Eleições CE | Saída de Ho Iat Seng, por motivos de saúde, encarada com “surpresa”

Com a saída de Ho Iat Seng da corrida às eleições para ser o próximo Chefe do Executivo, o presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, parece ser o senhor que se segue. Jorge Fão destaca o facto de, pela primeira vez, poder surgir um candidato que não é empresário, mas funcionário público

 

Ao cair do dia desta quarta-feira a vida política de Macau sofreu um volte face. Ho Iat Seng, que todos esperavam ser novamente candidato ao cargo de Chefe do Executivo para um segundo mandato, renuncia por questões de saúde. É a primeira vez na história da RAEM que um Chefe do Executivo não cumpre o segundo mandato de cinco anos, ao contrário do que aconteceu com Edmund Ho e Chui Sai On.

Sem Ho Iat Seng, os olhares estão depositados na possível candidatura de Sam Hou Fai (ver página 4). Ao HM, Jorge Fão, ex-membro da Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo (CECE), destaca a importância de, pela primeira vez, não ser um empresário a subir ao mais elevado lugar no pódio político da RAEM.

“Dos [candidatos] que se vão posicionar vejo que o presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) tem mais hipóteses. Há dias perguntaram-me sobre esta possibilidade [de Sam Hou Fai concorrer], mas não acreditei. Porém, com Ho Iat Seng afastado, vejo que tem fortes possibilidades de avançar”, disse.

Para Jorge Fão, “é altura de entrar um funcionário público e não um empresário. É o mesmo que está a acontecer em Hong Kong”, destacou. “Sam Hou Fai é um homem experiente, e deve ser uma pessoa da alta confiança do Governo Central, não tendo feito um mau trabalho no exercício das suas funções como juiz. Tem experiência de vida e profissional, mas falta-lhe experiência ao nível da Administração pública e nas áreas económica e política.”

Porém, Jorge Fão acredita que, no que diz respeito a questões económicas, “o Governo Central vai ajudar, bastando conceder mais quotas de viagem da China para Macau”.

“É sempre bom ser uma pessoa da área da justiça, o que dá a entender que o Governo será mais transparente e que haverá menos corrupção, embora seja importante que não se exagere nesse controlo com recurso à justiça, pois pode asfixiar tudo o resto, nomeadamente o trabalho de associações. Não pode ser uma governação apenas centrada no Direito.”

Jorge Fão, que ficou de fora nestas novas eleições para a CECE, considera ter ficado surpreendido com o anúncio de Ho Iat Seng. “Foi uma surpresa para muitos e para mim também, porque todos os Chefes do Executivo fizeram dois mandatos desde a fundação da RAEM. Ele esteve fora cerca de 40 dias, tem problemas de saúde, e além disso já não é assim tão novo.”

Cedo para balanços

Na nota divulgada ao final da tarde de quarta-feira, Ho Iat Seng assumiu que as questões de saúde são a razão para não ser novamente candidato. “Devido a problemas de saúde ainda não totalmente resolvidos, a bem do desenvolvimento a longo prazo de Macau e partindo do que corresponde ao melhor interesse desta região, decidi não participar na eleição para o sexto mandato do Chefe do Executivo.”

Ho Iat Seng, que foi empresário e deputado, tendo presidido também à Assembleia Legislativa, garantiu que irá dar “todo o apoio ao Chefe do Executivo do sexto mandato e ao Governo da RAEM nas acções governativas em cumprimento da lei”, além de contribuir para a manutenção do princípio “Um País, Dois Sistemas” e o desenvolvimento de Macau.

Ao HM, o economista José Sales Marques disse ser cedo para fazer balanços. “Desejo-lhe uma rápida e completa recuperação. O Dr. Ho Iat Seng, cujo mandato ainda não terminou, tem vindo a governar Macau durante o período mais difícil da RAEM, demonstrando grande dedicação à causa pública. Ainda é demasiado cedo para se fazer qualquer balanço.”

Outra voz que já comentou o afastamento de Ho Iat Seng foi o deputado Pereira Coutinho. Na sua página oficial de Facebook, o deputado disse tratar-se de uma decisão “previsível”, com um “‘timing’ apropriado e adequado”, tendo em conta que “a actual situação económica é grave e muitos residentes estão desempregados ou a trabalhar em tempo parcial”.

