Grande Plano MancheteMorte de Li Keqiang enluta nação chinesa | “A prioridade deve ser as pessoas” Hoje Macau - 30 Out 2023 Talvez por ter proferido frases como estas, Li Keqiang está a ser celebrado pelo povo chinês que reconhece as qualidades que exibiu enquanto governante, nomeadamente a sua capacidade de trabalho, defesa das reformas económicas e extraordinária aposta no desenvolvimento científico, que terá valido à China o seu primeiro Nobel da Medicina O ex-primeiro-ministro chinês Li Keqiang morreu na sexta-feira passada, aos 68 anos, de ataque cardíaco. Li, que ocupou o cargo de primeiro-ministro entre 2012 e Março deste ano, sofreu um ataque cardíaco na quinta-feira e, “apesar de todos os esforços para o salvar, morreu às 00:10 de 27 de outubro “, informou a emissora CCTV. O Governo chinês expressou as suas “profundas condolências”. “Expressamos as nossas profundas condolências pela morte do camarada Li Keqiang na sequência de um ataque cardíaco súbito”, declarou Mao Ning, porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, em conferência de imprensa regular. Nas redes sociais chinesas, as palavras-chave relacionadas com a morte de Li só na Weibo tiveram mais de mil milhões de visualizações em apenas algumas horas. Nas partilhas sobre Li, o ícone para “gosto” foi transformado numa margarida, uma flor comum nos funerais chineses, e muitos internautas escreveram “descansa em paz”. Outros consideraram a sua morte uma perda, afirmando que Li trabalhou arduamente e contribuiu muito para o país. Likonomics em acção Nenhum primeiro-ministro chinês antes dele apresentara no currículo uma licenciatura em Direito e um doutoramento em Economia, ambos pela Universidade de Pequim. Li começou por assumir a missão de corrigir o desequilíbrio económico causado pela implementação de um pacote de estímulo de 4 biliões de yuans (572 mil milhões de dólares) em 2008, utilizado pelo seu antecessor numa tentativa de gerir a crise financeira mundial. Também por isso, Li Keqiang tem sido recordado positivamente pelas suas tácticas económicas, conhecidas como “Likonomics”, que incluíam esforços de desalavancagem, reformas estruturais e estímulos moderados. Enquanto primeiro-ministro, de 2013 a 2013, Li enfrentou muito mais desafios do que os seus antecessores, incluindo um ambiente externo hostil, a resistência de grupos de interesses e condições político-sociais complexas. Abordável e pragmático, Li conduziu a segunda maior economia do mundo através de um período difícil durante a sua década como primeiro-ministro, fazendo um esforço incansável para reformas orientadas para o mercado, procedimentos governamentais simplificados e um melhor ambiente de negócios para empresas privadas e estrangeiras. No ano em que Li tomou posse como primeiro-ministro, Pequim aprovou o histórico documento de reforma, que prometia deixar o mercado desempenhar um papel decisivo na afectação de recursos e que descrevia em pormenor o roteiro da reforma. A economia continuou a expandir-se, apesar de um ritmo mais lento de uma média de 5 a 6 por cento na última década, aproximando-se do limiar de um país de elevado rendimento. No seu discurso no Congresso Nacional do Povo, em Março de 2022, prometeu que “a política de abertura da China não mudaria, tal como o curso dos rios Yangtze e Amarelo não será invertido”. Segundo a Xinhua, “Li tomou medidas para manter o crescimento económico estável, realizar reformas, promover o ajustamento estrutural, melhorar os meios de subsistência das pessoas, prevenir riscos e manter a estabilidade. Esforçou-se activamente para expandir a procura interna efectiva, manter os principais indicadores económicos dentro de um intervalo adequado e basear-se na inovação para optimizar e melhorar as estruturas industriais”. Além disso, ainda segundo a Xinhua, “avançou sistematicamente com reformas para desenvolver a economia socialista de mercado, estabelecendo um equilíbrio adequado entre o governo e o mercado. Isto permitiu que o mercado desempenhasse um papel decisivo na afectação dos recursos e que o governo desempenhasse melhor o seu papel, promovendo assim um mercado eficiente e um governo funcional”. Tempos difíceis No entanto, algumas das suas políticas foram abandonadas à medida que a segunda maior economia do mundo tem vindo a inclinar-se