou discussões e críticas dentro e fora do Estados Unidos. Estas críticas vieram não só dos seus opositores políticos, mas também da população e do sector jurídico. Em primeiro lugar, Biden salientou nas suas declarações que tinha tomado esta decisão na dupla qualidade de pai e de Presidente. Quando um pai vê o filho ser tratado injustamente e o apoia está a dar um testemunho vivo de amor paterno. Enquanto as pessoas tiverem filhos, existirá amor paternal. Não são só os Presidentes que amam os filhos. Assistimos frequentemente a situações em que os pais se sacrificam para salvar a sua prole. No passado dia 29 de Maio, o jornal britânico “Daily Mail” publicou uma notícia sobre a deflagração de um incêndio às 2.30 h da madrugada de 14 de Abril, numa casa situada na Warrington Road em Wigan, na Área Metropolitana de Manchester. Barry Mason, um pai de 45 anos, ignorou os avisos de familiares e amigos e lançou-se às chamas para salvar o seu filho Ethan de 4 anos. Infelizmente, acabaram por morrer os dois no incêndio. A família enterrou os dois no mesmo caixão para que ficassem abraçados para a eternidade. A 25 de Janeiro de 2023, o órgão de comunicação social 01 de Hong Kong anunciou que Shao Zhijun, natural de Taiwan, China, e aluno da Faculdade de Direito, para salvar o filho que sofria de leucemia, dedicou-se ao estudo de medicina e descobriu um novo tratamento para a sua doença. Não só lhe salvou a vida, como o seu trabalho acabou por ser publicado em revistas académicas de investigação. Shao Zhijun disse no Facebook: “O caso do transplante de medula óssea do meu filho foi publicado e eu sou o terceiro autor. É possível resolver o problema do cancro através da investigação genética. Os resultados dos últimos exames são bons. O meu maior desejo é que ele cresça saudável.” Um pai morreu para salvar o filho e os dois foram enterrados no mesmo caixão. Para salvar o filho, um outro pai trabalhou dia e noite para se informar sobre matérias que desconhecia e foi bem-sucedido. Estes casos ilustram a grandiosidade do amor paterno. Desde que compreendamos este sentimento, compreenderemos o indulto que Biden concedeu ao filho. Biden tem 82 anos e espera que o filho venha a ter uma vida estável depois da sua morte. Não é isto que qualquer pai deseja? O que é que tem de errado? Por um lado, quando um pai indulta o filho, é na verdade fácil pensar-se que a situação é injusta. Algumas pessoas pensam que desta forma se está a colocar o interesse familiar acima do interesse nacional, prejudicando a credibilidade presidencial. Esta preocupação não é infundada. Independentemente da explicação que Biden der, é difícil de ser aceite por todos. Por outro lado, alguns americanos estão preocupados que esta decisão possa vir a estabelecer um mau precedente, ou seja, o Presidente vir a usar o poder de indulto para proteger os familiares de consequências legais. Como já foi mencionado, Clinton indultou o seu meio-irmão Roger Clinton da acusação de posse de droga. No seu primeiro mandato, Trump indultou Charles Kushner, pai do seu genro Jared Kushner, das acusações de evasão fiscal. Agora, Biden concedeu o perdão ao filho pela posse ilegal de arma e evasão fiscal. Estes exemplos podem suscitar preocupações públicas sobre favoritismo presidencial. Além das preocupações do público sobre favoritismo presidencial, existe ainda a questão de abuso do poder de indulto. Como Biden perdoou criminosos a 10 de Dezembro, alguns meios de comunicação dos EUA assinalaram que, se Trump realmente perdoar os envolvidos nos ataques ao Congresso, então Biden deveria perdoar aqueles que investigaram a tentativa de Trump de anular os resultados das eleições presidenciais de 2020? Se isto vier a acontecer, o poder de indulto torna-se uma ferramenta que o Presidente usa para proteger os seus subordinados. Desta forma, a amnistia continuará a servir para reabilitar quem deseja enveredar pelo bom caminho? Continua a dar a estas pessoas a oportunidade de se integrarem e contribuírem para a comunidade? O poder da amnistia pode ainda ajudar infractores não violentos a regressar à normalidade? A intenção original do poder de indulto ainda se mantem? Por último, esta decisão levantou a interrogação sobre se Trump se pode indultar a si próprio quando tomar posse. Como sabemos, o Procurador Jack Smith arquivou os processos federais contra Trump, nos quais se incluíam alegada interferência nas eleições de 2020 e posse ilegal de documentos confidenciais, alegando que o Presidente não pode ser indiciado. O indulto é uma questão legal. A Constituição dos EUA estipula que o Presidente tem o poder de indultar pessoas que cometeram crimes federais, mas a questão é se esse poder se pode aplicar a si próprio. Os americanos só saberão a resposta a esta pergunta mais tarde. Como espectadores, esperamos que este caso não afecte o sistema jurídico dos Estados Unidos e também que sirva de referência para o resto do mundo. Seja como for, a decisão de Biden desencadeou uma ampla discussão e reflexão sobre o poder de indulto, sobre o abuso desse poder e ainda sobre se o Presidente se pode perdoar a si próprio. Este caso veio lembrar-nos mais uma vez que o poder de amnistiar é a última ferramenta de intervenção jurídica e o seu exercício deve ser efectuado de forma cautelosa para evitar controvérsias e mal-entendidos desnecessários. Devemos também compreender que a justiça e a autoridade da lei são os pilares da estabilidade social e do desenvolvimento. Qualquer tentativa de alterar estes princípios será amplamente questionada e criticada. Finalmente, neste caso, devemos considerar a preocupação de um pai idoso com o seu filho. Os laços entre os progenitores e as suas crias são os alicerces das famílias. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.