Vegetarianismo Budista com características chinesas

Autor: Alexandre Miguel Lopes Lobo
Instituição: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa / Centro Científico e Cultural de Macau / Fundação para a Ciência e Tecnologia

Introdução:

Relativamente ao tópico do vegetarianismo na religião Budista, pode ser surpreendente para muitos dos que procuram aprofundar o seu conhecimento no Budismo, de que o vegetarianismo não é necessariamente uma das suas características centrais.

Atualmente, é seguido pelas comunidades monásticas que têm a sua origem no Budismo chinês, com exceção das do Japão. Não seria assim de estranhar que a posição dominante do vegetarianismo no Budismo chinês entre a comunidade monástica e, em menor escala, a laica, esteja relacionado tanto com ideias budistas sobre ética e soteriologia, como por conceitos locais sobre regras de abstenção e purificação nativas da cultura e religiões chinesas.

Contudo, o fenómeno de vegetarianismo no Budismo, ainda que se tenha tornado realmente dominante no contexto chinês, não deixou de ser desenvolvido antes de este entrar em contacto com a cultura chinesa. Tendo essa mesma cultura sido encorajada a adotar o vegetarianismo via o Budismo, qualquer estudo que procure entender as origens da predominância do vegetarianismo nas tradições budistas derivadas da China, tem de, obrigatoriamente, olhar com atenção para as escolas de pensamento Budistas que estavam em circulação na Índia e na Ásia Central na altura em que estas foram transmitidas na China. É igualmente importante ter em conta a particularidade da tradição chinesa e procurar elementos que possam ter encorajado uma dieta vegetariana para os devotos na nova religião. Apesar do vegetarianismo, hoje, ser aceite como a contribuição mais importante feita pelo Budismo para a culinária chinesa, esta situação foi tudo menos inevitável, pois contrasta com a maioria do mundo Budista que não tem ligação com a tradição chinesa. É ainda um elemento que não tem qualquer apoio doutrinal nos códigos monásticos Vinaya, ao ponto de o caso chinês poder ser descrito como uma anomalia. Adicionalmente, o própria Buda autorizou os seus discípulos a consumir carne que fosse oferecida como doação, desde que esta não tivesse origem num animal que tenha sido abatido propositadamente para o monge em questão (Kieschnick 2005:186-187).

Vegetarianismo no Budismo antigo:

Na fase formativa mais antiga da religião Budista, um dos conceitos centrais para analisar a ética Budista, relativa ao tratamento de animais e vegetarianismo, é ahiṃsā, ou não violência. Apesar de a ideia da não violência ser respeitada e louvada na prática e doutrina budista, aquilo que seria a sua conclusão lógica, a abstenção do consumo de carne, raramente é mencionada ou debatida na literatura budista e está longe de ser uma prática geral na maior parte do mundo budista, ao contrário da China. O vegetarianismo não deixou de ser, no entanto, parcialmente aprovado e debatido nos primórdios do Budismo, como se pode observar em referências à abstenção de carne em certas situações no código Vinaya. Curiosamente, seria uma das práticas estabelecidas pelo rival/antagonista do Buda histórico, Devadatta (Ruegg, 1980: 234)

Ligações entre a prática de não violência e vegetarianismo, ou pelo menos a abstenção do abate de animais, surgem também nos éditos do imperador Asoka. Em particular, o primeiro dos seus éditos de pedra indica uma ordem firme de proibir o abate de seres vivos para fazer sacrifícios. Indica também o fim do abate diário de um número incrível, provavelmente exagerado, como era comum em fontes Budistas e indianas, de 100.000 animais para as cozinhas do palácio real. A preocupação com a prática de ahiṃsā por parte do imperador não se limitava ao abate e ao vegetarianismo, pois o segundo dos seus éditos em pedra informa sobre o estabelecimento de serviços socias na forma de ajuda médica, tanto para pessoas como para animais (Basham, 1982: 134-135). Já um édito mais tardio, em Kandahar (Afeganistão), mostra que os pescadores e caçadores do rei deixaram de praticar as suas profissões (Basham, 1982: 137). Para Asoka, a prática da não violência envolvia, por norma, a necessidade de proibir práticas e atividades económicas diretamente relacionadas com o consumo de carne e, principalmente, com o abate de animais, em que a eliminação do seu consumo existe como uma consequência e não necessariamente como um fim. Apesar de a não violência ser aclamada como essencial no pensamento Budista, o vegetarianismo em si está quase ausente, o que pode ser em parte explicado pelo facto de que noções éticas não têm lugar em códigos Vinaya, focados em formalizar regras e regulamentos essências para o funcionamento ordeiro de comunidades monásticas. Peixe e carne chegam até a ser mencionados como alimentos superiores que podem ser consumidos por monges doentes. Além disso, o facto de os monges estarem dependentes de esmolas e oferendas de alimentos por parte de laicos devotos, não lhes permite recusar carne que seja oferecida nesse processo, desde que a mesma não tenha resultado no abate de um animal especificamente para o monge em questão (Ruegg, 1980: 234). Na qualidade de pedintes e indivíduos que devem ser honrados como fonte de mérito, os monges estavam assim obrigados a aceitar oferendas que pudessem incluir carne, ou estariam a interferir com o karma do doador e a impedir que este gerasse méritos religiosos através da sua oferenda, se o não fizessem (Ruegg, 1980: 239).

