Diversificação das gorjetas

A semana passada, uma notícia escaldante atraiu por todo o lado a atenção dos internautas. O motivo da polémica foi a adição nas contas de alguns restaurantes norte-americanos de uma taxa designada por “kitchen appreciation fee” (KAF) (gorjeta para o pessoal da cozinha), que representa aproximadamente 2 por cento do total do consumo. Muitos clientes estranharam quando receberam a conta e ao tentaram ser esclarecidos não receberam uma resposta clara dos empregados.

O incidente ocorreu num restaurante em Maryland, EUA. O cliente pediu dois pequenos almoços, dois sumos de laranja e um cocktail, o que perfazia 56 dólares. Mas quando recebeu a conta, percebeu que também teria de pagar a KAF.

De acordo com as notícias que circulam online, a KAF não é novidade nos Estados Unidos. Antes da pandemia, alguns restaurantes já a incluíam. O montante desta taxa adicional, que pode variar entre 2 por cento e 10 por cento do valor da conta, destina-se ao pessoal da cozinha que tem salários baixos e está sob grande pressão económica.

Simultaneamente, as notícias online também mencionam a cultura das “gorjetas”, semelhante à KAF, mas que tem uma longa história. A KAF destina-se ao pessoal da cozinha, enquanto a “gorjeta” é entregue ao empregado que serve à mesa. “Gorjeta” é o pagamento extra dado pelo cliente à pessoa que o atendeu. O montante habitual varia entre 10 por cento a 25 por cento do consumo e representa o reconhecimento do trabalho do empregado que serve à mesa. Esta tradição teve a sua origem em Londres no século XVIII. Existia uma taça na mesa de hotel com uma etiqueta que dizia “para garantir um serviço imediato”. Os clientes só precisavam de pôr algumas moedas na taça e eram rápida e atenciosamente atendidos.

À medida que os tempos foram mudando, estas taças foram sendo substituídas por caixas registadoras, mas a cultura das “gorjetas” permaneceu. Quando a conta do cliente é feita, no ecrã da caixa registadora aparecem opções pré-definidas para as gorjetas, com percentagens de 15 por cento, 20 por cento, 25 por cento. Para não fazerem má figura, muitos clientes dão grandes gorjetas mesmo que não tivessem vontade de o fazer. Alguns estudos também provam que uma gorjeta inferior a 20 por cento é considerada “uma ninharia”.

As pessoas têm opiniões diferentes sobre o sistema das gorjetas. De acordo com os dados de uma empresa de serviços financeiros, 66 por cento dos inquiridos têm uma opinião negativa do sistema das “gorjetas”, 41 por cento disseram que os patrões deveriam pagar melhor aos empregados e não depender das gorjetas para compensar salários baixos. Além disso, mais de 30 por cento eram absolutamente contra as percentagens de gorjeta pré-definidas e afirmavam que este sistema estava fora de controlo.

Inesperadamente, na América, este assunto tornou-se uma questão inclusivamente ao nível político. Donald Trump, um dos candidatos à presidência dos EUA, propôs que as gorjetas fossem retiradas da declaração de rendimentos dos empregados para lhes reduzir a carga fiscal. Embora esta proposta tenha causado controvérsia, também reflecte a grande influência do sistema de consumo na sociedade norte-americana.

Voltando à KAF e às gorjetas propriamente ditas, estas duas taxas servem como fonte de rendimento adicional para os funcionários dos restaurantes. Embora sirvam em certa medida para aliviar o seu fardo económico, também acarretam várias questões sobre as quais vale a pena reflectir.

Em primeiro lugar, a incerteza sobre a quantia que recebem através da KAF e das “gorjetas” causa instabilidade aos empregados, que já têm dificuldades financeiras. O método ideal é, seguramente, aumentar os ordenados e tornar os seus rendimentos estáveis. Mas os salários fazem parte das despesas operativas dos restaurantes. Se forem aumentados, os custos também aumentam, por isso proprietários têm de considerar essa possibilidade com cautela.

Em segundo lugar, quer o pessoal da cozinha, quer o pessoal das mesas, são pagos pelo seu trabalho. A KAF e as “gorjetas” são rendimentos secundários que advêm dos seus serviços. Por isso, se o dono do restaurante não concordar, os funcionários deixam de poder receber a KAF e as “gorjetas,” porque não podem usufruir de dois rendimentos por um trabalho único.

Em terceiro lugar, a situação agrava-se se os trabalhadores se esforçarem mais e servirem melhor o cliente depois de cobrarem a KAF e a “gorjeta.” Do ponto de vista administrativo, os empregados devem prestar o mesmo serviço a todos os clientes, por isso quem gratifica melhor não deve ser mais bem servido. Basta pensar, se o cliente põe a “gorjeta” na taça, para ser mais bem atendido, quebra-se a “igualdade” com que os clientes devem ser servidos. De forma a evitar problemas desnecessários, algumas grandes empresas proibiram as “gorjetas”.

Em quarto lugar, para o pessoal da cozinha e das mesas, a KAF e as “gorjetas” representam parte do seu rendimento e por isso são colectáveis. O patrão também tem a responsabilidade de comunicar às Finanças o montante em KAF e “gorjetas” recebido pelos empregados, caso contrário será suspeito de omissão na declaração de impostos. Mas na verdade, se os clientes gratificassem directamente os empregados, o patrão não teria forma de saber o valor que recebiam e não poderia informar as Finanças. Se assim fosse, o Governo cobraria menos impostos.

Os montantes da KAF e das “gorjetas” não são elevados, mas levantam muitas questões. Vale a pena manter esta prática? E como se deve defender os interesses dos accionistas? Como é que pode ser melhorado? Vale a pena pensar sobre isso.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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