As noites de Verão

[dropcap]C[/dropcap]om o solstício de Verão talvez os astros se alterem para formar constelações particulares. Os alquimistas falarão em transformações astrais e transformações individuais. Mas disso não sei absolutamente nada. Só que as mudanças são mudanças, e as mudanças do clima também afectam a pele, o tacto e tantos outros sentidos.

Foi numa noite de Verão que os corpos se encontraram e a magia aconteceu. Há quem culpe as hormonas responsáveis pelos cheiros ou as formas irresistíveis das gentes sexualizadas. Os protagonistas podem ser homens, mulheres, trans ou intersexo. Os corpos mais ou menos definidos pela ‘suposta’ necessidade mental de categorização – mas que acabam por viver no limiar entre desejos de auto-determinação e a negociação de aprovação alheia. Categorias que são muito mais que nomes, que carregam expectativas do que são características típicas. Como é uma mulher e como é um homem, ou de como é quem não é uma coisa nem outra. Só que quebramos as constantes amarras que as palavras nos criam. Criamos outras palavras para fazer justiça ao nosso prazer e identidade.

Mas ao mesmo tempo parece que as noites de Verão têm promiscuidade colada na testa. Talvez porque os corpos estão mais à vista, mais descobertos. Talvez porque falamos dos amores de Verão como circunscritos no tempo e não os julgamos para sempre, como se houvesse uma fórmula que definisse à partida o futuro dos amores de corpos. Corpos que podem ser mais dissidentes que outros, mas que são sempre dissidentes. Não há nada mais poderoso que o amor e o sexo. Os hippies tinham razão: façam amor em vez de guerra. Parece tão simples quanto isso.

Foi também numa noite de Verão que, em Nova Iorque, houve quem tivesse contribuído para a rebelião em Stonewall. Não era um capricho de Verão. A necessidade imperativa de afirmação do que era uma vida escondida dentro do armário – ou dentro de lugares muito particulares – não tinha outra escolha. Pequenos lugares onde a auto-determinação era uma possibilidade, mas que ficava confinada por ali. Uma altura em que a liberdade de amar a nosso bel-prazer era tida como uma doença mental ou era criminalizada. Junho é o mês em que se celebra o orgulho das muitas formas de auto-determinação – o direito de nos expressarmos exatamente como somos. Por acaso é no Verão, mas podia ser noutra altura qualquer.

Em noites de Verão também se escreve sobre sexo para dar sentido a vidas para além do dele, e do amor. Como se a parte mais censurada de nós precisasse de ser libertada para a vida ganhar mais sentido. Talvez estejamos presos no problema hedonista. Na procura de prazer e na culpa de o ter. Como se vivêssemos os impulsos de formas extraordinariamente relutantes. Ponderamos entregar-nos quando não sabemos o que nos traz a entrega.

Nas noites de Verão os corpos e as mentes parecem mais livres. Talvez sejam as férias, o desejo de folia ou o desespero por quebrar a rotina. Como se no resto do ano estivéssemos presos a uma expectativa parva, em um formato mecânico e irreflectido. Acorda-se e vive-se sem se pensar muito no que fazemos e para onde vamos. Até que chegamos ao Verão e percebemos que podemos fazer tudo. Fugir dos medos, fugir de nós ou reencontrarmo-nos no sexo, no amor ou na vida. Os alquimistas talvez tenham as fórmulas de tornar esta sensação de liberdade eterna.

Misturando os elementos perfeitos conseguimos tudo. Provas de quem somos, definições de prazer genuínas, formas de pensar a sexualidade longe de preconceito, longe de complicações.

Não que esteja a reduzir tudo isto ao simples impulso. Na complicação fisiológica e conceptual poderemos simplificar, às vezes. Porque no Verão, ou em qualquer estação do ano, amor é amor é amor.

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