VozesInjustiça climática Olavo Rasquinho - 2 Mai 2024 É incontestável que o ano 2023 foi o mais quente desde que há registos. A temperatura do ar e da superfície dos oceanos atingiu os valores mais altos, durante onze meses, desde o início da era industrial. Trata-se de uma realidade comprovada pela monitorização permanente dos parâmetros meteorológicos em milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo globo. Apesar das muitas conferências e acordos sobre o clima promovidos pelas Nações Unidas, nomeadamente o Protocolo de Quioto, o Acordo de Paris e das 28 conferências das partes (COP – Conferences Of the Parties) a concentração dos gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), continua a aumentar. E não é apenas a Organização Meteorológica Mundial que testemunha esta realidade, mas também muitas outras instituições e programas internacionais, nomeadamente o designado Copernicus 1. Durante o ano transato o planeta foi vítima de vagas de calor intensas, secas severas, tempestades violentas, inundações catastróficas, numerosos incêndios florestais, tendo ocorrido na Grécia o maior incêndio florestal de sempre na União Europeia, consumindo cerca de 96.000 hectares de floresta. Os oceanos continuaram a aquecer, em especial o Oceano Glacial Ártico, cujo aquecimento, o mais acentuado à escala global, tem acelerado a fusão do gelo marítimo. A atmosfera, cada vez mais quente, contém maior quantidade de vapor de água, o que contribui para o reforço do efeito de estufa. Este vapor em excesso, arrastado pela circulação geral da atmosfera, reforça a intensidade das tempestades, tornando-as mais violentas e destruidoras. O vapor de água, ao condensar, provoca precipitação e libertação de calor latente de condensação, o que contribui para o aumento da energia cinética que, por sua vez, intensifica o vento. O aumento da concentração de gases poluentes na atmosfera, além dos impactos climáticos, são também causa da morte de milhões de pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 6,7 milhões de mortes prematuras são devidas à poluição atmosférica, incluindo a proveniente de atividades domésticas. Entre as doenças mais frequentes contam-se a doença cardíaca isquémica, acidente vascular cerebral, doença pulmonar obstrutiva crónica e cancro do pulmão. Já vão longe os tempos em que tiveram de ser tomadas medidas drásticas para acabar com o smog 2 em Londres, causado por partículas em suspensão na atmosfera, que constituíam o fumo proveniente da queima do carvão em lareiras domésticas e fornos industriais, as quais, conjuntamente com as gotículas de água que formam o nevoeiro davam origem a uma amálgama que envenenava os pulmões dos londrinos. Episódios de smog eram comuns em Londres desde o início da revolução industrial. Há até quem tivesse justificado a não captura de Jack, o Estripador (Jack, the Ripper), assassino em série não identificado que aterrorizou os londrinos durante parte das duas últimas décadas do século XIX, pelo facto de se escapar facilmente, dissimulado pelo denso smog. Sobre este assunto, é oportuno relembrar um episódio de poluição extrema, que em poucos dias vitimou cerca de 12.000 pessoas. Trata-se do acontecimento histórico conhecido por Great Smog, que ocorreu em Londres entre 5 e 9 de dezembro de 1952. O chamado Clean Air Act de 1956, que consistiu numa lei do Parlamento do Reino Unido com a finalidade de reduzir a poluição, contribuiu grandemente para acabar com o smog. Trata-se de um exemplo ilustrativo de que a aplicação de uma simples decisão burocrática acabou praticamente com essa calamidade. Constitui também um bom exemplo de sucesso a aplicação de medidas preconizadas por acordos internacionais, o facto de o chamado “buraco de ozono” 3 ter diminuído de intensidade devido à entrada em vigor do Protocolo de Montreal (1987), que consistiu num acordo para proteger a camada de ozono estratosférico, que constitui uma espécie de filtro da radiação ultravioleta prejudicial. Referências: 1. Copernicus – Programa de Observação da Terra da União Europeia, através do qual se procede à observação e análise do nosso planeta com recurso a satélites e a equipamentos em terra e no mar. É coordenado pela Comissão Europeia, em parceria com os Estados-Membros, a Agência Espacial Europeia (ESA – European Space Agency), a Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT – European Organisation for the Exploitation of Meteorological Satellites), o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (ECMWF – European Centre for Medium-Range Weather Forecasts), outras agências da União Europeia e a organização internacional Mercator Ocean. 2. Smog – palavra proveniente da junção de “smoke” (fumo) e “fog” (nevoeiro). 3. Buraco do Ozono – designação adotada pelos media, na década 1970, para as zonas da ozonosfera onde o ozono foi parcialmente destruído devido á ação dos clorofluorcarbonetos amplamente utilizados em aerossóis e frigoríficos.