Descortinando conceitos e definições

* Por Gonçalo Alvim, Arquitecto Paisagista

Neste espaço do Hoje Macau proponho-me desenvolver sobre dois conceitos abrangentes e que, de diferentes formas, se interligam entre si: Arquitectura Paisagista e Desenvolvimento Sustentável. Naturalmente, o meu ponto de partida, ou de chegada, irá ser sempre Macau.

É sabido que o Desenvolvimento Sustentável envolve diferentes abordagens, sendo as três principais a Ambiental, a Social e a Económica. Para serem equilibradas, estas abordagens devem ser consideradas em conjunto, de uma forma interdependente. São como um móvel de três pernas, em que fortalecer uma, ou duas, em detrimento da terceira, não é normalmente boa solução.

O conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, que proponho interligar com a Arquitectura Paisagista, aponta para um caminho de futuro e de crescimento. Socorrendo-me do conceito original, relevado no Relatório de Brundtland “O Nosso Futuro Comum” (1987), trata-se de um tipo de “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”.

Para o comum dos cidadãos este princípio tem virtudes, mas é de alguma forma abstracto e difícil de pôr em prática. Com efeito, não podemos saber em concreto quais vão ser as nossas necessidades no futuro, nem qual é o impacte em concreto que das nossas acções. Acresce a este desconhecimento duas realidades que se têm tornando evidentes: as nossas necessidades vão mudando ao longo do tempo, e de forma cada vez mais acentuada; e novas descobertas têm vindo a alargar os recursos que se consideravam finitos. Sabemos haver um grande desequilíbrio entre a exploração de recursos, que as nossas “necessidades” obriga a fazer de forma intensiva, e a capacidade do planeta de as suportar; e que esse desequilíbrio é maior em regiões desenvolvidas, onde o consumo é muito maior. Mas em que medida as nossas acções individuais podem mudar alguma coisa a tendência global que se verifica? E qual a capacidade dos Governos que nos regem de minimizar, contrariar, defletir, o seu impacte?

Outro conceito que complementa o anterior é aquele que nos encoraja a “pensar globalmente, actuar localmente”. É um conceito mais prático, que percebemos melhor: não podemos mudar o mundo, mas podemos dar o nosso contributo no dia-a-dia; talvez sem heroísmos, mas com sentido de responsabilidade. Estarei eu a cumprir esse desígnio ao escrever este artigo?

Introduzo agora o tema da Arquitectura Paisagista, começando pela definição que nos deixou o fundador do curso em Portugal, Francisco Caldeira Cabral: “A arte e a ciência de ordenar os espaços exteriores, de maneira a satisfazer as necessidades humanas e, ao mesmo tempo, proteger e valorizar os recursos naturais e culturais.”

Esta definição, que naturalmente estudei no meu curso, é mais profunda e complexa do que pode parecer à primeira vista e sintetiza bastante bem aquilo que é o âmbito desta actividade, tantas vezes desvalorizada. Vou tentar explicar o que quis transmitir o autor:

A definição começa por esclarecer tratar-se a Arquitectura Paisagista de uma arte e de uma ciência, uma vez que, para além da parte criativa do desenho, sustentada em princípios estéticos, mas também de preferências do autor, tem por bases um conjunto de conhecimentos científicos que importa conhecer com rigor para que as decisões e os planos respondam às necessidades;

Depois, refere a ordenação do espaço exterior, o que remete para a humanização do espaço exterior aos edifícios, com o propósito, esclarecido em seguida, de satisfazer as necessidades humanas. Este ponto é muito importante e distingue o seu propósito de alguns outros que excluem o Homem da equação, relevando o valor da Natureza por si mesma, independentemente da existência humana;

E a definição termina dizendo que, ao mesmo tempo que a Arquitectura Paisagista procura satisfazer as necessidades do Homem, deve proteger e valorizar os recursos naturais e culturais, apontando assim para uma evolução positiva no futuro.

Note-se que não são referidas plantas, nem jardins, nem repuxos, nem arranjos, nem decorações, e nem sequer paisagem ou espaços verdes, o que à primeira vista poderá surpreender. Não sei bem qual a ideia que o caro leitor terá sobre o que é a Arquitectura Paisagista, mas arrisco dizer que, se lhe fosse pedida uma definição breve sobre a matéria incluísse apenas alguns desses elementos que referi, eventualmente terminando com um apreço pela profissão e um lamento por não ser mais valorizada.

Olhemos novamente para a definição de Desenvolvimento Sustentável e reparemos nas semelhanças com os fundamentos da Arquitectura Paisagista. A definição refere a pretensão de satisfazer ‘as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades’, referindo-se naturalmente às necessidades do Homem, em torno de quem faz sentido a pretensão de sustentabilidade. Tem depois três vertentes interdependentes, como vimos – Ambiental, Social e Cultural – , que coincidem com o pretendido na Arquitectura Paisagista: satisfazer as necessidades humanas e, ao mesmo tempo, proteger e valorizar os recursos naturais e culturais.

Podemos ver que há, portanto, um alinhamento entre os conceitos de Desenvolvimento Sustentável e de Arquitectura Paisagista, embora a Arquitectura Paisagista apresente uma perspectiva mais positiva, uma vez que não se contenta em não comprometer o que as próximas gerações vão receber, mas em valorizar a “herança” que lhes deixamos.

Em próximos artigos vou procurar desenvolver sobre estes temas, relevando a sua importância para os cidadãos do território. E note-se que não referi aqui a sua importância para Macau, o que seria um propósito bastante abrangente e vago, mas na importância para os seus cidadãos, na importância para si em especial, caro leitor.

** Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), é tido como uma referência internacional e pioneiro no estudo e ensino da Arquitectura Paisagística e do movimento ambientalista em Portugal. Foi um dos fundadores da Liga para a Proteção da Natureza (LPN) e seu segundo Presidente, e Presidente da Federação Internacional de Arquitectos Paisagistas entre 1962 e 1966.

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