mais para a segurança desde o início do segundo mandato de Xi em 2018, uma vez que o presidente deu prioridade à luta contra a corrupção, à protecção do ambiente, à segurança nacional e ao controlo do coronavírus, por vezes em detrimento do desenvolvimento económico. Pequim também teve de lidar com a guerra comercial lançada pela administração Trump, que levou a China a adoptar a chamada estratégia de dupla circulação, confiando mais no mercado interno e na tecnologia para o crescimento, sob restrições dos EUA. “Os acontecimentos fizeram descarrilar parte da agenda [de Li] nos últimos 10 anos, mas o seu pensamento ainda é muito relevante hoje”, disse Bert Hofman, director do Instituto da Ásia Oriental da Universidade Nacional de Singapura. “Li sempre me pareceu muito empenhado no desenvolvimento da China, intelectualmente curioso, com um conhecimento muito sofisticado da economia chinesa e da forma como a China poderia aprender com as boas práticas internacionais em matéria de gestão económica”. Victor Gao, vice-presidente do Centro para a China e Globalização em Pequim, disse que Li também pressionou “muito” pela inovação tecnológica e “enfatizou” o crescimento da fintech, permitindo que as empresas utilizassem toda a extensão da lei. “A sua ênfase no Estado de Direito foi muito importante”, afirmou. “Penso que continuaremos a avançar na direcção que ele definiu para toda a nação”. A importância de ser sincero Li também se dedicou a delegar mais poderes de Pequim, reduzindo as aprovações governamentais e reforçando o ambiente empresarial. O fundador da Mei KTV, Wu Hai, escreveu uma carta aberta em 2015 criticando o ambiente empresarial da China, acabando por receber uma resposta directa de Li. “A carta que escrevi foi impressa e estudada dentro do governo e amplamente discutida nos meios de comunicação estatais, o que desencadeou um clímax de melhoria do ambiente empresarial na altura”, disse Wu, que descreveu Li como um “líder muito admirável” com um “grande coração”. Antes de se tornar primeiro-ministro, Li era conhecido pelo seu chamado índice Li Keqiang, que adoptava uma combinação de indicadores – incluindo o volume de carga dos caminhos-de-ferro, o consumo de eletricidade e os empréstimos bancários – para medir o pulso à economia chinesa. Durante a pandemia do coronavírus, Li fez várias avaliações honestas da situação económica que ressoaram junto do público em geral, ao mesmo tempo que se comprometeu a estabilizar a economia. Em Maio de 2020, afirmou que a China tinha 600 milhões de pessoas com um rendimento mensal de 1000 yuan (137 dólares), uma afirmação surpreendente que divergia dos dados oficiais publicados anteriormente. “É apenas o suficiente para cobrir a renda mensal numa cidade chinesa de média dimensão. Agora estamos a enfrentar uma pandemia. Depois da pandemia, a prioridade deve ser a subsistência das pessoas”, disse Li em Pequim, na altura. Segundo a Xinhua, “para melhorar o bem-estar da população, Li dedicou esforços para resolver questões importantes no domínio do emprego, da educação, da habitação, dos cuidados de saúde e dos cuidados aos idosos”. A ciência como factor de desenvolvimento Li Keqiang ficou também conhecido pelo seu apoio à investigação científica, para apoiar o crescimento nacional. No final de Fevereiro, semanas antes de se reformar, Li discutia a importância da investigação com o matemático chinês de renome mundial Yau Shing-Tung, que se reformou de Harvard no ano passado para ensinar a tempo inteiro na Universidade de Tsinghua, com “o objectivo de ajudar a China a tornar-se uma potência matemática dentro de uma década”. “Li acreditava que a inovação e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia requerem o apoio fundamental da ciência básica, cuja base é a matemática, a que chamou a coroa da ciência natural”, segundo a Xinhua. O apoio de Li à comunidade científica remonta ao seu tempo de vice-primeiro-ministro, de 2008 a 2013. Liu Dunyi, director fundador do Centro de Micro Sondas de Iões Sensíveis de Alta Resolução (SHRIMP) de Pequim, especializado na datação de rochas, incluindo o solo lunar, recordou a visita de Li ao laboratório em Agosto de 2009. “Li foi o único líder nacional que o nosso laboratório tinha recebido. Fui incumbido de lhe apresentar o nosso laboratório. Ele