E. E. Cummings

Desarmar, recriar, inventar e dar à língua um fôlego renovado, é a missão mais comprometida de um poeta, que recriará novas semânticas e valências a partir de um equilíbrio constante em seu não menos intenso labor. Cummings acaba por agregar todos estes atributos numa obra que muitos consideram deveras desconcertante.

Vejamos que a nível do grafismo e dos sinais de pontuação começa por subverter toda a composição estabelecida como correta, expondo desse modo o leitor a um processo dinâmico para seguir a composição; não é fácil, e por isso se torna apaixonante seguir a desconstrução aparente de uma ideia que vem em estilo poético, mas que parece absolutamente legítima, que é o de buscar para o centro do labirinto o próprio leitor, que como muita gente sabe, é um agente passivo à espera de projectar os seus anseios no tecido da escrita que outros fizeram.

Estamos nos anos vinte do século passado e as vanguardas estão na ordem dos dias, onde ele ocupa um espaço dominante, e é no embrião do Surrealismo que edita o primeiro livro e integra os primeiros movimentos do século, mas desviado de um certo estruturalismo, e sua marcha não foi fácil, sua aceitação, difícil, e a nível da publicação sofrerá ainda interditos. Só a partir dos anos cinquenta vai existir um alvorecer instigado pela poesia concreta que lhe dá asas tendo a reciprocidade deste vínculo uma importância decisiva. É considerado um dos mais inventivos poetas da linguagem, e isso, é trabalho que terá de ser feito sempre por poetas. Ou seja, pela estrutura da sua natureza, que quem quiser escrever “poemas” terá toda a liberdade de o fazer, evidentemente, que de escriturários autores estamos cheios, e seus sentimentos eles que os sintam. Falamos, claro está, de outra coisa.

Há coisas que por mais que nos consumam atenção, seguidas logo como moléstia pelo tempo perdido, vamos recuperá-las em pequenos prodígios como este [não te importes com o mundo, com quem faz a paz e a guerra, pois deus gosta de raparigas e do amanhã da terra] e estamos lavados das imundices. A linguagem pode ser imunda, sim, sem nenhuma retórica escatológica para movimentar os paralisados da ordenação correcta acerca daquilo que se deve ou não dizer. Deve-se e pode -se dizer tudo, a diferença está somente naquele que sabe fazê-lo. A língua portuguesa, essa, está entregue a uma minoria tão silenciosa, que pensamos que sejam seitas telepáticas em confronto com as vicissitudes da linguagem tangível dos quotidianos acontecimentos.

E por falar em telepático, há muito que não viajava por E.E. Cummimngs (aliás, até o nome é todo ele repleto de minúsculas e maiúsculas como se nos baralhasse o sentido intitular, que o aparelho fonético aderiu tanto ao cérebro que “chuta” para trás o que lhe é estranho mencionar) não é que me caiu aos pés, impulsionado por movimentos felinos, o seu livro de poemas?- Tudo junto, livrodepoemas, exatamente no dia 14 de Outubro que o acaso quis fosse o seu aniversário. Tinha sido em 1894. Aqueles instantes onde a linguagem continua, e falamos. Mas falamos como, de quê? Nestes casos pode ser uma certa “aeroglifisação” que nestas coisas o poema é sempre mais adiante, e acontece pronto.

Morreu com sessenta e sete anos, tão perto de ti, de mim, de nós…

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