Há ainda “muitas questões sociais por resolver”, sendo que, para o deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, “a moral dos trabalhadores da função pública é a mais baixa de sempre”. “O futuro Chefe do Executivo tem muitos desafios pela frente e tudo dependerá da sua capacidade de visão, competência, integridade, sentido de justiça e capacidade de liderar uma equipa de titulares dos principais cargos públicos com o objectivo de elevar a qualidade de vida dos cidadãos”, adiantou.

Visão de jogo

O ex-deputado Au Kam San adoptou uma posição mais crítica em relação a esta alteração no cenário eleitoral. Nas redes sociais, escreveu que a desistência de Ho Iat Seng pouco interessa à população, uma vez que o Chefe do Executivo é eleito por uma comissão com apenas 400 pessoas, no contexto de uma população com quase 700 mil. “Porém, como o Chefe do Executivo não será apenas Chefe do Executivo de um pequeno círculo de 400 conselheiros, é inevitável prestar atenção ao impacto social da eleição.”

Segundo o portal GGRAsia, a correctora Seaport Research Partners adiantou que não se esperam “quaisquer alterações materiais” no sector do jogo com esta mudança de fundo nas eleições. Vitaly Umansky, analista da Seaport, disse numa nota divulgada ainda na quarta-feira que o anúncio não foi “surpreendente, uma vez que Ho tem manifestado preocupações de saúde há algum tempo e teve uma licença prolongada em Julho”.

“Nesta fase, não existe um candidato óbvio para o cargo, mas esperamos que o eventual Chefe do Executivo venha de dentro da Administração governamental”, afirmou, dizendo ainda que “é muito certo que o status-quo será provavelmente o principal motor do novo Chefe do Executivo, com a continuação dos principais objectivos políticos”, incluindo “o apoio à indústria do jogo e da hotelaria”.

Na mesma nota é referido que o próximo candidato e potencial vencedor “será totalmente examinado e aprovado pelo Governo Central”, chegando ao cargo “com uma forte experiência no Governo de Macau e uma compreensão da importância da indústria do jogo e da hotelaria para o bem-estar económico e o desenvolvimento futuro de Macau”.

A correctora avançou com alguns nomes, tal como o actual secretário para a Administração e Justiça, André Cheong Weng Chon; o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak; nomes que, de resto, também foram apontados por Jorge Fão ao HM como possibilidade. A Seaport previu ainda a candidatura de uma pessoa “mais recentemente mencionada nos meios de comunicação social locais”, Sam Hou Fai.

Beco sem saída

Na corrida ao cargo de Chefe do Executivo há ainda outro nome nas margens das elites políticas, Jorge Chiang que terá poucas possibilidades de obter o mínimo de 66 votos da comissão eleitoral para se qualificar como candidato. Jorge Chiang preside à Associação de Institucionalismo de Macau e Associação Comercial de Lotus de Macau, sendo, porém, pouco conhecido nos habituais meios políticos.

“Nasci em Macau. A minha família vive cá há muitos anos, desde a década de 1940. Estudei áudio, iluminação e telecomunicações e trabalhei na área financeira tanto na China, como no exterior. Durante a juventude, trabalhei no Centro Diocesano dos Meios de Comunicação Social. Sou católico”, afirmou ao HM na altura em que divulgou nas redes sociais que seria candidato a líder do Governo.

Em toda a história das eleições para Chefe do Executivo da RAEM só houve, no primeiro acto eleitoral da era RAEM, um segundo candidato, tendo Stanley Au perdido contra Edmund Ho.

Tudo indica que está por dias a oficialização de candidatura de Sam Hou Fai, até porque o período de apresentação de candidaturas arranca na próxima quinta-feira, 29 de Agosto, terminando a 12 de Setembro. As eleições estão agendadas para 13 de Outubro, sendo que a tomada de posse do novo Chefe do Executivo acontece em Dezembro, por altura do 25º aniversário da transferência da administração portuguesa de Macau para a China.

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