ouviu-me e fez muitas perguntas aos outros colegas”, disse Liu, acrescentando que Li também falou com cientistas de topo sobre as alterações climáticas. “Antes de se ir embora, encorajou-nos a trabalhar arduamente para fazer avançar a ciência e a tecnologia no nosso país e reconheceu os nossos esforços”. “Foi o antigo primeiro-ministro que impulsionou o aumento do financiamento, do espaço no campus e do recrutamento para a Academia Chinesa de Ciências Geológicas”, disse ainda Liu. Mais dinheiro para o saber Durante o mandato de uma década de Li como primeiro-ministro, a partir de 2013, as despesas de investigação e desenvolvimento da China aumentaram de 1 bilião de yuan, ou seja, menos de 2 por cento do seu produto interno bruto (PIB) de 2012, para mais de 3,08 biliões de yuan ou 2,54 por cento do PIB em 2022. A China também gastou um recorde de 202 mil milhões de yuans em investigação fundamental no ano passado, ocupando o segundo lugar a nível mundial, a seguir aos Estados Unidos. Um ano depois de assumir o cargo de primeiro-ministro e principal responsável económico da China, Li convidou Marcia McNutt, na altura editora-chefe da revista Science, para uma reunião em Pequim. “O facto do primeiro-ministro chinês querer reunir-se comigo enviou fortes sinais de como a China está a encarar a ciência como fundamental para o seu bem-estar futuro”, escreveu McNutt, geofísica, num editorial para a Science intitulado “Li and Me”, contando o encontro que tiveram em 2014. O encontro de meia-hora acabou por durar 70 minutos e abordou questões que vão desde o programa espacial chinês, as alterações climáticas e a protecção ambiental, até à educação e à cooperação científica internacional, disse McNutt, que é actualmente presidente da Academia Nacional das Ciências dos EUA. “A investigação científica atingiu o estatuto de estrela de rock na China”, escreveu. “Se o resultado a longo prazo for que os jovens mais talentosos da China se tornem investigadores para encontrar soluções ambientais, todos ganharemos”. Numa nota de acompanhamento, também publicada na mesma edição da Science, Li afirmou que “o desenvolvimento das energias renováveis e a conservação da energia e dos recursos podem contribuir para o crescimento do PIB, preservando o ambiente”. McNutt disse que ficou “muito impressionada com o seu domínio do inglês, ao ponto de corrigir o tradutor, e com o seu fascínio pela ciência”, disse. “Admirava a relação estreita que o Primeiro-Ministro Li mantinha com Bai Chunli, o presidente da Academia Chinesa das Ciências (CAS). Foi essa relação que fez com que a ciência chinesa se tornasse o sistema de classe mundial que é hoje”. Li afirmou em 2015 que “a profundidade da investigação científica fundamental determina a vitalidade da inovação de um país”. Durante uma visita ao Instituto de Física do CAS nesse ano, Li encorajou os cientistas a prosseguirem uma investigação mais original, apelando a que transformassem “Made in China” em “Created in China”. Em 2016, disse numa conferência nacional que, apesar das pressões financeiras, o investimento público em investigação científica não podia ser reduzido, apelando a que fosse aumentado. No Fórum Económico Mundial de 2014, em Tianjin, Li promoveu pela primeira vez a sua campanha de empreendedorismo e inovação em massa. Os governos locais a todos os níveis aderiram – subsidiando incubadoras e parques de inovação, e criando fundos de capital de risco para permitir que as “microempresas” prosperassem na sua jurisdição. “Li desempenhou um papel fundamental na promoção da transferência de tecnologia e no fomento do empreendedorismo. Políticas como a de permitir que os cientistas lancem uma start-up abriram caminho para o rápido desenvolvimento da China nos últimos anos”, disse o cientista. Nobel no topo do bolo Li sublinhou repetidamente a importância de dar mais autonomia aos investigadores e de reduzir a burocracia administrativa, especialmente no que diz respeito ao financiamento. “Li concentrou-se mais na forma como a ciência e a tecnologia poderiam servir o desenvolvimento económico e social”, disse outro cientista do CAS. Enquanto primeiro-ministro chinês, Li partilhou a emoção da comunidade científica quando Tu Youyou ganhou o primeiro Prémio Nobel da Medicina da China, em 2015, pelo seu trabalho sobre