Grande Plano MancheteApoios | Lisboa mantém exclusão de pensionistas que residem em Macau João Santos Filipe - 12 Out 202212 Out 2022 Jorge Fão / Sofia Margarida Mota António Costa insiste em excluir os pensionistas de Macau do apoio financeiro no valor de meia pensão. Jorge Fão, presidente da Assembleia Geral da APOMAC, afirma que os portugueses de Macau estão a ser tratados como se fossem de “segunda classe” António Costa, primeiro-ministro de Portugal, insiste em deixar de fora do complemento excepcional de pensões os portugueses a residir em Macau. A posição foi comunicada a Jorge Fão, presidente da Assembleia Geral da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), através de uma carta assinada por Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro. “Temos uma resposta extremamente lacónica da parte do primeiro-ministro que praticamente não diz nada, apenas aquilo que já tinha sido legislado. Não houve novidade nenhuma, nem se deu ao trabalho de fundamentar a razão de dar este complemento a uns pensionistas, mas não a outros, apesar de todos serem membros da Caixa Geral de Aposentações”, afirmou Jorge Fão em declarações ao HM. “Os pensionistas de Macau também descontaram para a Caixa Geral de Aposentações […] Não compreendo como é que um Governo, que se preza em defender a justiça e a legalidade, pode adoptar um tratamento destes. Não pautaram pelo princípio da igualdade de tratamento e da justiça. É uma medida discriminatória”, acrescentou. Para Jorge Fão, a decisão do Governo português faz lembrar outros tempos, em que a comunidade macaense era tratada como pertencendo a uma categoria de portugueses inferiores: “Sinto que estamos a ser tratados como portugueses de segunda classe. É triste dizer isto, mas voltei a ter um sentimento que tive no passado”, desabafou. “O Governo, para mim, falhou redondamente. É uma medida discriminatória”, frisou. Caminhos possíveis Face à decisão de Lisboa, Jorge Fão admite que existem dois caminhos em cima da mesa para que os portugueses em Macau sejam abrangidos pelo complemento excepcional de pensões. O primeiro caminho, que vai ser a via adoptada nos próximos tempos, passa por interceder junto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “Por agora, vamos recorrer ao Presidente da República, que é um homem que está no sistema para equilibrar a balança”, reconheceu. “É o mais alto dirigente da nação e quando tomou posse, tal como os deputados, jurou defender a constituição, por isso espero que nos ajude, porque quando numa medida como esta não se aplica o princípio da igualdade estamos a falar de um acto inconstitucional”, justificou. A segunda via, que também não é afastada, passa pelo recurso à via judicial. “A última hipótese passa pelo recurso aos tribunais, que não posso afastar. Contudo, ainda não desisti da reivindicação, até porque não estamos a pedir nada do outro mundo, apenas o que foi entregue a todos, menos a nós”, explicou. Dupla penalização O Governo de Portugal anunciou a distribuição do complemento excepcional de pensões, que está a ser entregue durante este mês, para ajudar os portugueses a fazerem frente à inflação. O valor do apoio representa meia pensão de cada pensionista, por exemplo, se um português receber uma pensão de 800 euros, em Outubro recebe 1.200 euros. No entanto, a par desta medida, António Costa também anunciou que ao contrário do que tinha sido regulamentado anteriormente, que em 2023 as pensões não vão ser actualizadas de acordo com o valor da inflação. A medida significa que em termos reais os pensionistas vão perder poder de compra no próximo ano. Face a esta realidade, que causou bastante polémica em Portugal, Jorge Fão destaca que os pensionistas em Macau são duplamente penalizados. “Em Portugal há uma norma que define que a actualização das pensões deve ser indexada à inflação. Como não nos é dado este complemento e no próximo ano a actualização das pensões fica abaixo da inflação, somos duplamente penalizados, agora e no próximo ano”, defendeu. Por outro lado, o presidente da Assembleia Geral da APOMAC também recusa que os pensionistas em Macau sejam menos afectados pela inflação do que aqueles que vivem em Portugal. Desvalorização acelerada Nas contas de Fão, os portugueses a viver em Macau estão a enfrentar “uma inflação” de cerca de 26 por cento, não só devido à inflação na RAEM, mas principalmente devido à desvalorização do euro face ao dólares norte-americano, ao qual está indexada indirectamente a pataca. “Não podemos dizer que em Macau não há inflação, devido à desvalorização do euro face ao dólar. Antes um euro valia 10 patacas, agora está nas 7,6 patacas, o que é uma perda de valor superior a 20 por cento. Em cima disto, também temos inflação de cerca de 2 por cento em Macau. Por isso, não se pode dizer que não há inflação em Macau”, atirou. “O que sentimos é que a alma e o espírito do Governo português não está connosco, e devia estar”, sublinhou. Jorge Fão criticou ainda o Governo por só se lembrar dos portugueses de Macau, na altura da campanha eleitoral e para pedir votos: “Quando foi a altura de pedir votos, e quando precisaram, vieram a Macau pedir. Claro que não foi só o Governo, todos os partidos são assim, mas quando precisaram pediram-nos, e agora não se lembram de nós”, lamentou. Segundo as contas da APOMAC, em Macau há cerca de 1.730 aposentados que recebem reformas de Portugal, através da Caixa Geral de Aposentações, e que vão ser afectados pela “medida discriminatória”. Pedido a Santos Silva Além da carta enviada ao primeiro-ministro, a APOMAC também reivindicou o pagamento do complemento excepcional de pensões para portugueses em Macau junto do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. A segunda figura mais alta do Estado de Portugal respondeu a garantir que o pedido foi “encaminhado para a Comissão de Trabalho e Segurança Social e para o gabinete da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares para uma análise mais aprofundada”. Sobre esta resposta, Jorge Fão considerou positiva e destacou que o Presidente da Assembleia República está a cumprir as suas funções. Rita Santos reivindicou Apesar de ter sido a primeira associação a mostrar-se contra a exclusão dos pensionistas de Macau, a APOMAC não está sozinha na luta pelos direitos dos portugueses a viver na RAEM. Também Rita Santos, na condição de presidente do Conselho Regional da Ásia e da Oceânia das Comunidades Portuguesas, enviou três cartas, ao Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, ao primeiro-ministro, António Costa, e ao presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, Flávio Martins, contra o tratamento discriminatório. “Consideramos incoerente, injusta e injustificável esta discriminação na atribuição dos apoios aos pensionistas Portugueses da Caixa Geral de Aposentações (CGA), residentes no estrangeiro”, considerou Rita Santos. Cortes para todos Um dos aspectos que causa grande descontentamento entre a comunidade local passa pelo corte nas pensões impostos pelo acordo com a troika. Entre 2011 e 2016, os pensionistas portugueses a viver em Macau foram, tal como todos os outros, afectados pelos cortes nas pensões devido à Contribuição Extraordinária de Solidariedade. Contudo, desta vez, na altura em que se verifica uma forte desvalorização do euro, os pensionistas a viverem fora de Portugal ficam de fora, mesmo quando estão a perder de forma acelerada poder de compra.