Olímpicos

E entramos numa musculada semana de força e beleza, treino e competição, um momento muito afeito a marcas de perfeito domínio, mas já desfeito daquelas singularidades por onde os deuses expressam a sua confiança na humanidade. Estamos expectantes, atentos, e até com alguma preocupação, que o seio da Europa não é uma competência com que possamos contar, e o momento bastante difuso, instável, e França um palco mundial para o Ólympos (grego romanizado) mostrar grandiosidade.

Vamos então para a cidade Luz que o inferno também ilumina os que transgridem para a direção do fogo, e pensar no Monte das distantes colinas onde o ponto mais alto dava pelo nome de Miticas. Já vimos aquela animação exemplarmente bem-feita onde os arquétipos funcionam na medida grande num florescente panteão na esperança de que ” esse assento etéreo” nos inspire e acalente no tempo inqualificável do mundo.

«Os deuses tiram quanto dão. Ter é tardar.» Olímpia já não mora aqui, e todo o nosso jogo é um plasma a ser visto sem altar, que o mundo não altera nada à sua natureza de vórtice em busca de diversão em escalada, que ao passar para Delfos mais nenhum mistério acrescentou aos desígnios singulares dos heróis. Eles começaram em Olímpia no ano 776 a.C., tendo por designação Olimpíada – que um monte, é só um monte, e Olimpo uma morada. Agora Páris volta para o seu jogo de Tróia, onde Paris por estas horas já é uma cidade sitiada. Vamos assistir. É Verão e os corpos transluzem, tornam-se formidáveis, e mostram que os deuses habitam ainda dentro deles e a chama já está acesa para o momento. Outra vez a velhice a cobrar danos entre as Nações ocidentais, que um Papa veio há um ano a Portugal, velho e feliz, para uma jornada de juventude onde ninguém reparou na idade e com tal pugilismo que remetemos até para a face apolínea da era estival. Em nossa escala foi apoteótico, podendo ser designada como uma Olimpíada inesperada tão súbita quanto os milagres.

Todos gostaríamos muito de estar em Paris vestidos de branco com coroas de flores e ramos de oliveira assistindo a tão memorável evento, que Paris, por pior que esteja o mundo, é a Cidade. As vilas deram os vilões, as aldeias, os aldeões, mas agora de tão unidos que estamos, sabemos que não nos poderemos esconder no Olimpo que fora outrora forte cidadela, e que em Paris estarão como na primeira festa em Olímpia a mesma humanidade dando um espectáculo para que as tochas sejam distribuídas como fogo sagrado. – Parísios, esse povo gaulês que nunca deixou jamais de mostrar o que neles sempre ardeu de intempestivo e cruente… mas estamos mais com Píndaro de Tebas, o maior poeta grego, o das Odes Olímpicas: (…) nem trovaremos torneio mais nobre que Olímpia… ele estará presente em espírito em todas as Olimpíadas do mundo pois acreditava na sua glória eterna.

Aquilo de que um corpo é capaz, a alma não espelha, mas ele, animado, total e grandiloquente qual poema helénico, nos vai ainda maravilhar pelo espírito. É um distintivo da nossa inteligência, e veículo de dança que só mesmo os deuses concedem. A literatura amante dos jogos tinha certa predileção pela água, e todos pareceram fiéis ao mote de Píndaro.

“O que me encanta é a linha alada

das tuas espáduas, e a curva que descreves…

tua fina, ágil cintura…pássaro de água”

Cecília Meireles

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Armindo de Vasconcelos
Armindo de Vasconcelos
14 Ago 2024 03:22

Quando me imolo no prazer da leitura, e ela me subverte, normalmente grito um palavrão que até pode ser eloquente. Aqui, é bom que se saiba, fiquei redutível a um espanto. Quanto mais não seja, pelo caminho escolhido para as palavras. Sim, tenho que rever os meus palavrões alegadamente eloquentes