Macau Jockey Club | O fim esperado e as preocupações com os cavalos

Marcado há muito por sucessivas perdas financeiras, o Macau Jockey Club tentava aguentar-se há vários anos até que esta segunda-feira foi anunciada a rescisão do contrato de concessão. Especialistas jurídicos na área do jogo falam num desfecho há muito esperado, enquanto a ANIMA promete estar atenta ao bem-estar dos cavalos

 

Macau vai deixar de ter apostas em corridas de cavalos ao fim de 40 anos de actividade em virtude da rescisão do contrato de concessão deste tipo de jogo ao Macau Jockey Club, anunciada esta segunda-feira. Há muito que o burburinho negativo em torno da situação financeira da empresa se fazia sentir na comunicação social tendo em conta a quebra sucessiva das receitas.

O fim destas apostas tradicionais é agora uma realidade, e segundo o docente universitário, e especialista em Direito do jogo, Jorge Godinho, já nada havia a fazer por parte do Governo e entidade reguladora para salvar a empresa.

“A procura [pelas apostas] foi diminuindo ao longo dos anos, uma tendência com cerca de 20 anos, e neste momento [o encerramento] era completamente previsível. Os reguladores, em algumas jurisdições, decidem encerrar o negócio, que foi o que aconteceu, ou salvar a operação, juntando uma tipologia de jogo altamente lucrativa a uma tipologia de jogo já moribunda. Mas penso que estas manipulações de salvamento não salvam nada. Em termos racionais o Governo fez a única coisa que era possível”, defendeu ao HM.

O docente universitário entende que “é uma parte da história [de Macau] que se apaga”, embora seja necessário encarar o assunto “de forma filosófica”. “Onde não há procura não há nada que se possa fazer. O sector do jogo é um pouco dinâmico e as preferências vão mudando, além de que surgiram as novas tecnologias. No caso das corridas de cães [no Canídromo] houve mesmo uma oposição frontal”, recordou.

Jorge Godinho deu o exemplo da Pelota Basca, que funcionava no casino Jai Alai, “que teve interesse nos primeiros anos e em que depois as pessoas se foram desinteressando”.

Com história

As apostas em corridas de cavalos começaram a realizar-se em Macau em 1842. Contudo, só em 1927, com a inauguração do Hipódromo no bairro da Areia Preta é que começaram a organizar-se corridas de maior dimensão, tendo a concessão sido entregue à empresa “Club Internacional de Recreio e Corridas de Macau, Limitada”.

Em 1989, a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau passou a estar ligada às apostas em corridas de cavalos, “que sempre foram influenciadas pela tradição inglesa”, tendo de competir “ao lado das grandes corridas de cavalo como as de Hong Kong, uma das maiores operações de jogo do mundo”.

Na hora de rescindir o contrato, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, referiu que desde 2002 que o Macau Jockey Club, liderado pela deputada Angela Leong, registava perdas financeiras, não tendo conseguido encontrar “uma solução para a operação”, sobretudo durante os três anos da pandemia de covid-19, altura em que “as apostas desceram muito”, sublinhou.

De acordo com dados oficiais, citados pela Lusa, nos primeiros nove meses de 2023, as apostas em corridas de cavalos atingiram 32 milhões de patacas. Em 2019, antes do início da pandemia, as apostas fixaram-se em 98 milhões de patacas. O Macau Jockey Club detinha o monopólio das corridas de cavalos até Agosto de 2042, depois de se ter comprometido em 2018 a fazer investimentos até 3,4 mil milhões de patacas.

Que destino?

Estava previsto construir, até 2026, no extenso terreno concessionado à empresa no centro da Taipa, um projecto turístico com, pelo menos, dois hotéis, zonas verdes, áreas desportivas, restaurantes, lojas, um museu e uma escola de equitação. Agora, tudo cai por terra, questionando-se qual será o destino do terreno.

Jorge Godinho gostaria que o espaço fosse entregue à expansão do ensino superior.

“Trata-se de um espaço enorme, bem localizado, com bons transportes públicos. É possível fazer variadíssimas coisas e imagino que o destino do terreno não seja um só, criando-se um espaço com várias valências. Vejo ali um terreno para expandir o sector da educação, pois sem boas instalações não podem existir universidades, que precisam de um espaço que não seja completamente urbano. Poderá haver alguma componente turística. Deveria haver consultas públicas e debates” sobre o tema, apontou.

O advogado Carlos Coelho entende que “será muito interessante ver os futuros planos para este espaço prime no centro da Taipa”, que deveria ser usado “como espaço de lazer e recreativo para a população”.

“O nosso Governo estará a olhar para o que se passou muito recentemente em Singapura, quando o Governo da cidade-Estado decidiu terminar com as apostas em corridas de cavalos a partir deste ano. O propósito assumido foi o de desenvolver o terreno do hipódromo para finalidades habitacionais, incluindo de construção de habitação pública, estando a ser também considerados propósitos de lazer e recreacionais”, lembrou.

