As mamas

As mamas são complicadas. Desde veículo de alimentação a objecto de desejo, as mamas são partes do corpo criticadas em praça pública. Os humanos são os únicos primatas com mamas proeminentes desde a adolescência à morte. Um claro sinal evolutivo que as mamas servem para muito, até para debates sociais.

Amplamente discutidas nas revistas cor-de-rosa, as mamas entrelaçam discursos de aceitação (“body positivity”) e de escrutínio social. Uma combinação que tenta normalizar as diferentes mamas e mamilos, mas que ainda estabelecem definições entre “boas” e “más” mamas. Aos olhos da mulher moderna uma forma de resolver esta categorização está no discurso neoliberal pós-feminista, onde o consumismo é o único mecanismo para a mudança e empoderamento. Neste caso, através de soutiens e mamoplastias.

Soutiens são a solução proposta para as mamas “problemáticas”, que ninguém sabe bem o que são, nem como se parecem, pois as mamas dependem das modas. A ausência de soutien também está sujeita a um tipo de aceitabilidade ditada pelos senhores e senhoras da indústria. Uma tendência pelo look natural que nem todas podem ter acesso, muito menos as mamas descaídas. Já lá vai o tempo em que se queimavam soutiens como forma de empoderamento, agora, compram-nos.

A mamoplastia, uma cirurgia de alteração mamária, eleva este “empoderamento” a outro patamar. Referem-se a elas como formas de elevar a auto-estima. Assim dizem as revistas cor-de-rosa e os apresentadores de programas populares. Esse jargão clínico que já se incorporou na linguagem do dia-a-dia. As mulheres protegem-se do escrutínio público e vivem mais felizes, sem complexos para mostrar as mamas (aos outros). À medida que o tempo passa, e que o corpo se altera, as mamoplastias de revisão são obrigatórias para que as mamas se ergam firmes e hirtas, desafiando o tempo e a gravidade.

O pragmatismo para lidar com mamas só mostra que estamos longe da sua total libertação. Há quem peça censura no acto, tão singelo (e natural), de mamar. Essa exposição (desnecessária!) precisa de ser dissimulada e discreta, enquanto a Playboy continua a lucrar com o mamilo exposto. Ao mesmo tempo, envergonham-se as mulheres que escolhem não amamentar. “As mamas não nos pertencem”, já alguém dizia. As mamas vivem uma tensão milenar entre aceitação e escrutínio que deixam marcas profundas na forma como as mulheres vivem os seus corpos. Até estudos científicos contribuem para a sua objectificação. Insinuam que mamas assimétricas (que são todas) revelam uma pobre composição genética de quem as carrega. Esses estudos defendem que os homens que preferem mamas simétricas estão, na verdade, a optar por mulheres com uma carga genética mais favorável, garantido uma linhagem mais saudável.

As mamas são indicadores sexuais que precisam de ser urgentemente descomplicados. São necessários mais projectos sociais, educativos e artísticos que revelem de forma honesta a pluralidade de mamas existentes; projectos que revelem também que por detrás das mamas estão seres humanos de imensa complexidade. Há mulheres que odeiam as suas mamas porque lhes ensinaram a odiá-las. No pragmatismo dos dias que correm, é preciso tornar evidente que as mamas são uma pequena parte da complexidade da existência.

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