VozesGuerra em família Carlos Coutinho - 20 Dez 2023 Muitas vezes, quando a noite é longa e o sono se atrasa na chegada, acontece-me navegar em águas indestrinçáveis, como se intimar fosse o mesmo que tornar íntimo e muito menos exequível do que intimidar. Tal como programa, vizinho muito próximo de pogrom, pode significar a maneira de ser de uma pessoa que é favorável à relva, não importando que grama seja uma erva infestante e prejudicial à agricultura. É talvez por isso que há os que gramam e os que não gramam isto ou aquilo, assim como os brasileiros falam do gramado que, para nós, é simplesmente o relvado de um estádio ou de um solo que sofre o uso intensivo de certas atividades desvitalizadoras das ervinhas rasteiras. Diz-se que pogrom é uma especial concretização de um programa que consiste no exercício de uma perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso tolerada ou aprovada pelas autoridades locais, como aconteceu em Berlim, antes, durante e depois da Noite de Cristal, e como está a acontecer no Donbass russofalante, na Faixa de Gaza e em toda a Cisjordânia ocupada. Pensando bem, o pogrom, com ou sem um programa bem definido, foi um ataque violento e massivo, a destruição de um ambiente coletivo – casas, negócios e centros religiosos – que varreu o Sul da Rússia czarista e ortodoxa, vitimizando cerca de 2 milhões de judeus, entre 1880 e 1920, mas, historicamente, tem sido o termo mais usado para denominar atos massivos de grande violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa. Na Rússia saída da Revolução de Outubro, como é bem sabido, o Exército Branco, acompanhado por diversas tropas europeias, alegando lutar contra o “complô judaico-bolchevique”, flagelou muitas cidades e aldeias, usando crueldades inenarráveis. Na pequena cidade de Fastov, po exemplo, o Exército Voluntário de Denikine, assassinou mais de 1500 judeus – principalmente idosos, mulheres e crianças –, estimando-se em cerca de 150 mil o saldo dos morticínios perpetrados em pogroms na Ucrânia e por todo o Sul da Rússia. Tudo isto me fez rever conceitos como semitismo e sionismo, descobrindo que o termo semita tem como principal origem um conjunto linguístico composto por uma família de vários povos, entre os quais se destacam os árabes e os hebraicos que compartilham as mesmas raízes culturais. O étimo semita aparece no Génesis 5:32 como a linhagem de descendentes de Sem, filho de Noé. Modernamente, as línguas semíticas estão incluídas na família camito-semítica. Há que reconhecer que, historicamente, esses povos tiveram grande influência cultural em metade do mundo, pois as três grandes religiões monoteístas – o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo – possuem raízes semitas. Dadas as diversas migrações, não podemos falar de um grupo étnico homogéneo, mas sabe-se que são muitas as línguas compõem a família semítica. Por exemplo: o hebraico acadiano, o ugarítico, o fenício, o hebraico, o aramaico, o árabe, o etíope, o gala, o afar-saho, o amorita, o caldeu, o maltês e a tigrínia. Após a morte de Moisés, sob a direção de Deus, Josué, como é sabido, levou os judeus para as terras que são hoje Israel. Quem não sabe fica a saber e só acredita quem quiser. Depois, os hebreus sofreram diversas invasões e a religião tornou-se no principal elo entre eles. No século I d.n.e., os judeus acabaram mesmo por ser dispersos pelos romanos, dando origem à milenar diáspora judaica. Os judeus europeus subdividiram-se também, formando dois subgrupos, o dos sefarditas (Sefarad é o nome da Espanha em hebraico) e o dos asquenazes. Estes foram em grandes hordas para terras da Europa central e para países eslavos da Europa oriental. Sabemos que os sefarditas migraram para a Península Ibérica e que, seguidamente, sofreram outra dispersão, em 1492, estabelecendo-se então em países do Norte da África e da Europa Central, bem como na Itália. O século XX ficou tragicamente marcado por diversos acontecimentos envolvendo os dois povos semitas remanescentes: os árabes e os hebreus. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e o desmoronamento do Império Otomano, as regiões da Síria e do Líbano ficaram sob o domínio da França. As outras áreas, inclusive a Palestina, passaram para as mãos da Grã-Bretanha. A ocupação pela França e pela Grã-Bretanha provocou fortes reações entre os árabes. Foi nesse contexto que surgiu no Egipto a Irmandade Muçulmana, berço do fundamentalismo islâmico. Ora, a Síria só ganhou de facto o seu reconhecimento em 17 de abril de 1946 e o Líbano em 22 de novembro de 1943. À Inglaterra, nessa barafunda, coube a Palestina (incluídos os territórios da atual Jordânia e de Israel) e Mesopotâmia (o Iraque de hoje). Os respetivos governantes, na sua maioria reis, obtiveram assim áreas extremamente ricas em petróleo e ganharam meios económicos para se desenvolverem. No mesmo período, já em 1948, começou a fase de criação do estado de Israel em território palestiniano, gerando a divergência entre árabes e judeus. Desde então, aquela região é abalada por diversas guerras e se mantém em clima de permanente conflito. Actualmente, as principais regiões de cultura árabe compreendem todos os países norte-africanos, desde a África Saariana até o Médio Oriente, além de regiões isoladas no Irão. Outras vertentes semitas são a dos amáricos e a dos oromos, localizadas na Etiópia e na Eritreia, bem como as dos arameus e assírios, no Líbano e no Norte do Iraque. Quanto a sionismo e antissionismo não há muito a dilucidar aqui, dado serem realidades insanas decorrentes de todas as voltas e reviravoltas do processo histórico em que se inserem. Como expressão canónica, o sionismo, em hebraico ציונות (Tsiyonut) só se mostrou ao mundo com a categoria de um movimento político no final do século XIX. Na Europa central e oriental, foi logo associado, pela maioria dos seus líderes, à colonização da Palestina que consideravam “ocupada por estranhos”. O termo sionismo é derivado da palavra Sion (em hebraico, ציון) que significa elevado. Originalmente, Sião ou Sion eram as colinas que circundam a “Terra Santa”, onde existiu uma fortaleza com o mesmo nome. Durante o reinado de David, Sião tornou-se num abusivo “Reino de Jerusalém” ou “Terra de Israel”. O uso do termo sionismo surgiu durante um debate público realizado em Viena em 1892 na noite de 23 de janeiro de 1892, cunhado por Nathan Birnbaum, um escritor judeu local que fundara em 1885 a revista “Selbstemanzipation!” (Autodeterminação!). No entanto, considera-se que o pai oficial do sionismo foi o jornalista e escritor austríaco Theodor Herzl no seu livro “Der Judenstaat“ (O Estado Judeu). Acontece que até um historiador israelita, Benny Morris, isento de infidelidades factuais, considera em “The Arab-Israeli War”, livro publicado logo em 1948: “É evidente que os acontecimentos de 1948 na Palestina foram uma limpeza étnica executada pelos judeus nas zonas árabes. (…) Os métodos terroristas, de inspiração nazi e fascista, levados a cabo pelo Irgun (“Organização Militar Nacional na Terra de Israel”, liderado por Menachem Begin, futuro primeiro-ministro de Israel), foram denunciados no mesmo ano por diversos intelectuais judeus, entre os quais Albert Einstein e Hannah Arendt, numa carta aberta publicada em “The New York Times”. Já no século XX, quando Begin organizou o governo, tornou-se num infame genocida, prática em que Netanyauhu se tem vindo também a especializar.