Outras formas de literatura canónica antiga, para lá da Vinaya, também têm pouco a dizer sobre o assunto. A Abhidharma coloca ênfase na qualidade da intenção de um ato e não no ato em si, como comer carne, e as escrituras de categoria sutra também não mencionam o vegetarianismo ou a sua relação com o conceito de ahiṃsā, sendo referido apenas que o Buda histórico não consumia carne crua. Quando o vegetarianismo é mencionado, o Buda não rejeita o conceito, mas autoriza a prática como opcional para os monges (Ruegg, 1980: 235).

Seria só com a introdução mais tardia de novos conceitos e ideias pela escola Mahāyāna, que surge uma atitude muito diferente na comunidade monástica relativamente ao vegetarianismo. Isto deve-se ao facto de estes interpretarem o tópico através de sutras Mahāyāna que lidam especificamente com o assunto. Em particular, as sutras que ensinam a teoria da Natureza Buda, ou Tathāgatagarbha, condenam claramente o consumo de carne (Ruegg, 1980: 236). Portanto, não terá sido por acaso que o Budismo chinês, onde as escolas Mahāyāna se tornaram predominantes, tenha adotado a prática do vegetarianismo, na generalidade. Praticamente, todos os budistas chineses de hoje seguem esta escola, introduzida a partir da Índia e que, gradualmente, evoluiu na China (Tseng, 2018: 145).

Dentro da literatura Mahāyāna relativa à doutrina da Natureza Buda, a Laṅkāvatāra Sūtra tem um capítulo inteiro dedicado ao conceito de comer carne que menciona vários textos, como a versão Mahāyāna da Mahāparinirvāṇa Sūtra (onde a ideia de que um monge pode comer carne quando doente é criticada), os quais proíbem o consumo de carne.

Os textos mencionados, com exceção de um, estão ligados ao conceito de Natureza Buda, o qual indica que todos os seres vivos têm a capacidade de atingir a iluminação, não sendo assim permitido destruir o potencial para tal com o consumo de carne. É também mencionado, noutros textos, que dentro do ciclo infinito de reencarnação não existe nenhum ser vivo que não tenha sido mãe, irmã ou outro para todos os restantes seres; toda a carne é um e deve-se evitar o consumo daqueles que foram, em determinando momento, nossos parentes.

O consumo de carne é assim rejeitado tanto por razões filosóficas como por razões metafísicas. Assim, no Budismo, o vegetarianismo ficou estabelecido como resultado de uma ligação a ensinamentos e escolas específicas, as quais rejeitam o conceito mais antigo de consumo de carne doada a monásticos e se referem a conceitos Budistas, como benevolência e compaixão, para justificar dietas vegetarianas.

A adoção de novos códigos Mahāyāna complementares à literatura Vinaya, como os preceitos do Bodhisattva, levou ao fim do consumo de carne por parte de monásticos e também por adoradores laicos, como foi, eventualmente, o caso do Budismo chinês (Ruegg, 1980: 236-237). Budistas da escola Mahāyāna, não derivam assim a sua proibição do consumo de carne do conceito universal de não violência, mas de conceitos como benevolência, compaixão e, em particular, do conceito de Natureza Buda (Ruegg, 1980: 238).

A Mahāparinirvāṇa Sūtra, em particular, tornou-se num dos textos principais para a tradição vegetariana chinesa. O texto indica uma serie de implicações negativas para quem consome carne. Entre elas, o consumo de carne causa a diminuição da capacidade para sentir compaixão e da eficácia de magias e encantamentos, dificulta a concentração em práticas meditativas e é um hábito imundo que causa mau cheiro e traz má reputação (Kieschnick, 2005: 190).

