Via do MeioHangzhou e o Grande Canal José Simões Morais - 31 Dez 2024 O Rio Qiantang (钱塘江), o primeiro dos cinco rios que abastece de água o Grande Canal, tem junto à sua foz Hangzhou (杭州). Durante 1400 anos a cidade foi o terminal dessa vasta via aquática e é um dos centros para onde confluem e se reúnem, ou intersectam vários canais dos seus diferentes percursos. De Hangzhou parte o Grande Canal (Da Yunhe, 大运河) para Norte e em Zhenjiang atravessa o Changjiang entrando em Yangzhou, de onde por duas diferentes vias se pode navegar até Wuxi, aproveitando as águas do lago Tai, ou no percurso até Huai’an, a antiga secção Leste do Tongji (Tongji qu, 通济渠), usando o Rio Huai (Huaihe) por o antigo canal Hangou, de Shanyang (山阳, actual Huai’an) a Jiangdu (江都, hoje Yangzhou). Era o canal Shanyang [Shanyang du] dragado na dinastia Qin com 85 km de comprimento, a começar no Changjiang (Rio Yangzi) ia até Suzhou, de onde já no Período Primavera-Outono havia ligação a Wuxi. Yangdi, Imperador da dinastia Sui, em 605 mandou alargá-lo e estender o comprimento desse canal de Shanyang (actual Huai’an) até Yangzijin (扬子津), parte Sul da cidade de Jiangdu (actual Yangzhou). O canal Jiangnan yunhe (江南运河) vai para Sul até ao Rio Qiantang (Qiantangjiang) chegando a Hangzhou e para Leste da cidade, em Xixing, distrito de Binjiang, começa o Canal Zhedong (浙东运河, Zhejiang Leste ou Hangyong) com 240 km, a percorrer o Norte da província de Zhejiang, passa por Shaoxing (绍兴) e conjugando-se ao Rio Yong chega a Ningbo (宁波), onde no distrito de Zhenhai, termina o Canal. Já a Norte, as águas do Rio Qiantang vão desaguar no Mar da China do Leste. A cidade de Ningbo, a Nordeste da província de Zhejiang, é oficialmente considerada desde 2013 o término Sul do Grande Canal. Por etapas descontínuas, nas visitas a Zhejiang (浙江) percorremos todos esses cursos em diferentes alturas, repetindo-os ao visitar a capital da província Hangzhou, Shaoxing e Ningbo, ou para Oeste, na senda da seda, passando por Huzhou (湖州), Hanshan (含山), Wuxing (吴兴), no eixo Hangzhou-Huzhou, ou na via Shanghai-Hangzhou, encontramos na província de Jiangsu, Shengze [(盛泽), no distrito de Wujiang, pertencente a Suzhou e em conjunto com esta, a par de Hangzhou e Huzhou, foi uma das quatro cidades da seda], Tongxiang (桐乡) e a quinze quilómetros Wuzhen (乌镇), visitada era ainda uma antiga pequena aldeia com vida ao longo de canais ligados ao Grande Canal, a meio caminho entre Shanghai (Xangai) e Hangzhou. Nestas viagens, poucas vezes com oportunidade de as realizar por água e daí percorridas em autocarro, acompanhando em paralelo o Grande Canal, grande parte dos trajectos e era ver os barcos passarem lado a lado com a estrada, aparecendo ao mesmo nível desta. ONDAS NO RIO QIANTANG Desde há dois mil anos registado na literatura e poesia o fenómeno ocorre próximo do Festival do “Meio do Outono”, entre o 15.º dia do oitavo mês lunar, sendo o clímax no 18.º dia. Ondas de dois metros e meio penetram no Rio Qiantang e chegam à baía de Hangzhou, atraindo milhares de espectadores todos os anos. Esta extraordinária ocorrência deve-se a um conjunto de factores como a gravitação de corpos celestes, a força centrífuga produzida por a rotação da Terra e a forma de gargalo da baía de Hangzhou, sendo o melhor local para observar no concelho de Haining, em Haiyan e Xiaoshan. Hangzhou, com o nome de Lin’an, foi desde 1138 a capital da dinastia Song do Sul (1127-1279) devido à tribo tártara Jurchen (conhecida mais tarde por manchu, proveniente do Nordeste da China), ter em 1126 conquistado aos Song do Norte a capital Kaifeng. Levaram da corte quase três mil presos para Harbin [onde desde 1115 como dinastia Jin (1115-1234) os Jurchen tinham a capital Imperial em Huining (Harbin) e edificaram Zhongdu (Beijing)], e no inverno de 1141 os Song cederam aos Jin um vasto território, tornando-se como vassalos, pois pagavam um tributo anual de prata e seda. O restante da corte da dinastia Song retirou-se para Sul, fugindo das investidas dos Jin, e instalou-se em Nanjing (actual Shangqiu, província de Henan) onde Zhao Huan foi feito Imperador Qin Zong (1125-1127). O seu irmão, Zhao Guo, no ano de 1127 proclamou-se Imperador com o nome de Gao Zong e deu início à dinastia Song do Sul (1127-1279), mudando em 1138 a capital para a beira-mar, na cidade de Hangzhou. Era já em 907 chamada Lin‘an, quando Qian Liu fundou o reino Wuyue e aí fez a capital, governando Zhejiang, parte de Jiangsu e Fujian. Como a China do Norte se encontrava em guerra, as populações aí se foram refugiando pois Qian Liu pacificou o reino, expandindo-se este economicamente. O reino Wuyue (907-979) durou 72 anos, com três dinastias e cinco soberanos e só foi conquistado em 978 por a dinastia Song do Norte (960-1127) cuja capital era em Kaifeng. A História dos Dez Reinos ligados com as Cinco Dinastias (907-960) refere ainda o reino Wu (902-937), situado onde se encontram as províncias de Jiangsu, Anhui, Jiangxi e Hubei, com a capital em Yangzhou e Nanjing, durou 35 anos e teve quatro soberanos. Foi