Sobre a pintura mil quilómetros de rios e montanhas de Wang Ximeng

Xi Chuan, China (1963)

trad. Jorge Sousa Braga

As cores verdes e as cores azuis fluem juntas e formam montanhas vazias. Embora algumas pessoas caminham por elas, continuam a ser montanhas vazias, como se as pessoas que caminham por lá não tivessem rostos. Mesmo assim são pessoas. Ninguém deveria tentar reconhecer-se nessas figuras ou tentar ver as verdadeiras montanhas e águas deste mundo, nem deveria pensar em tentar obter elogios casuais de Wang Ximeng. Wang Ximeng conhece essas pequenas figuras e nenhuma delas é ele mesmo.

Estas não são as suas figuras e ele não pode citar nenhuma delas pelo nome. As figuras adquirem as montanhas e as águas, assim como as montanhas adquirem a esmeralda e o lápis-lazúli, assim como as águas adquirem vastidão e barcos.

O imperador Huizong contratou Wang Ximeng aos dezoito anos, sem saber que Wang morreria logo após terminar estes milhares de quilômetros de rios e montanhas. As montanhas e as águas não têm nome. Wang Ximing percebe que as pessoas sem nome são apenas figuras decorativas nas montanhas e nas águas, assim como os pássaros que voam sabem que são insignificantes para os jogos dos homens. Os pássaros encontram-se no céu.

Entretanto, as pessoas que caminham nas montanhas têm os seus próprios itinerários e os seus próprios planos. Essas pequenas figuras de branco caminham, sentam-se à vontade, vão pescar, negociar, rodeadas de cores verdes e azuis, assim como hoje as pessoas de preto vão a banquetes, concertos e funerais, rodeadas de cores douradas e mais cores douradas.

Estas pequenas figuras vestidas de branco nunca nasceram e, portanto, nunca morreram; tal como a utopia paisagística de Wang Ximeng, são imunes à poluição e à invasão e isso merece uma consideração cuidadosa. Assim, as pessoas que estão longe dos controlos sociais não têm necessidade de ansiar pela liberdade e as pessoas que não foram destruídas pela experiência não estão preocupadas com o esquecimento.

Wang Ximeng permitiu que os pescadores tivessem um número infinito de peixes para pescar, permitiu que águas ilimitadas corressem das montanhas. Segundo ele, felicidade significa a quantidade exata de bênção para que, imersas no silêncio entre montanhas e águas, as pessoas possam construir pontes, azenhas, estradas, casas e viver tranquilamente, como as árvores que crescem nas montanhas, ao longo das margens dos rios ou ao redor de uma aldeia e das pessoas que a habitam.

Ao longe as árvores parecem flores. Quando elas se agitam é o momento em que se intensifica o vento claro. Quando o vento claro se intensifica é a altura de as pessoas cantarem. Quando as pessoas cantarem é a altura de uma montanha vazia se tornar numa montanha vazia.

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