Não se pode estudar sem cama

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Na semana passada escrevi sobre os problemas dos professores. Desta feita, refiro-me aos estudantes. Desde os mais pequeninos aos universitários, todos eles vivem horas amargas. A crise económica bateu à porta da classe média e os pais têm dificuldade em pagar uma creche privada.

Para uma escola primária pública já é difícil fazer frente às despesas com materiais, roupa e calçado. Não há aluno que não tenha que levar a sua mochila e só como exemplo os pais depararam-se com um aumento no preço de 20 por cento. Tudo está mais caro e há crianças que não conseguem lugar na escola da área da sua residência. Ora, um casal pobre, sem carro, que utiliza os transportes públicos não pode levar os filhos para uma escola que fique longe.

Testemunhei a ida de um casal de São Tomé que vivia em Portugal há mais de seis anos, mas que o homem estava actualmente desempregado e a mulher a ganhar muito pouco, com dois filhos pequenos sem lugar na escola e sem dinheiro, ou qualquer subsídio estatal, a embarcarem para França. Já não são apenas os portugueses a emigrar. Até aqueles que se contentavam com pouco e para quem Portugal era um paraíso já se estão a ir embora.

O novo ministro da Educação foi apresentado como personalidade muito competente na matéria, mas os problemas no ensino agravam-se e quando abordamos o que se passa com os estudantes universitários, a nossa alma fica parva.

Temos, no mínimo, 120 mil estudantes universitários deslocados da sua terra natal. A maioria não sabe o que fazer para conseguir uma cama para dormir. O preço das casas para alugar subiu de uma maneira exploradora. Sabemos de duas irmãs que vivem num quarto com uma amiga, são três a dormir na mesma cama. Isto, num quarto que apenas tem a casa de banho, guarda-fatos, uma mesinha e uma cadeira. Como é que podem estudar três jovens universitárias nestas condições? Sem cama não se pode estudar. A oferta em todo o país é pouco superior a 23 mil camas para os tais 120 mil estudantes universitários deslocados. Há no mínimo 20 mil camas a menos para responder às necessidades da comunidade universitária de Lisboa e Porto, refere um estudo da consultora imobiliária Cushman & Wakefield. De acordo com o mesmo estudo, em Lisboa existem, actualmente, cerca de 5500 unidades, no Porto, perto de 5300, a maioria de privados.

A oferta em todo o país é pouco superior a 23 mil camas, entre residências públicas, privadas e de instituições religiosas. Este número mostra-se absolutamente insuficiente para os 120 mil estudantes deslocados. Para além destes 120 mil deslocados, temos o crescente número de estudantes estrangeiros nas faculdades nacionais. E o número de estudantes estrangeiros tem vindo a aumentar de ano para ano.

A situação em Lisboa é alarmante. A Federação Académica de Lisboa já pediu a intervenção urgente e financiamento para resolver a escassez de alojamento académico no país. De norte a sul sucedem-se as queixas: não há alojamento suficiente para os estudantes que entraram para o ensino superior. Os preços de mercado são insuportáveis. O que era preocupante é agora alarmante. As queixas estão a aumentar porque na primeira fase de acesso foi aprovada a entrada de 50 mil alunos. O caso já chegou à Assembleia da República, onde o Bloco de Esquerda pediu uma audiência com o ministro da Educação sobre o alojamento académico.

É grave e triste a situação gerada no país para os estudantes universitários. Mesmo que um estudante até consiga arranjar um quarto, é uma outra história saber se a família consegue pagar 300, 400, ou 500 euros por mês, para que os estudantes possam dormir decentemente para que os estudos não resultem em descalabro. E o pior disto tudo é que em 2018, imaginem, foi criado um Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, o tal PNAES, com o objectivo de duplicar o número de camas em cada ano para estudantes universitários e que até aos dias de hoje teve uma execução fraquíssima.

O que andou a fazer? Para que serve o dinheiro que vem da União Europeia e concretamente muitos milhões para benefício do ensino? O referido Plano é até 2026, ainda não começou a dar frutos e esperemos, ao menos, que possa actuar rapidamente na construção de habitação para estudantes. E de imediato, algo podia ser feito, tal como atribuir benefícios fiscais para quem aluga quartos aos estudantes e estabelecer protocolos com o Alojamento Local, à imagem do que se fez durante o tempo da pandemia.

Na abordagem assim apresentada até parece que os nossos governantes devem pensar que no futuro já não são necessários, médicos, engenheiros, advogados, gestores, jornalistas… ai, Portugal, Portugal.

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Jorge
Jorge
27 Set 2022 23:47

O palhaço 🤡 não se cala.