Bernardo Mendia, membro da Câmara de Comércio e Índústria Luso-Chinesa: “Há, finalmente, entusiasmo”

Assim que Portugal respirou liberdade, em 1974, e as autoridades reconheceram a República Popular da China como nação, foi criada a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, que celebra 45 anos de vida no próximo mês. Bernardo Mendia, secretário-geral, joga todas as cartas na recuperação do comércio com a China. Sobre o investimento chinês em Portugal, menciona preconceitos que devem ser combatidos

 

Que balanço faz de mais de 46 anos de actividade da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) e que progressos destaca?

O balanço é extremamente positivo. Depois do 25 de Abril, logo em 1975, o Governo português faz uma declaração inicial a dizer que reconhecia a República Popular da China (RPC) como a única China e a representante do povo chinês, e depois na sequência disso, em 1976, surge o movimento que dá origem à CCLC, estabelecida em Fevereiro de 1978. Desde aí, temos acompanhado anos de bastante crescimento que nós próprios como país [Portugal], empresas e empresários temos todo o interesse em estarmos próximos, porque podemos vender e comprar muito para as nossas indústrias, com produtos mais competitivos. A nível de trocas comerciais foram anos muito ricos, mutuamente benéficos sempre com a vantagem de termos Macau, o que nos dá uma vantagem que, se calhar, outros países não têm, com mais de 500 anos de contactos. Passando à parte do investimento, também foi muito interessante para Portugal, se bem que apenas nos últimos 12 anos é que existe um verdadeiro movimento de investimento chinês em Portugal. O investimento português na China foi sempre muito residual, até aos dias de hoje. Houve uma série de circunstâncias para o crescimento do investimento chinês, nomeadamente as políticas chinesas que permitiram a expansão de muitas empresas, que coincidiu com as dificuldades financeiras das empresas em Portugal que obrigaram a abrir o capital de empresas públicas e privadas. Nessa altura, havia maior disponibilidade das empresas chinesas para investir em Portugal. Hoje em dia não se verifica o mesmo. Tivemos bastante sorte porque se tivéssemos dependentes dos investidores ocidentais, tradicionais, as nossas empresas não teriam sido tão valorizadas como foram. Respondendo a uma crítica que vem sendo feita, mas que não passa de um mito, de que existe um excesso de investimento chinês…

Não existe?

Na verdade, a maior parte do investimento chinês não controla na totalidade o capital das empresas portuguesas e onde controla mantém a gestão com quadros portugueses.

Esse mito, conforme diz, foi uma forma de descredibilizar o investimento chinês?

Sim, sem dúvida. É uma pena porque não corresponde à realidade e cria um preconceito que é injusto. Deveríamos valorizar [o investimento] e comunicar para ver onde há mais oportunidades. É verdade que hoje em dia há muito menos investimento chinês em empresas já constituídas, porque, de facto, ele aconteceu antes devido a circunstâncias históricas excepcionais e problemas financeiros ocorridos em Portugal. Mas existem ainda muitas oportunidades a nível de indústrias chinesas que podem ser desenvolvidas em países como Portugal, como é o caso da construção de fábricas, indústria automóvel. É esse o investimento que hoje em dia nos interessa. Temos interesse em sermos o país receptor desses investimentos onde depois pode ser feita a distribuição em toda a Europa.

Saiu uma notícia recente sobre o facto de empresas estatais e privadas chinesas serem das principais investidoras na Euronext Lisboa. É um sinal de que esse investimento tem vindo a solidificar-se?

Por um lado, mais uma vez, demonstra uma aposta em Portugal, e devemos mostrar isso a outros países que estão a ficar para trás. A nós interessa-nos colocar os países a competirem entre si para investirem mais em Portugal. A notícia fala de 8,5 mil milhões de euros em investimento, e esse valor é a esmagadora maioria do stock do investimento chinês em Portugal, que são cerca de dez mil milhões. O investimento chinês em Portugal é quase todo feito através de empresas cotadas em bolsa. É o investimento do mais regulado possível e isso é de salutar, desmistifica as origens do investimento.

Fala-se muito na questão dos vistos Gold, por exemplo. O perfil do investidor chinês por essa via também tem mudado?