o medicamento anti-malária artemisinina, baseado na antiga medicina herbal chinesa. “O prémio de Tu é um reflexo do progresso da China em ciência e tecnologia e da enorme contribuição da medicina tradicional chinesa para a saúde humana, mostrando o crescente poder nacional e a influência internacional da China”, escreveu Li numa carta de felicitações à Academia de Ciências Médicas Chinesas, onde trabalha Tu Youyou. O partido e a glória Segundo a Xinhua, uma nota fúnebre, emitida conjuntamente pelo Comité Central do PCC, pela Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo (CNP), pelo Conselho de Estado e pela Comissão Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, refere que “Li foi um excelente membro do Partido Comunista Chinês, um soldado comunista leal e de longa data e um revolucionário proletário excepcional, estadista e líder do Partido e do Estado”. Depois de se reformar do cargo de liderança, “Li continuou a defender firmemente a liderança do Comité Central do PCC, o papel central do camarada Xi Jinping, a preocupar-se com o avanço da causa do Partido e do país, e a defender firmemente os esforços do Partido para melhorar a conduta, construir a integridade e combater a corrupção. A vida de Li foi uma vida revolucionária, laboriosa e gloriosa, dedicada a servir de todo o coração o povo e a causa comunista”, refere a nota obituária, acrescentando que a sua morte é uma grande perda para o Partido e o Estado. “Glória eterna ao camarada Li Keqiang!”, conclui a nota obituária. Uma vida… Julho de 1955 Li Keqiang nasce em Dingyuan, província de Anhui, no leste da China. Março de 1974 Entra parta a Brigada de Dongling, comuna de Damiao, condado de Fengyang, em Anhui, como jovem instrutor. Maio de 1976 Torna-se membro do PCC. 1976-1978 Chefe do Partido na Brigada Damiao. Março de 1978 e Fevereiro de 1982 Li estuda no Departamento de Direito da Universidade de Pequim entre, onde foi director da União dos Estudantes. Após Fevereiro de 1982 Li foi sucessivamente secretário do Comité da Universidade de Pequim da Liga da Juventude Comunista da China (CYLC), membro do Comité Permanente do Comité Central da CYLC, director do Departamento Escolar do Comité Central da CYLC e secretário-geral da Federação dos Estudantes de Toda a China, membro suplente do Secretariado do Comité Central da CYLC, membro do Secretariado do Comité Central da CYLC e vice-presidente da Federação da Juventude de Toda a China, e chefe do Comité de Trabalho Nacional dos Jovens Pioneiros Chineses. Março de 1993 Desempenha as funções de primeiro membro do Secretariado do Comité Central do CYLC, presidente da Universidade Juvenil de Estudos Políticos da China e membro do Comité Permanente do 8º CNP. Após Junho de 1998 Li foi sucessivamente secretário-adjunto do Comité Provincial de Henan do PCC, governador interino de Henan e, mais tarde, governador de Henan; secretário do Comité Provincial de Henan do PCC e governador de Henan; e secretário do Comité Provincial de Henan do PCC e presidente do comité permanente do Congresso Popular Provincial de Henan. Dezembro de 2004 Secretário do Comité Provincial de Liaoning do PCC e, mais tarde, simultaneamente, presidente do comité permanente do Congresso Popular Provincial de Liaoning. Outubro de 2007 Eleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente. Março de 2008 Nomeado Vice-Primeiro-Ministro do Conselho de Estado e desempenhou as funções de Secretário-Adjunto do seu Grupo de Líderes do Partido. Foi responsável pelo trabalho quotidiano do Conselho de Estado. Ajudou a responder à crise financeira internacional, a acelerar a reestruturação económica, a aprofundar a aplicação da estratégia de desenvolvimento regional coordenado, a promover a conservação de energia, a redução das emissões e a protecção do ambiente, e a promover a reforma dos sistemas médico e de saúde. Novembro de 2012 Reeleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente. Março de 2013 Nomeado Primeiro-Ministro do Conselho de Estado. Outubro de 2017 Reeleito membro do Bureau Político do Comité Central do PCC e da sua comissão permanente. Março de 2018 Reconduzido no cargo de primeiro-ministro do Conselho de Estado. Março de 2023 Li deixa de ser o primeiro-ministro. 27 de Outubro Li Keqiang morre devido a um súbito ataque cardíaco.