Desinteresse geral

Carlos Coelho considera que este é um “desfecho há muito antecipado e que faz sentido”, tendo em conta que “a operação das corridas de cavalos era deficitária há muito tempo, existindo um claro desinteresse do público nesta modalidade de apostas e uma concorrência muito feroz do Hong Kong Jockey Club”.

Carlos Coelho disse ainda ao HM que a própria concessionária parecia ter algum “desinteresse em reavivar esta operação”.

“O plano de investimentos extremamente ambicioso apresentado pela concessionária em 2018, quando foi renovada a concessão por mais 24 anos, implicava que determinados projectos imobiliários com uma escala relevante estivessem desenvolvidos a partir do final do presente ano, como a construção de bancadas públicas ou restaurantes, seguindo-se a construção de dois hotéis, dois blocos de apart-hotéis e campo de ténis até final de 2026.”

O advogado entende que “se a exploração comercial das corridas já era deficitária, o cumprimento de tais obrigações contratuais poderia colocar a concessionária numa situação líquida ainda mais difícil”, pelo que “a concessionária tomou a decisão comercial que lhe fazia mais sentido ao apresentar voluntariamente um pedido de rescisão do contrato de concessão”.

Aguenta os cavalos

Contactada pelo HM, Zoe Tang, presidente da ANIMA, considera ser importante dar agora atenção ao destino que será dado aos cavalos de corrida. “Estamos muito contentes [com a rescisão do contrato], pois segundo a ANIMA há muito tempo que não fazia sentido manter esta concessão. Foi uma boa decisão para a comunidade e para os cavalos, que estavam em condições muito más, sobretudo os cavalos reformados” das pistas.

Zoe Tang acredita que o próximo encerramento deve ser o do Matadouro de Macau, a funcionar na zona da Ilha Verde e “uma actividade sem sentido”, lembrando também o processo do fecho do Canídromo.

“O encerramento [do Macau Jockey Club] é obviamente mais adequado em relação ao tratamento dado aos galgos aquando do encerramento do Canídromo em 2018, pois há um ano para tratar dos processos de exportação dos cavalos. No entanto, estamos mais preocupados com o consenso que se irá gerar entre os donos dos animais e o Macau Jockey Club, sobretudo quanto ao risco de os cavalos reformados e feridos poderem ser eutanasiados.”

Zoe Tang questiona se um ano será suficiente para exportar 289 cavalos, que sempre foram tratados por veterinários profissionais que fazem uma avaliação regular de saúde aos animais. Cabe ao Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) dar uma segunda opinião no caso da morte de cavalos, existindo um protocolo que define a presença de veterinários da empresa e do IAM para a eutanásia destes animais.

“Acredito que os cavalos saudáveis não serão submetidos a eutanásia”, declarou Zoe Tang, que também chamou a atenção para a existência de centenas de gatos vadios no terreno do Jockey Club. Estes animais não são esterilizados, existindo o risco de reprodução.

“Tanto quanto sabemos, nos últimos anos os funcionários do Macau Jockey Club têm alimentado regularmente estes gatos vadios. A ANIMA irá contactá-los rapidamente para tentar ajudar a resolver os problemas relacionados com esta questão”, disse.

Segundo informações disponíveis no website da empresa, o Macau Jockey Club tem cerca de 800 empregados, mais de 300 pessoas a tempo parcial. O ano de corridas começa em Setembro e termina em Agosto, com duas corridas por semana.

Para Carlos Coelho, com o fim das corridas de cavalos e galgos, seria interessante se as autoridades “se focassem no apoio ao desenvolvimento das operações das restantes concessionárias que não aquelas de jogos de fortuna ou azar”. O causídico destaca os casos da Macau SLOT, que opera as lotarias desportivas, com “uma operação lucrativa e que emprega centenas de residentes”. A ideia é que “se mantenha alguma variedade nas modalidades de jogo oferecidas em Macau”.

Sugerido parque temático no terreno

Lei Chun Kwok, vice-presidente da Associação Económica de Macau, sugeriu a criação de um parque temático no terreno actualmente destinado ao Macau Jockey Club, que esta segunda-feira firmou a rescisão do contrato de concessão das apostas em corridas de cavalos com o Governo. O terreno será revertido para a Administração no dia 1 de Abril e, segundo o jornal Ou Mun, o dirigente da associação destaca o Plano Director para o território, que refere o terreno em causa como pertencendo à zona Taipa Central – 1, destinada a ser uma zona turística e de diversões. Tal significa que grande parte dos projectos a desenvolver na zona devem estar ligados às áreas do turismo, entretenimento e restauração.

Lei Chun Kwok entende que a edificação de um parque temático no terreno é a melhor opção tendo em conta que naquela zona da Taipa já existem muitas instalações desportivas, como o estádio ou uma piscina municipal. O vice-presidente da associação considera que o futuro parque temático pode ser mais um exemplo da presença lusófona em Macau e uma ponte cultural entre a China e o Ocidente.

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