Via do MeioOs retratos de dois velhos da família de Ruan Zude Paulo Maia e Carmo - 26 Nov 2024 Zhang Zao, no século VIII, seguindo uma já longa tradição, resumiu numa frase a expressão de um objectivo a atingir pelos pintores que se dedicaram à chamada pintura de paisagens (shanshui): «estudar a natureza como disciplina externa, encontrar a fonte interiormente no teu coração». Inversamente, o observador via preferencialmente a personalidade do pintor na pintura de uma paisagem como no celebrado caso da Quinta Wangchuan de Wang Wei (699-761), reconhecida como um seu retrato. Mas para executar um símile das feições de uma pessoa, necessário por exemplo para o culto familiar dos antepassados, havia regras a cumprir como a ausência de sombras no rosto, entendidas como mau presságio, que se mostravam como um de vários desafios às oficinas que, em geral, executavam tais trabalhos. E como obra colectiva, poucos desses retratos foram assinados. No fim da dinastia Ming, porém, é notável o caso raro de dois retratos de um casal de idosos, assinados e pintados por um membro da família dos retratados, feitos quando eles ainda viviam, que podem ser observados no Metmuseum (rolos verticais, tinta e cor sobre seda, 156,8 x 96,2 cm). No rolo do marido está uma inscrição que revela ser este retrato feito por Ruan Zude do seu tio-bisavô Yizhai com oitenta e cinco anos. A excepcional expressividade dos rostos mostrados de frente, conforme a tradição dos retratos dos antepassados, revela um invulgar domínio do desenho com uma linha para comunicar a percepção da tridimensionalidade sem modulações de cor. O que se opõe fortemente ao modo aparentemente convencional como é representado o corpo das duas figuras sentadas em cadeiras de braços (quanyi) que fazem um contínuo com o espaldar num círculo, que contrasta com o rectângulo do supedâneo a seus pés. Envoltas em exageradas vestes de um azul de azurite com um padrão repetido de nuvens, os rostos das figuras emergem intensos e afáveis das suas vestes de aspecto artificial, abstracto. Detalhes distinguem cada um dos retratos. Ruan Zude colocou nas vestes da senhora e não do marido, o «quadrado dos mandarins» (buzi) decorado com animais ou pássaros que, pelo menos desde a dinastia Yuan, indica o grau militar ou civil na administração imperial composta unicamente por homens. Neste caso, dois grous da Manchúria indicam o grau civil mais elevado e porque o marido não ostenta o buzi é provável que ela o possua por herança do pai. Sobre a cabeça uma luxuosa tiara decorada a ouro e penas azuis embutidas do pássaro guarda-rios (cui niao). No retrato de Yizhai, o tecido bocado a ouro e vermelho da cadeira é um discreto sinal de luxo. Mas todos esses indícios ficam atrás da superior nobreza do rosto dos dois velhos; do seu olhar cândido, de bondade e sabedoria que o jovem familiar teve a sensibilidade de discernir na sua obra de amor filial (xiao).