Análise | Xi põe fim a Era reformista com ênfase na auto-suficiência e controlo

Analistas internacionais consideram que a segunda década de Xi Jinping no poder representa o fim da ‘reforma e abertura’ da China, com Pequim a privilegiar agora a auto-suficiência, controlo político e elevação do estatuto global do país.

Durante a sessão plenária da Assembleia Popular Nacional (APN), que terminou na segunda-feira, Xi reforçou a liderança do Partido Comunista (PCC) em vários aspectos da governação do país e alargou o seu domínio nos sectores financeiro e tecnológico.

“A separação entre Partido e Estado foi uma característica fundamental da Era de reformas na China”, observou Richard McGregor, investigador do Lowy Institute, um grupo de reflexão (‘think tank’) com sede em Sydney, citado pelo The Wall Street Journal. “Xi há muito que considera essa separação redundante. Agora, estamos a ver a sua visão a ser posta em prática”.

O órgão máximo legislativo da China aprovou também uma reformulação do ministério de Ciência e Tecnologia, depois de Xi ter pedido um aumento das capacidades do país, face às crescentes tensões com Washington, que passou a restringir o fornecimento de ‘chips’ semicondutores avançados ao país asiático.

“A chave (…) é a integração”, apontou Xi, num encontro com representantes do Exército, na semana passada. “O êxito de uma alocação integrada de recursos e coordenação sob uma liderança unificada vai decidir se podemos maximizar as nossas capacidades estratégicas gerais”, disse.

No discurso de encerramento da sessão anual da APN, o líder chinês afirmou que a “segurança é a base do desenvolvimento” e que a “estabilidade é um pré-requisito para a prosperidade”.

Isto contrasta com a retórica oficial das últimas décadas, que apontava o desenvolvimento económico como a “tarefa central”. O termo “reforma e abertura” era então omnipresente nos discursos oficiais, que destacavam ainda a importância de atribuir às forças de mercado um “papel decisivo” na alocação de recursos.

A “segurança e controlo” parecem agora orientar as decisões políticas de Pequim, numa altura de crescentes tensões com os Estados Unidos e vários países vizinhos, suscitadas por disputas territoriais, comerciais e tecnológicas.

“A China deve trabalhar para alcançar maior auto-suficiência tecnológica”, apontou Xi, na segunda-feira.
Citada pelo portal japonês Nikkei Asia, Mary Gallagher, professora de ciências políticas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, afirmou que o líder chinês está a fazer duas coisas ao mesmo tempo: centralizar o poder dentro do Partido Comunista e expandir o poder do Partido, em detrimento dos órgãos do Estado. “É algo sem precedentes na Era da reforma”, notou.

Posição exterior

A nível externo, o país asiático passou também a reclamar a posição de grande potência. Em 2017, Xi anunciou já o início de uma “Nova Era”, em que a China “erguer-se-á entre todas as nações do mundo”.

Reflectindo o crescente papel da China em questões externas, Irão e Arábia Saudita anunciaram, na sexta-feira, em Pequim, um acordo, mediado pela diplomacia chinesa, para restabelecer as relações diplomáticas cortadas por Riade em 2016, após os ataques às suas sedes diplomáticas no país persa.

Xi Jinping vai visitar Moscovo na próxima semana para um encontro com o homólogo russo, Vladimir Putin, e depois terá um encontro virtual com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. “A China vai trazer para o mundo moderno a sua sabedoria milenar e recuperar a grandeza de outrora. Vai oferecer ao mundo uma solução chinesa”, disse à agência Lusa David Kelly, director de pesquisa do grupo de reflexão China Policy, sobre a nova narrativa do regime chinês.

“Isto vai ser atribuído a Xi, por ter criado o seu próprio pensamento” afirmou. “A ele será atribuído uma inovação teorética ao nível de Mao Zedong, ou mesmo superior”, referiu.

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