Desenvolvimentos na China:

A introdução do vegetarianismo no Budismo da China e da Ásia Oriental pode ser rastreado por um período de cerca de 100 anos, entre os séculos 5 e 6 na nossa época, quando uma confluência de fatores culminou com o imperador Wu, da dinastia Liang, a decretar o vegetarianismo obrigatório para os monges budistas.

Estes fatores incluem a tradução de textos indianos que promoviam as dietas vegetarianas e a prática chinesa de renunciar ao consumo de carne em situação de luto, como expressão de piedade filial (Greene, 2016: 1). Debates entusiásticos sobre o tópico estão atestados neste período, em particular em relação ao Budismo, e foi durante esta altura que a sutra da rede Brahma (Brahmajāla Sūtra) foi composta. Este texto ganhou muita importância na tradição chinesa e tinha a particularidade de apresentar os votos do Bodhisattva, regras complementares aos códigos Vinaya, com uma proibição clara e especifica do consumo de carne, ao contrário de versões indianas dos preceitos (Greene, 2016: 5).

Existem também textos budistas chineses, produzidos por volta do século três, que indicam que já neste período o vegetarianismo era um componente aceite e até comum na China, como o Tratado da eliminação da dúvida do mestre Mou. Os debates do século cinco podem ter surgido em sequência de traduções da Vinaya, que permitem o consumo de carne (Greene, 2016: 23). Muitas das biografias de monges e monjas pré-século cinco, indicam que eram vegetarianos, por exemplo (Greene, 2016: 7).

Convém, no entanto, ter em conta que em muitas das compilações de biografias de monges proeminentes que surgem a partir do século 6, é referido, em particular, que estes são vegetarianos. Fica subentendido de que não comer carne está associado, especificamente, com monges particularmente devotos e meritórios. Biografias de séculos posteriores deixam de fazer referência à dieta dos monges, indicando que o vegetarianismo passou a ser a norma e o mínimo que se espera de qualquer monge (Kieschnick, 2005: 194). Em relação à sutra da rede de Brahma, texto que insiste que os discípulos de Buda não podem consumir carne para não eliminar a capacidade para a compaixão, a sua proveniência é considerada suspeita. Apesar de ser apresentada como sendo de origem indiana, parece ter sido composta na China, mostrando assim a importância em justificar o vegetarianismo no Budismo chinês, em oposição a formas mais antigas de Budismo (Kieschnick, 2005: 191).

Quando o Budismo foi originalmente introduzido na China, encontrou uma cultura com uma relação complexa e desenvolvida relativamente ao consumo de carne. Por um lado, o consumo de carne é um elemento importante da adoração ritualística de divindades e antepassados, desde que é possível averiguar. Por outro lado, a China tem uma história longa e significativa de abstenção do consumo de carne por motivos religiosos, antes do Budismo se estabelecer.

Práticas Confucionistas, Taoistas e da religião popular chinesa tiveram, pois, um papel na formação do vegetarianismo na sociedade chinesa, ainda que o do Budismo tenha sido mais significativo. Nomeadamente, conceitos de abstenção, como forma de purificação do Confucionismo, e crenças taoistas no poder de dietas não convencionais influenciaram a atitude chinesa perante o vegetarianismo, em conjunto com práticas budistas morais (Broy, 2019:37).

Numa sociedade em que carne era escassa e, por isso, considerada um luxo, o seu consumo ganhou uma qualidade social com que o vegetarianismo teria de lidar, a fim de se conseguir estabelecer. A elite chinesa era referida, por vezes, como aqueles que comem carne, e era considerado um ato importante de piedade filial oferecer carne e álcool aos pais, ambos, ingredientes com um papel importante nos sacrifícios do culto dos antepassados e de determinadas divindades. Apesar disto, já durante a dinastia Han (202 AC- 220 DC), antes da chegada do Budismo à China, existia uma tradição estabelecida de abstenção do consumo de carne e álcool como forma de purificação, limitado a ocasiões especiais, como períodos de luto.

Ao mesmo tempo, na China feudal, jejuar era visto como um pré-requisito para comunicar com os deuses, ato que serve para avivar qualidades morais. A dieta vegetariana permitia também a aquisição de poderes não naturais e era essencial para processos de purificação ritualística. Havia também uma justificação moral da parte do Confucionismo, que insistia numa atitude modesta relativamente ao consumo de carne. Em particular, Mengzi, discípulo de Confúcio, declara que o homem virtuoso é incapaz de tolerar a morte de um ser vivo (Broy, 2019: 38-39). Símbolos de estatuto e de privilégio, é, por outro lado, um sinal de decadência e de gula para os seus críticos, crítica também presente em textos budistas indianos (Kieschnick, 2005: 193).

