Óscares | Michelle Yeoh faz história ao ganhar estatueta de melhor actriz

Pela primeira vez na história dos Óscares uma actriz asiática conquista o Óscar de Melhor Actriz principal. Michelle Yeoh, de origem malaia, ganhou o prémio pelo seu papel no filme “Tudo ao Mesmo Tempo em Todo o Lado”, um dos grandes vencedores da noite, também considerado o Melhor Filme. Brendan Fraser, protagonista de “A Baleia”, foi o Melhor Actor

 

Foram precisos muitos anos para que uma actriz asiática subisse ao palco dos Óscares e se sagrasse vencedora na categoria de Melhor Actriz principal. Michelle Yeoh fê-lo na 95.ª edição dos Óscares, na noite deste domingo [hora dos EUA], pelo seu papel em “Tudo ao Mesmo Tempo em Todo o Lado”, destronando outros nomes favoritos, nomeadamente Cate Blanchett, que concorria pelo seu papel de Lydia Tár em “Tár”, Ana de Armas, em “Blonde”, Andrea Riseborough, em “Para Leslie”, e Michelle Williams, em “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg.

No discurso de aceitação do Óscar, Michelle Yeoh dedicou o prémio “a todos os pequenos rapazes e raparigas que me estão a ver esta noite, isto é um farol de esperança e de possibilidades”. “É a prova de que os sonhos sonhados são grandes e que se tornam realidade. Dedico-o à minha mãe, a todas as mães do mundo, porque são verdadeiros super-heróis, e sem elas nenhum de nós estaria aqui esta noite”, acrescentou.

Brendan Fraser recebeu o Óscar de Melhor Actor pelo desempenho em “A Baleia”, de Darren Aronofsky, filme que já esteve em exibição na Cinemateca Paixão. A interpretação de Fraser já recebera este ano o prémio do Sindicato dos Actores, entre outras distinções. Para o Óscar de Melhor Actor estavam nomeados Austin Butler, por “Elvis”, Colin Farrell, por “Os Espíritos de Inisherin”, Paul Mescal, por “Aftersun”, e Bill Nighy, por “Viver”.

O grande vencedor

“Tudo ao Mesmo Tempo em Todo o Lado”, da dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert, conhecida como “Os Dois Daniéis”, teve 11 nomeações e venceu grande parte delas, nomeadamente a de Melhor Argumento, Melhor Filme, Melhor Actor Secundário, com Ke Huy Quan, o segundo asiático na história dos Óscares a ganhar nesta categoria, e Melhor Actriz Secundária, com Jamie Lee Curtis.

O filme foi o mais premiado desde “Quem Quer Ser Bilionário”, em 2008. Michelle Yeoh considerou, à saída da cerimónia, que este foi “um momento histórico que quebrou o tecto de vidro” com um movimento de Kung-Fu. “Isto é para todos os que foram identificados como minorias”, considerou a actriz. “Nós merecemos ser ouvidos, merecemos ser vistos e ter oportunidades iguais, para podermos ter um lugar à mesa”, continuou. “Deixem-nos provar que nós valemos a pena”.

Urgindo todos os que têm sonhos a “acender esse fogo na alma”, Yeoh, de 60 anos, também mandou um recado aos que têm preconceitos contra as mulheres após uma certa idade. “Não deixem que vos ponham dentro de uma caixa, que vos digam que já não estão no auge”, afirmou.

A importância da representação e reconhecimento de actores asiáticos também foi abordada por Ke Huy Quan, que ganhou um Óscar depois de andar afastado da indústria durante décadas por falta de oportunidades.

“Quando comecei a representar em criança, lembro-me de o meu agente me dizer que seria mais fácil se eu tivesse um nome que soasse americano”, disse Ke Huy Quan. Foi por isso que na fase inicial da carreira o seu nome aparecia como Jonathan Ke Quan. “Quando decidi voltar à representação há três anos, a primeira coisa que quis fazer foi regressar ao meu nome de nascimento”, explicou.

Quan foi o vencedor mais exuberante da noite na sala de entrevistas, para onde entrou aos saltos e a gritar de alegria. “Conseguem acreditar que estou a segurar uma [estatueta] destas na mão?”, perguntou. “Isto é tão surreal”.

Pelos bastidores também passaram os ‘dois Daniéis’, que levaram ainda para casa a estatueta Melhor Realização, batendo Steven Spielberg. “Estamos numa crise de saúde mental, em especial a geração mais jovem, que não tem muito por que ansiar”, disse o co-realizador Daniel Kwan. “Há uma desolação que se infiltra”, referindo que ele próprio passou por tempos muito difíceis na adolescência.

“O poder radical e transformador da alegria, do absurdo e de perseguir a nossa felicidade é algo que quero trazer às pessoas”, disse, “e este filme é um tiro de alegria, absurdo e criatividade”.

O produtor Jonathan Wang acrescentou que a intenção da equipa era que o filme culminasse num abraço caloroso, apesar de ser uma história de caos. “Decidimos dedicar a nossa vida a fazer filmes que são bons e que levam a algo bom, e não apenas a algo que vai obter atenção”, afirmou.

A história de “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo” oscila entre o absurdo e o fantástico, centrando-se numa imigrante chinesa de meia-idade (“Evelyn Wang”) que se vê atirada para uma aventura em múltiplos universos e linhas temporais.

Quase lá

A Melhor Longa-Metragem de Animação acabou por ser “Pinóquio”, de Guillermo del Toro, mas estes Óscares foram marcantes para o cinema português pelo facto de “Ice Merchants”, de João Gonzalez, ter sido o primeiro filme de sempre a ser nomeado. Guillermo Del Toro disse que o filme é uma afirmação da animação como arte e dos animadores como artistas. “Esta é uma forma de arte que tem sido mantida comercial e industrialmente na mesa das crianças por demasiado tempo”, disse Guillermo Del Toro nos bastidores dos Óscares, após vencer a estatueta.

“É na verdade uma forma de arte madura, expressiva, bonita e complexa”, afirmou o realizador, que estava extático com a vitória. Usando a técnica ‘stop motion’ e não ‘live action’, o filme da Netflix afirmou-se com uma história que diverge do conto infantil escrito por Carlo Collodi e das várias adaptações que se seguiram.

Del Toro disse, na sala de entrevistas, que o Óscar é um triunfo desta técnica, que considerou ser “uma das formas mais democráticas de animação”. “Era muito importante para mim ter a oportunidade de dizer que a realização, escrita, direcção de arte e design de produção, tudo o que fazemos na animação é análogo, tão ou mais complexo que ‘live action’”, referiu o cineasta.

Del Toro, que fez várias piadas e deu algumas respostas em espanhol na sala de entrevistas, também disse ser importante que a animação tenha sido feita por pessoas “a quem foi prometido serem tratadas como artistas e não como técnicos”.

Sobre o impacto da história em si, o cineasta mexicano disse que o filme tem vários aspectos reversos e significativos. “Um dos mais importantes é que não é uma criança a aprender a ser um menino de verdade, mas um pai a aprender um pai de verdade”, disse. “É uma lição urgente no mundo”.

O realizador acrescentou que o filme também mostra uma urgência de desobedecer. “Estamos a dizer que a desobediência não é apenas necessária, é uma virtude urgente no mundo”. É “um pai imperfeito e um filho imperfeito”, descreveu, que representam a forma como podemos amar-nos uns aos outros com “os nossos falhanços, defeitos e a nossa humanidade”.

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