Jogo | Fim de licenças offshore nas Filipinas credibiliza o sector, diz analista

O Presidente das Filipinas anunciou na segunda-feira o fim das licenças offshore para jogo online, o que, na visão do advogado e analista de jogo Óscar Madureira, constitui um passo importante para aumentar a credibilização do sector de jogo no país. O causídico considera improvável que Macau venha a ter licenças de jogo online

 

É sem dúvida uma reviravolta num dos mercados de jogo mais proeminentes da região do Sudeste Asiático. Esta segunda-feira o Presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr, anunciou o fim das licenças para jogo online em regime offshore, muitas vezes associadas a actividades criminosas, dada a sua pouca transparência em termos regulatórios.

Coloca-se, assim, um ponto final nos chamados “POGOS”, ou seja, “Philippines Offshore Gaming Operators” [Operadores de Jogo Offshore das Filipinas], que dariam emprego a pouco mais de 25 mil cidadãos filipinos, segundo dados oficiais relativos a 2023.

Ao anunciar o fim das POGOS no Senado, o Presidente filipino foi aplaudido de pé aquando do seu discurso sobre o Estado da Nação. Aí, Ferdinand Marcos Jr disse que “tinham de acabar” os “graves abusos e desrespeito pelo sistema jurídico”.

“Disfarçando-se de entidades legítimas, as suas operações aventuraram-se por áreas ilícitas muito distantes do jogo, como a burla financeira, o branqueamento de capitais, a prostituição, o tráfico de seres humanos, o rapto, a tortura brutal e até o homicídio”, disse ainda.

Destaque para o facto de, em Junho, a embaixada chinesa em Manila ter feito um apelo às autoridades do país para proibir o jogo online, a fim de se coadunarem com as medidas adoptadas pela China de combate ao jogo transfronteiriço. De frisar que Pequim rejeitou alegações que sugeriam que o Governo chinês estava ligado aos POGOs, que, muitas vezes, visavam clientes da China continental, onde o jogo não é permitido.

Contactado pelo HM, o advogado Óscar Madureira diz não ver qualquer impacto significativo desta decisão das autoridades Filipinas no mercado de jogo em Macau, frisando que é um “passo positivo que o regulador filipino dá na tentativa de credibilizar o mercado”.

“Este tipo de licenças não seguem as melhores práticas internacionais pelas suas características offshore, e por se aplicarem a uma realidade muito circunscrita. Para a credibilização do mercado [a proibição] é algo altamente positivo.”

Concorrência desleal

Óscar Madureira destaca ainda o impacto económico que o fim destas licenças poderá provocar no país, sendo que, ao nível dos impostos para o Estado, são baixas as receitas.

“Do ponto de vista da arrecadação do imposto estas entidades contribuem pouco para os cofres do Estado filipino, e aí, à partida, não deverá haver grande impacto [económico]. Haverá depois uma série de websites de apostas desportivas e de jogo online que vão deixar de ter estas licenças e que emigram para o mercado ilegal, o que obrigará as autoridades filipinas a uma maior fiscalização.”

Essa monitorização deve “ser mais eficiente, a fim de impedir que os cidadãos filipinos joguem em portais não autorizados”.

Acabar com as licenças de jogo offshore constitui, assim, “um ponto positivo para as Filipinas enquanto praça de jogo”, além de “acompanhar as melhores práticas internacionais. “Temos países onde o jogo é permitido, com apostas online e de base territorial, e outros em que não é. As licenças de jogo online são sempre locais, funcionando dentro da própria jurisdição, que não permite jogadores de fora. Mas no caso das licenças offshore, com o domínio “.com”, não se limitam a um território e podem ser acedidos a partir de jurisdições onde o jogo online não é permitido, descredibilizando essa própria jurisdição. Muitos jogadores nem podem jogar no seu próprio país e há aí uma concorrência quase desleal.”

Um pequeno território

Questionado sobre a possibilidade de Macau vir, um dia, a ter licenças de jogo online, Óscar Madureira afasta essa ideia, pois será difícil manter uma licença restrita à jurisdição local, enquanto que apostar no universo offshore não faria jus ao quadro regulatório de jogo que o território já tem. “As operadoras de Macau são todas territoriais e operam numa fórmula altamente conservadora, pois é um mercado fechado e limitado às apostas de base territorial em casinos. Face ao objectivo do Governo Central de manter a China fora desta indústria, acho muito improvável que Macau venha a legislar o jogo online.”

Ter licenças de jogo online em Macau implicava que os websites tivessem o domínio “.mo”, além de estarem circunscritos a jogadores locais. “Só quem estaria em Macau poderia aceder ao website e face ao tamanho exíguo que o território tem não faria sentido criar uma licença online exclusiva dadas as grandes limitações existentes em termos populacionais.”

Além disso, “caso fosse criado um regime de licenças online offshore como existe nas Filipinas, e como há em outras jurisdições, como Malta” não se iria coadunar com o posicionamento de Macau como “região altamente idónea e regulada, que está nos patamares cimeiros” de regulação do sector do jogo. “Macau não optará por essa via”, rematou o advogado que viveu vários anos em Macau.

A decisão de Ferdinand Marcos Jr tem efeito imediato, noticiou o portal Inside Asian Gaming, sendo que as operadoras offshore têm até final do ano para encerrar as suas actividades.

O discurso do Estado da Nação que anunciou o fim das POGOs surge depois da pressão sentida pelas Filipinas para investigar a verdadeira natureza destas operações. As autoridades policiais chegaram mesmo a realizar uma série de rusgas em complexos ilegais com licenças offshore nas zonas de Pampanga e Tarlac, devido a alegações de que estariam envolvidos em tráfico de seres humanos e actividades fraudulentas.

Apesar do apoio dos membros do Senado e de alguns ministérios, a verdade é que Alejandro Tengco, presidente da entidade reguladora de jogo, a PAGCOR, disse que uma melhor regulamentação poderia ser uma solução, ao invés de proibir por completo as POGOs.

Neste contexto, no ano passado esta entidade reguladora exigiu que todas as entidades licenças fossem submetidas a um novo processo de atribuição de licenças com maior escrutínio, o que levou a uma redução de 298 licenças para 43.

Além desta acção, a Polícia Nacional das Filipinas criou, recentemente, um grupo de trabalho especialmente focado na identificação e desmantelamento das operações ilegais associadas às POGOs.

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