Já os taoistas, aproximam-se mais das práticas vegetarianas Budistas. À semelhança do conceito de não violência, instruem os seus seguidores a não causar dano ou sofrimento a outros seres vivos e a evitarem o consumo de carne, pois todas as formas de vida são consideradas sapientes. Dependendo da escola, muitos sacerdotes Taoistas vivem em mosteiros onde seguem dietas vegetarianas. Os Taoistas também acreditam que a sua dieta é central para a sua saúde mental, física e espiritual, e que jejuar permite atingir a imortalidade (Tseng, 2018: 152).

O Budismo entrou, assim, numa sociedade já com ideias próprias sobre o consumo de carne, que teriam certamente um efeito na forma como o Budismo introduziu práticas vegetarianas na sociedade chinesa. Potencialmente, facilitou ainda a adoção do vegetarianismo como regra e não como exceção nas comunidades monásticas, ao ponto da ideia do monge maléfico que come carne e bebe álcool se ter formado na imaginação popular. Mais importante que os monges, para a adoção do vegetarianismo em larga escala, seria o papel de seguidores laicos e das suas atividades persistentes, que estabeleceram o não consumo de carne como um elemento identitário do Budismo chinês. Estes ativistas, simultaneamente, davam ênfase à crueldade do abate de animais, assim como relacionavam o seu vegetarianismo com valores Confucionistas.

Entre os vários seguidores laicos que promoveram o vegetarianismo encontram-se vários imperadores, sendo que o mais relevante terá sido o imperador Wu, da dinastia Liang do Sul (464-549 DC). Budista laico extremamente devoto, foi instrumental em estabelecer o vegetarianismo como padrão do Budismo chinês. Introduziu também as primeiras proibições temporárias de caça, captura e abate de animais (Broy, 2019: 42-43). Procurando usar compaixão e fé da religião budista para guiar o seu império, seguiu com rigidez os preceitos de não matar, opôs-se a penas capitais e baniu o sacrifício de animais.

Eventualmente, decretou que todos os monásticos tinham de ser vegetarianos e não beber álcool, prática que também impôs a si mesmo, ficando conhecido como o imperador Bodhisattva (Tseng, 2018: 148). A influência da autoridade imperial serviu assim como a força mais consistente para a propagação do vegetarianismo entre o povo chinês (Tseng, 2018: 145), começando com o imperador Ming, (28-75 DC) da dinastia Han, que, gradualmente, integrou o vegetarianismo junto com a proibição de abate nos rituais de jejum oficiais, dando espaço para inserir o conceito no subconsciente popular (Tseng, 2018: 147).

Para lá de imperadores devotos, outros laicos budistas tiveram um papel ativo na promoção do vegetarianismo, com maior ênfase no bem-estar do animal do que nas recompensas metafisicas que o Budismo indiano atribui a quem pratica vegetarianismo. Um dos laicos mais famosos foi o oficial Zhou Yong, que menciona as preocupações clássicas de resultados kármicos, ao mesmo tempo de mostra maior preocupação com o sofrimento dos animais consumidos.

A tendência para dar ênfase ao sofrimento animal tornou-se, assim, típico da propagação do vegetarianismo por parte de laicos e monges chineses (Kieschnick, 2005: 196-197). O papel de oficias laicos, como Zhou, é particularmente significativo para demonstrar a devoção perante o conceito e a moralidade do vegetarianismo no Budismo chinês, pois, em determinados contextos, era uma prática difícil de manter. Certas posições especiais necessitavam consumir carne em determinados banquetes e cerimónias, como era o caso de oficias de alto nível para quem o vegetarianismo era visto como excêntrico e inapropriado.

Os vegetarianos e os seus associados desenvolveram técnicas para lidar com inconveniências, como banquetes cerimoniais. Alguns vegetarianos passaram a consumir vegetais que foram cozinhados com carne e anfitriões mais atenciosos preparavam pratos especiais (Kieschnick, 2005: 204).

