VozesAs Nações Unidas e a luta contra a perda de biodiversidade Olavo Rasquinho - 5 Jan 2023 Como tem vindo a ser alertado pelas Nações Unidas, as alterações climáticas e a degradação da biodiversidade são dois dos grandes problemas que afetam a sustentabilidade do nosso planeta. Perante esta realidade, a ONU organiza regularmente conferências das partes envolvidas (Conferences of the Parties – COP) com o intuito de atenuar ou até mesmo reverter as suas consequências. Talvez a mais conhecida destas conferências relativas às alterações climáticas seja a COP21, na qual foi alcançado o Acordo de Paris, em 2015. No que se refe à biodiversidade, realizou-se a 15ª COP, em Montreal, de 7 a 19 de dezembro de 2022. Considerada quase unanimemente um êxito pelos representantes de cerca de 190 países, esta conferência logrou atingir o chamado “Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal” (Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework). A COP15 para a biodiversidade realizou-se no âmbito das atividades da Convenção sobre a Diversidade Biológica (Convention on Biological Diversity – CBD), estabelecida em 1993, a qual tem como principal objetivo a tomada de medidas para a recuperação de ecossistemas naturais e evitar a perda acelerada da biodiversidade. Estava inicialmente prevista realizar-se em 2020 em Kunming, capital da província de Yunnan, na China, mas foi várias vezes adiada devido à pandemia COVID-19. Foi designado Presidente desta conferência o ministro da Ecologia e do Meio Ambiente da China, Huang Runqiu. A decadência vertiginosa do número de espécies animais e vegetais e a deterioração de ecossistemas naturais estão intimamente relacionadas com o aumento do número de habitantes do nosso planeta e consequente excesso de exploração agrícola, pesca, caça, desflorestação, uso exagerado de pesticidas, etc. Atualmente cerca de um terço dos terrenos estão degradados e aproximadamente um milhão de espécies correm risco de extinção. Para se ter uma ideia de como a população mundial tem aumentado, basta lembrar que se calcula que há cerca de 12 mil anos não excedia 5 milhões, em 2000 era de cerca de 6 mil milhões, atualmente é de 8 mil milhões e, segundo antevisão da ONU, será de 11,2 mil milhões em 2100. Por ser escassa a percentagem atual das áreas terrestres e marinhas protegidas, apenas cerca de 17% e 10% respetivamente, foram preconizadas medidas para serem aplicadas a médio e longo prazo, algumas das quais não agradarão certamente a certos setores da sociedade, atendendo a que foi decidido acabar com subsídios a atividades que ponham em perigo a preservação de determinadas espécies e ecossistemas. No Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal foram estabelecidas 23 metas a alcançar até 2030, e cinco objetivos até 2050. Das metas sobressaem as seguintes: – Mobilizar, junto a fontes públicas e privadas, pelo menos 200 mil milhões de dólares americanos por ano para financiamento de medidas de preservação e de recuperação da biodiversidade; – Assegurar que pelo menos 30% das áreas degradadas de ecossistemas terrestres, de águas interiores e costeiras e marinhas estejam efetivamente recuperadas; – Reduzir a quase zero a perda de áreas de grande importância para a biodiversidade; – Reduzir a metade o desperdício global de alimentos e reduzir significativamente o consumo excessivo e a produção de resíduos; – Reduzir a metade o excesso de nutrientes e o risco inerente ao uso de pesticidas e produtos químicos altamente perigosos; – Disponibilizar informação necessária aos consumidores para promover padrões de consumo sustentáveis; – Assegurar a participação plena e equitativa na tomada de decisões, sem descriminação de género, de pessoas com deficiência, povos indígenas e comunidades locais, e assegurar a proteção integral dos defensores dos direitos humanos ambientais. Os cinco objetivos, a alcançar até 2050, convergem no sentido da satisfação plena do preconizado nas 23 metas, na “Visão 2050 para a Biodiversidade” e no aumento progressivo do fundo para 700 mil milhões de dólares por ano. Ainda no que se refere à proteção da biodiversidade, os Estados Unidos da América (assim como Andorra, Iraque e Somália) não ratificaram a Convenção devido a razões de índole política. No entanto, os EUA têm manifestado uma atitude mais humana em relação a certas espécies animais do que alguns países que a ratificaram, como o Canadá, Dinamarca (Gronelândia), Japão, Noruega e Rússia, onde continua a ser permitido o aviltante abate de focas-bebés. Nos EUA esse tipo de caça é proibido, segundo a Lei de Proteção dos Mamíferos Marinhos (Marine Mammal Protection Act). As focas abatidas têm em geral menos de três meses, idade em que a sua pele é mais branca e macia, o que satisfaz as exigências da moda. É também oportuno recordar que a guerra na Ucrânia constitui não só um crime contra a humanidade, mas também contra a diversidade biológica. Milhares de animais selvagens e domésticos são vítimas de bombardeamentos indiscriminados. Estão também a decorrer graves atentados à biodiversidade no Mar Negro, onde deram à costa numerosos corpos de animais marinhos, vítimas das atividades dos navios russos. Segundo biólogos, a poluição sonora causada pelas manobras e disparos de mísseis nos navios de guerra e a radiação associada às emissões sonar provocam desorientação nos animais, o que os impede de se alimentar, além de lhes enfraquecer o sistema imunitário. Calcula-se que entre cinquenta mil e cem mil cadáveres de golfinhos deram recentemente à costa do Mar Negro, nas regiões de Odessa, Crimeia, Bulgária, Roménia e Turquia, vítimas da guerra ilegítima, ilegal e irracional que está a decorrer na Ucrânia. Também deram à costa russa, no mar Cáspio, milhares de cadáveres de focas. Segundo a organização conservacionista World Wildlife Fund (WWF) cerca de 20% das áreas protegidas da Ucrânia e 3 milhões de hectares de florestas foram afetados pela guerra. Oito reservas naturais e 10 parques nacionais permanecem sob controlo das tropas russas. Entretanto, a tomada de posse de Lula da Silva como Presidente do Brasil, constitui fator de esperança no que se refere à recuperação da biodiversidade, na medida em que o Plano de Ação para Prevenção e Controlo do Desmatamento na Amazónia Legal, que esteve em vigor de 2004 a 2018, vai ser reposto, o que irá contribuir para a redução assinalável da desflorestação na maior floresta tropical do globo.