Penso que nos últimos três anos não deixou de haver interesse, da parte dos chineses, nesse tipo de investimento. Mas nesse período houve imensa dificuldade em viajar. Estou convencido que vão voltar a investir bastante com a abertura das viagens. Não temos nada de criticar, no sentido em que tem sido um tipo de investidor que traz muito dinheiro para a economia portuguesa, pela via dos impostos, além de ter reactivado uma indústria e requalificado várias cidades em Portugal, nomeadamente Porto e Lisboa. Houve muita requalificação urbana que não teria acontecido se não houvesse a perspectiva destes investidores. Além disso falamos de investidores que acabam por criar uma ligação com o país, e muitas vezes criam negócios, de importação. Há quem venha viver para cá e traga os seus pais. Penso que há uma dinamização da economia com este investimento de qualidade.

Tantos anos após a criação da CCLC, o perfil das empresas que vos procuram mudou? A pandemia trouxe alterações maiores?

Nestes últimos três anos houve poucas delegações de empresas chinesas e portuguesas a deslocarem-se. Aqui na CCLC ajudámos empresas a obter vistos e a justificar perante as autoridades chinesas a necessidade de os ter. Os anos da pandemia foram terríveis porque tínhamos apenas o contacto online e isso não ajuda nada. Estamos com confiança para os próximos anos porque toda a gente está com vontade de fazer. Há uma série de eventos importantes para, que do ponto de vista económico, se possa re-activar a relação Portugal-China, como é o caso dos 510 anos da chegada de Jorge Álvares à China, entre outros. Teremos ainda a abertura de uma nova CCLC em Xangai, bem como a Câmara de Comércio e Indústria Hong Kong-Portugal. Apoiamos essa iniciativa que contará com o comendador Ambrose So e Gonçalo Frey-Ramos, que é vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Hong Kong, entre outros.

A China abriu as fronteiras de forma repentina. O número de casos tem aumentado, mas é uma boa notícia para a economia.

Sem dúvida nenhuma. Quem está nos negócios esperava ardentemente que isso acontecesse e esperamos que não haja nenhum retrocesso, e que avancem sem hesitação na abertura.

Até que ponto será possível recuperar da estagnação e retrocesso destes anos de pandemia?

Temos de trabalhar na confiança. A dimensão do mercado e capacidade de compra são os incentivos que os empresários precisam. Isso não se foi embora e agora o potencial virá de forma redobrada. É importante realizar mais missões e visitar o mercado o quanto antes. Queremos estar na China Import-Export Fair, em Novembro.

Esteve há pouco tempo em Hong Kong, como está o ambiente de negócios?

Visitei Hong Kong três vezes durante a pandemia e nota-se uma grande diferença no ânimo das pessoas. Há, finalmente, entusiasmo.

Com a abertura poderemos esperar uma nova era das relações Portugal-China?

É importante que se continue onde estávamos em 2019. Temos de fazer as viagens, garantir que as nossas delegações estão presentes nas feiras na China. Agora será rápido. Temos um período mais desafiante, que são estes primeiros meses com muitas infecções e mortes, mas depois as coisas voltarão à normalidade.

A guerra na Ucrânia e a inflação tem afectado o comércio mundial. Isso tem influenciado as exportações para Macau e China?

Falamos de mercados que não são muito expressivos e que não se deixam afectar por esses factores externos. Ao contrário das narrativas que se têm tentado comunicar, o mundo é multipolar. Todos temos interesses, valores e necessidades. Temos de promover o respeito e compromisso. Em alguns momentos temos de ceder, outros a cedência é da outra parte. Devemos serenar os ânimos políticos para que a economia possa funcionar.

Muito se tem criticado a ausência de um pleno funcionamento de Macau como plataforma. Concorda?

Essa plataforma depende de vontade política. Acho que há ainda muito potencial que está subaproveitado e que podemos aproveitar muito melhor. Há instrumentos criados, mas ainda não são explorados dentro das suas potencialidades. Compreendo essas críticas e compete aos empresários e câmaras de comércio tirar maior proveito desse potencial.

Há um potencial acrescido com a criação de iniciativas como a Grande Baía e a Zona de Cooperação Aprofundada? Como é que a CCLC pretende responder a estes desígnios?

Neste momento, devemos aproveitar a vontade política para tirar proveitos económicos. Este ano, a delegação que for à China, incluindo a Macau, irá concentrar a viagem nas visitas à Grande Baía para mostrar aos empresários portugueses a escala do mercado, pois isso não é muito falado. Temos ainda de os educar quanto a essa iniciativa. Agora é preciso visitar, conhecer e trocar cartões para ver o que está a acontecer.

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2 Comentários
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Ilídio Serôdio
Ilídio Serôdio
12 Jan 2023 22:38

Bernardo
Excelente entrevista

Bernardo
Responder a  Ilídio Serôdio
15 Jan 2023 03:22

Obrigado 😀