O Budismo seria ainda influenciado pelos conceitos pré-Budistas de que poderes especiais podiam ser adquiridos com dietas vegetarianas, existindo textos budistas medievais que prometem proteção divina para aqueles que não consumissem carne. A crença em proteção divina e de eficácia medicinal deste tipo de dietas, daria origem a festivais de grande escala, como o banquete vegetariano dos nove imperadores (Broy, 2019: 44). Pelo século 13, a procura por dietas vegetarianas por parte da comunidade budista chinesa deu origem a restaurantes vegetarianos, espalhados por várias grandes cidades, e inspirou a criação de uma culinária distinta, em que o álcool, o alho e a cebola também eram proibidos, de acordo com a tradição indiana (Kieschnick, 2005: 186).

Conclusão:

Textos budista da tradição Mahāyāna desenvolveram uma perspetiva mais centrada em ética, relativamente ao consumo de carne, relacionando o vegetarianismo com a compaixão e a interconexão de todos os seres vivos. Mesmo assim, não existe muita noção do sofrimento e da dor dos animais, em si, nestas descrições (Broy, 2019: 40).

Ultimamente, budistas chineses foram atraídos para a prática do vegetarianismo para fortificar o desenvolvimento da sua compaixão para com o mundo; essa compaixão era apresentada como o caminho correto para atingir a iluminação, constante em várias sutras Mahāyāna, que eram praticadas na China (Tseng, 2018: 153). Fontes budistas, no entanto, sempre expressaram alguma forma de desconforto com o consumo de carne devido à sua ligação com o ato de matar seres vivos e o karma negativo gerado no processo. Grupos monásticos indianos eram críticos de práticas como o sacrifício de animais, ainda que não seguissem dietas vegetarianas como obrigatórias (Greene, 2016: 2-3), mas certamente adotaram a prática até certo nível, como indicado nos textos Mahāyāna, traduzidos na China, onde o consumo de carne era claramente proibido.

A partir do século t3, o vegetarianismo surge como parte do modo de vida de monásticos budistas na China. No século 5, entram na China novos textos budistas que promovem o vegetarianismo, mas também são traduzidos códigos Vinaya que permitem o consumo de carne em certas circunstâncias. Um debate é então gerado sobre este tópico, que culmina no édito do imperador Wu, definindo a dieta vegetariana como uma obrigação de, pelo menos, a comunidade monástica (Greene, 2016: 31-32).

O vegetarianismo ficou, portanto, estabelecido como um elemento permanente entre monásticos budistas e alguns laicos, já no período medieval, e foi, consequentemente, criticado por elementos da elite, a partir da dinastia Tang. A partir daqui o vegetarianismo acabaria por ser praticado com maior empenho por cultos populares sincretistas, alguns dos quais chegaram até aos dias de hoje (Broy, 2019: 46-47). Este vegetarianismo puro não monástico, acabaria por ser estigmatizado a partir do século 12 DC e identificado como “culto demoníaco vegetariano”, uma denominação aplicada, originalmente, apenas para a religião maniqueísta (Broy, 2019: 48).

Ideias confucionistas e taoistas seriam adotados por comunidades vegetarianas, em conjunto com elementos budistas. Enquanto praticantes pré-budistas preferiam abstenção temporária do consumo de carne, foi só através do Budismo que o conceito de vegetarianismo permanente foi introduzido na cultura e culinária chinesa (Broy, 2019: 57). Os fatores que levaram a esta adoção pelo Budismo chinês foram variados, mas, entre eles, destaca-se o facto de o vegetarianismo ter servido como forma de estabelecer uma identidade religiosa distinta dentro da sociedade chinesa (Greene, 2016: 35).

Bibliografia:

Basham, A. L. (1982). Asoka and Buddhism–A Reexamination. Journal of the International Association of Buddhist Studies, 131-143;

Broy, N. (2019). Moral Integration or Social Segregation? Vegetarianism and Vegetarian Religious Communities in Chinese Religious Life. Concepts and Methods for the Study of Chinese Religions III: Key Concepts in Practice, 37-64;

Greene, E. M. (2016). A Reassessment of the Early History of Chinese Buddhist Vegetarianism. Asia Major, 1-43;

Kieschnick, J. (2005). Buddhist vegetarianism in China. Of tripod and palate: Food, politics, and religion in traditional China, 186-212. New York: Palgrave Macmillan US;

Ruegg, D. S. (1980). Ahimsa and Vegetarianism in the History of Buddhism. Buddhist studies/for W. Rahula, 234-241. London and Bedford: Gordon Fraser Gallery;

Tseng, A. A. (2018). Five influential factors for Chinese Buddhist’s vegetarianism. Worldviews: Global Religions, Culture, and Ecology, 22(2), 143-162.

Este espaço conta com a colaboração do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, sendo que as opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade dos autores.
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