As Nações Unidas, a Meteorologia, o Esperanto e a Língua Portuguesa

Muito se tem comentado sobre a ineficácia da Organização das Nações Unidas na resolução de conflitos internacionais. Na realidade, há fortes razões para tal, e um exemplo flagrante consiste no contexto internacional atual, em que, mercê do uso indiscriminado do direito de veto por parte de alguns membros do Conselho de Segurança, se impede a resolução de conflitos em curso.

A ONU é a organização internacional mais abrangente à escala global. Não atua apenas no campo político, desenvolvendo também forte atividade em várias áreas, através de agências especializadas, nomeadamente nos campos da meteorologia, clima e hidrologia (Organização Mundial de Meteorologia – OMM); alimentação e agricultura (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO); aviação (Organização Internacional da Aviação Civil – OACI); trabalho (Organização Internacional do Trabalho – OIT), telecomunicações (União Internacional de Telecomunicações – UIT), educação, ciência e cultura (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO), etc.

Além das agências especializadas estão também associadas à ONU diversos fundos e programas, entre os quais sobressaem o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP). Sob os auspícios da OMM e do UNEP foi criado o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), órgão que trata da monitorização das alterações climáticas.

Tal como sucede todos os anos, em 23 de março foi comemorado o Dia Meteorológico Mundial pelos estados e territórios-membros de uma destas agências, a Organização Meteorológica Mundial, cuja convenção entrou em vigor nesta data, em 1950.

O Dia Meteorológico Mundial é celebrado em 23 de março

Macau é território membro da OMM desde 1996, mercê de diligências conjuntas da China e de Portugal. Algo de semelhante havia ocorrido com Hong Kong, que aderiu à OMM desde a sua criação. Após a passagem das administrações portuguesa e britânica para a China, ambas as regiões mantiveram o estatuto de território-membro, o que faz com que a China, em situações importantes da vida da OMM, como na eleição do Secretário-Geral, tenha direito a três votos, na medida em que a Região Administrativa Especial de Macau e a Região Administrativa Especial de Hong Kong dificilmente votariam de forma divergente da mãe-pátria.

A atividade da ONU através dos vários programas e agências é altamente meritória, mas, o facto de falhar estrondosamente na resolução de conflitos, tem feito com que se tenha gerado um certo consenso de que esta organização necessita de reestruturação. O próprio Secretário-Geral, António Guterres, tem insistido neste aspeto. Se tal pretensão se vier a concretizar, seria de toda a conveniência que os países de língua oficial portuguesa insistissem na necessidade de o português vir a ser uma das línguas oficiais da ONU, as quais são atualmente: árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo.

No entanto, nem sempre foi assim. Quando a ONU foi criada, em 1945, o árabe não fazia parte deste grupo de línguas. Apenas foi aceite em 1973, devido à pressão exercida pelos países árabes. Os países de língua portuguesa poderiam ter diligenciado nessa altura no sentido de o português ser também admitido. Antes de 1974, Portugal não gozava de grande prestígio internacional e era alvo de ostracismo por grande parte dos países membros da ONU. A vigência de uma ditadura e as políticas colonial e do “orgulhosamente sós” impediam o nosso país de ter voz ativa no que se refere à possibilidade de a língua portuguesa também vir a ser adotada. Nessa altura também o Brasil era governado por uma ditadura, que perdurou de 1964 a 1985.

Entretanto, com o advento da democracia, foram efetuadas algumas tentativas nesse sentido, mas esbarraram sempre com a falta de consenso por parte dos membros da ONU. Curiosamente, em alguns congressos da OMM, Portugal foi parcialmente bem-sucedido, tendo sido criado um fundo para que a língua portuguesa alcançasse o estatuto de língua de trabalho, para o qual houve contribuição financeira de alguns estados-membros além do nosso país, nomeadamente Angola, Brasil e a Região Administrativa Especial de Macau.

Quaisquer que tenham sido os critérios de seleção das línguas oficiais, a realidade é que estão desatualizados, na medida em que, em termos de comunicação internacional e número de falantes, o português é muito mais difundido do que uma das atuais línguas oficiais da ONU. Enquanto o russo é língua oficial em apenas cinco países (Bielorrússia, Cazaquistão, Federação Russa, Quirguistão e Tajiquistão), cujo número de habitantes perfaz, no total, cerca de 190,5 milhões, o português é língua oficial de nove países (Angola, Cabo Verde, Brasil, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) num total de, aproximadamente, 285,6 milhões. É também língua oficial de uma região da China, a RAEM.
Houve alguns esforços diplomáticos por parte dos governos dos países de língua portuguesa, mas não tiveram sucesso. Seria necessário continuar a insistir, dado que já foram dados alguns passos. Assim, por exemplo, foi decidido pela 40ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 2019, proclamar o dia 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa (World Portuguese Language Day).

Como organização abrangente à escala mundial, seria racional que a ONU tivesse adotado uma língua oficial neutra de fácil aprendizagem, o que asseguraria uma maior participação de todos os estados-membros, bem como uma maior eficácia nas discussões. O esperanto (que nesta língua significa “aquele que tem esperança”) poderia ter desempenhado esse papel.

Ainda houve tentativas nesse sentido, nomeadamente por meio de uma resolução da Conferência Geral da UNESCO de 1954 (Resolução IV.4.422-4224), conhecida como Resolução de Montevideu, em que se preconizava a adoção do esperanto como língua internacional auxiliar. Em 1985, esta agência especializada da ONU aprovou outra resolução, recomendando que os seus estados-membros estimulassem o ensino dessa língua internacional.

O esperanto foi criado pelo judeu polaco Ludwik Lejer Zamenhof (1859-1917), com base em várias línguas, nomeadamente alemão, inglês, italiano, latim, polaco e russo. O objetivo de Zamenhof era que o esperanto se tornasse uma língua que transcendesse nacionalidades e contribuísse para a paz mundial.

Ludwik Lejzer Zamenhof

Apesar de o esperanto não ter vingado como língua auxiliar da ONU, é reconhecida como ferramenta de grande utilidade para a tradução automática, e faz parte das 64 línguas utilizadas pelo “Google Translate”. Graças à sua simplicidade, o conjunto de dados para a tradução de um texto para esperanto é cerca de cem vezes menor do que para o espanhol ou o alemão.

Atendendo a que é largamente admitido que a ONU deva sofrer uma profunda reestruturação, é altura de os meios diplomáticos dos países lusófonos intensificarem esforços no sentido de o português vir a ser admitido como língua oficial das Nações Unidas.

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James Rezende Piton
James Rezende Piton
10 Abr 2024 20:01

Excelente análise! Um mundo com mais ferramentas para se integrar, preservando suas especificidades.

Ismael
Ismael
10 Abr 2024 20:11

Muito bom esse artigo. Gratidão.