conquistado por o reino Tang do Sul (923-936) aos Liang Tardio (907-923), a dinastia que sucedeu à Tang (618-907). Shi Jingtang, o fundador da dinastia Jin Tardia (936-946) conseguiu o apoio dos Liao (916-1125) [tribo mongol dos Chitan na China] e conquistou o poder ao reino Tang do Sul, voltando a mudar a capital para Kaifeng. Só a dinastia Tang Tardio (923-936) teve Dong Du (Luoyang) como capital, pois nas restantes quatro pertencentes às Cinco Dinastias (Wu Dai, 五代, 907-960) era em Kaifeng. Já a vitória sobre os Han Tardio (947-950) de Zhao Kuangyin, chefe da dinastia Zhou Tardio (951-960), levou os seus oficiais a colocá-lo no lugar de Imperador com o nome de Taizu, fundando em 960 a dinastia Song, que durou até 1279. De 963 a 979 os Song conquistaram um a um os nove Estados do Sul e unificaram a China. ORIGENS DE HANGZHOU Próximo do mar, o local onde hoje está construída a cidade de Hangzhou encontrava-se originariamente coberto de água e na maré baixa, as águas do Rio Qiantang deixavam ver baías criadas pela areia. No tempo da dinastia Xia (2070-1600 a.n.E.) a este lugar foi dado o nome de Yuhang, por aí ter Yu, o primeiro rei dessa dinastia, chegado de barco (=hang). Antes da dinastia Zhou pertencia à área de Yangzhou (uma das nove regiões administrativas da então China). Durante a dinastia Qin (221-206 a.n.E.) começaram a construir-se casas no sopé do monte Lingyin, a Noroeste do lago e com o assoreamento, esse núcleo original foi-se expandindo para os vales a Leste e a Norte. Em 326, reinava a dinastia Jin de Leste quando foi construído o templo do Recolhimento das Almas, Lingyin si, sendo um dos dez mais importantes templos de Budismo Chan na China. Como cidade, Yuhang, o antigo nome de Hangzhou, só começou a ser construída em 406, entre as margens do lago Oeste já formado, e daí ao rio. Situada num vale ao longo do Qiantangjiang, com 410 km de zona fértil de plantações de arroz (com três colheitas ao ano), salinas, arbustos de chá pelas colinas envolventes, fábricas produtoras de seda, flores e pássaros de uma vegetação temperada. Nessa exuberância de produtos, não era de estranhar a capital da província de Zhejiang, Hangzhou, pela abundância ser de onde a grande parte dos impostos, normalmente pagos em géneros, partiam como tributos rumo às cidades Imperiais. O centro de Hangzhou gira em torno do imenso lago, antigamente denominado Búfalo Dourado, formado a partir de uma inicial lagoa, alimentada pelas águas do Rio Qiantang. Conta a lenda viver o búfalo dourado deitado no fundo do lago e sempre que começava a diminuir o nível das águas, o búfalo emergia e voltava a enchê-lo. A história reporta-se à dinastia Han (206 a.n.E.-220), quando oficiais locais, para agradar ao Imperador, pediram à população para drenar as águas do lago. Seco, logo o búfalo apareceu e os oficiais correram para o apanhar. Furioso, o búfalo produziu água suficiente num só momento que encheu o lago e desde então nunca mais secou. Hoje lá está o búfalo dourado numa estátua dentro de água a recordar as origens desta cidade. Durante a dinastia Sui, Hangzhou foi muralhada quando Yangdi, o segundo imperador mandou rasgar o Grande Canal. Na dinastia Tang, conjuntamente com Yangzhou e Guangzhou, Hangzhou era um dos três portos de Trato, tanto com ligações marítimas, como fluviais. Os viadutos vieram modernizar Hangzhou, que num momento se encheu de automóveis e pessoas, mas tapam, escondendo o que fica ao nível de solo. Voando de carro por um viaduto em primeiro andar somos dirigidos por a zona Norte da cidade, ficando assim sem visão dos muitos canais que atravessam a cidade. Só mais tarde ao caminhar pelas ruas, as pontes em arco chamam a atenção, agora desenquadradas devido à diminuição do espaço a envolver o canal por necessidade de aumentar as vias rodoviárias. Na parte Nordeste do lago, a planta da cidade feita em relevo na estrutura do passeio, permite perceber a rede de canais, os limites das muralhas, a área ocupada pelo vasto lago e em visão aérea, planar por séculos da História de Hangzhou. Após passear nas margens do Lago Oeste (Xihu, 西湖), dirigimo-nos para a praça Wulin e caminhando por o antigo centro, duas antigas pontes deslumbram ao longo do trajecto iniciado na estação rodoviária do Norte. Chegados à praça central de Wulin, do cais terminal do Grande Canal queremos embarcar para ir visitar o Museu do Grande Canal. Nem barco de carreira para aí nos levar [existente dois anos depois], pois esse era o meio para navegar num primeiro contacto por esta enorme via de água. Sem outra possibilidade partimos de táxi. Chegados à praça referenciada como o local do museu, uma antiga ponte chama a atenção, toda de pedra com três arcos, construída em 1631, é a ponte Gongzhen a salvar esta viagem, pois o museu está fechado por três dias, como o porteiro nos indica. Mais tarde ficamos a saber faltarem três dias para o museu ser inaugurado, quando em 2007, seis meses após viajar de barco por o Grande Canal, aí voltamos, agora num turístico barco de carreira até à nova zona de museus de Hangzhou.