Jogo ilícito | Advogados consideram revisão “necessária”, mas deixam alertas

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Uma das novidades legislativas do relatório das Linhas de Acção Governativa para o próximo ano é a revisão do regime do jogo ilícito, em vigor desde 1996. Pouco se sabe o que sairá dessa reforma, que dois advogados entendem ser necessária. Carlos Lobo defende que deve haver uma coordenação com outras leis, nomeadamente com o diploma que regula os junkets, ainda em discussão no hemiciclo

 

Data de 1996 o regime do jogo ilícito em vigor, ainda o sector não tinha sido liberalizado e Macau era governado pela administração portuguesa. Mais de duas décadas depois, as autoridades pretendem rever o diploma, tendo sido esta uma das medidas anunciadas no relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano.

O HM contactou dois advogados para perceber o que poderemos esperar desta proposta de lei, numa altura em que o Governo pouco ou nada adiantou sobre o assunto.

“Concordo que seja necessária a revisão desta legislação juntamente com a restante. Seria importante que todo o regime jurídico do jogo pudesse estar mais próximo da realidade, porque na verdade a maior parte da legislação já tem mais de duas décadas”, começou por dizer Óscar Madureira.

Ainda que Macau “não tenha propriamente operações de jogo ilegais, o que seria uma actividade muito fácil de detectar, muitas vezes o que acontece é que existem actividades de jogo paralelas, e apostas ilegais decorrentes disso, praticadas em casinos legalizados”.

Nesse sentido, “essa é uma realidade para a qual a legislação não estava actualizada”, aponta o causídico, que dá alguns exemplos de novidades em matéria de apostas que devem estar contempladas no novo diploma.

“Seria importante que ficasse determinada qual a moldura penal para as apostas paralelas e o tratamento que é dado ao regime do chamado ‘proxy betting’ [apostas feitas por alguém designado]. Se a proposta de lei tiver esses elementos penso que será muito útil”, adiantou Óscar Madureira.

Lei anacrónica

Para Carlos Lobo, também advogado e especialista nesta área, o regime de jogo ilícito de 1996 está “desfasado do tempo” mesmo com todas as alterações legislativas que já tiveram lugar, nomeadamente em 2001 e as mais recentes.

“É aceitável e será necessária a sua actualização. Resta saber em que termos vai acontecer e o que se quer, se engloba aquelas que devem ser consideradas como actividades ilícitas.”

Carlos Lobo pede também uma discussão mais ampla e abrangente, nomeadamente através de uma consulta pública, pois “falamos de limitações graves às vidas das pessoas, em muitos casos em penas de prisão”. “A revisão deve ser feita de forma ponderada e cuidada”, defendeu.

Na visão do advogado, os casos da Suncity e Tak Chun, que colocaram atrás das grades os outrora grandes empresários do sector das apostas VIP, agora acusados de branqueamento de capitais e outros crimes, serviram de “chamada de atenção”.

“A lei já deveria ter sido revista há mais tempo, e o Governo e as autoridades judiciais provavelmente perceberam, pelas investigações que fizeram ao caso da Suncity e da Tak Chun, que pode ter havido actividades que são sujeitas a moldura penal. Perceberam que há muitas actividades que não estão penalizadas e que deveriam estar. Penso que estes casos foram um ‘wake-up call’ para as autoridades e esta acção só peca por tardia.”

Carlos Lobo não deixa de frisar ainda outro ponto, que é o facto de estar ainda a ser discutida na especialidade, na Assembleia Legislativa, o regime da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, que regula a actividade junket.

Trata-se de um diploma “que aparentemente também tem normais penais”, sendo “crucial coordenar uma revisão do jogo ilícito com esta lei, para que não seja legislada de forma autónoma, mas de uma maneira integrada, juntamente com a nova lei do jogo”.

Olhar as dificuldades

Aquando da apresentação do relatório das LAG, Ho Iat Seng era um homem optimista em relação à recuperação do sector do jogo em relação à actual crise económica, lembrando que a possível falência das operadoras é uma carta fora do baralho. O governante não deixou de lembrar que, durante vários anos, as concessionárias ganharam milhões.

Para Carlos Lobo, a equação não é assim tão simples. “Não duvido da capacidade financeira das operadoras, mas julgo que tem de haver da parte do Governo [uma compreensão] das enormes dificuldades que as operadoras têm passado nos últimos três anos, incluindo as que ainda estão por vir, porque não vão recuperar desta crise em seis meses.”

Isto porque “os montantes a serem investidos são feitos com base em perspectivas concretas e hoje ainda não sabemos como vai ser a política de covid zero no futuro ou como se podem diversificar as fontes de jogadores. Ainda há imensas incertezas, e exigir enormes investimentos com base em pouca informação é algo complicado.

Compreendo que o Chefe do Executivo queira mostrar uma posição mais positiva, mas há que reconhecer as dificuldades e não dizer apenas que as operadoras ganharam muito dinheiro”, acrescentou.

O advogado deixa ainda uma crítica à forma sigilosa como o concurso público de atribuição de novas licenças está a ser conduzido. “Uma das minhas críticas a este concurso é o facto de o Governo estar a determinar que é quase tudo sigiloso e ninguém sabe o que se passa. Não conhecemos nenhuma proposta em concreto. Deveria haver uma maior comunicação por parte das autoridades e, em especial, da comissão de concurso para sabermos o que vem aí, sobretudo sabendo que cinco concessões serão renovadas”, rematou.

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