A maioria das estruturas externas construídas em edifícios e habitações são ilegais, mas não há prazo que obrigue a demolir

DR

Por Mário Duarte Duque, arquitecto

 

Foram estas as declarações do chefe do Departamento de Urbanização da DSSCU à TDM-Rádio Macau no passado dia 7, à margem do programa Fórum da Ou Mun Tin Toi. É essa a mesma unidade orgânica herdada da extinta DSSOPT, que integra a Divisão de Fiscalização e a quem compete o tratamento das ilegalidades perpetradas na edificações particulares.

Para a consideração destes termos importam vários elementos de interpretação que explicam o curso do que chegou a este estado de coisas, assim como as implicações e contribuições que tiveram para o ambiente da RAEM. Ambiente que tanto é físico como é social, tanto é natural como é construído, e que até é assistido por normas jurídicas para salvaguarda do que se considera ser essencial.

Importa ainda ter presente que uma estrutura ilegal no exterior de um edifício, realizada depois de o edifício construído, pressupõe que não foi requerida autorização administrativa, muito menos obtida a sua aprovação.

Para obtenção dessa aprovação importa que a mesma reúna o acordo de pelo menos de 2/3 de representação de um edifício constituído em propriedade horizontal, esteja tecnicamente suportada por quem está habilitado a conceber estruturas urbanas, cumpra normas de interesse público em vigor, obtenha uma aprovação administrativa e, nesse seguimento, a obra seja executada por quem está habilitado a construir, sob direcção técnica igualmente acreditada.

Importa também ter presente que antes de existirem ordenamentos urbanísticos houve tradições construtivas consubstanciadas, que passaram a ter letra em ordenamentos urbanísticos, nomeadamente quando passou a ser importante salvaguardar o que caracterizou as realidades urbanas onde se fixou valor cultural.

Exactamente a respeito de grades nas janelas, que na RAEM é o elemento recorrente da discussão a respeito de estruturas ilegais, essas até poderiam ser elementos característicos, como acontece em muitas cidades mediterrânicas, e que Sevilha é possivelmente o exemplo mais conhecido, sem que isso obscurecesse a arquitectura dos edifícios, atentasse contra o estado da sua conservação, ofendesse uma expectativa, ou significasse falta de brio de quem habita nesses edifícios.

Efectivamente, estruturas ilegais, tal como as conhecemos na RAEM não produzem evidência de terem resultado de uma vontade legítima, carecem da confiança de que foram concebidas e construídas por quem está habilitado para o fazer, não foram escrutinadas à luz de normas de interesse público, carecem de garantias de segurança, não resultam de conhecimento desenvolvido ou de uma tradição construtiva consubstanciada, não contribuem para uma paisagem urbana qualificada, ou seja:

Não podem ter lugar num ordenamento urbanístico.
Não são expressão de uma cultura urbanística qualificada.
Apenas são expressão de desencontro entre o ordenamento urbanístico e as aspirações de quem habita.

A persistência dessas estruturas empata a reabilitação de uma cidade, que no caso da RAEM até é mais próspera que muitas outras, que não se devia interessar apenas pelo arranjo e higiene das zonas classificadas de interesse cultural ou turístico.

Protela o ordenamento físico, assim como a possibilidade de esse ordenamento poder ir ai encontro das aspirações de novas gerações.

Efectivamente está em causa um fenómeno de geração.

A geração anterior foi predominantemente imigrante, aproveitou edificações que não compreendeu o seu ordenamento, e logo as desfigurou em sentido de retirar delas mais e outras contrapartidas. Naturalmente com estruturas que não incorporaram vetustez às edificações, muito pelo contrário, pois logo e precocemente retiraram a vetustez que é inerente a uma construção nova.

Presentemente são estruturas cujo investimento está mais que amortizado, outro valor não têm que o residual, reservam contrapartidas que sequer são lícitas, e é a isso que a DSSCU não tem prazo para dar fim.
Por outras palavras, se essas estruturas fossem veículos, não passavam na inspecção, encontravam-se fora de circulação, se não estivessem já abatidas.

A geração que sucedeu e que habitou os mesmos edifícios não teve a oportunidade de crescer em edificações que não tivessem grades apodrecidas nas janelas, terraços a que pudessem aceder, escadas comuns que não estivessem degradadas e pejadas de cabos, tubos e ocupações informais.

Sequer teve oportunidade de observar ou compreender as fachadas dos edifício onde habitam, no modo como foram efectivamente desenhados e construídos.

Ou seja, a aprendizagem urbana dessa geração resultou de uma configuração deturpada do ordenamento urbano em vigor.

Foi essa a realidade incutida na formação da cultura urbana dessa geração, e que sequer era devida ou suposta. Foi somente consequência da negligência da função fiscalizadora da actividade administrativa e é hoje incapacidade de lidar com essa realidade, mesmo depois de repudiada.

Se essa geração que sucedeu reage hoje a este estado de coisas é porque passou a viajar e apreciar os sítios onde o mesmo não acontece, ou simplesmente é oriunda desses sítios, e muitos ficam já aqui ao lado.

Em verdade, sobre o muito do que aconteceu, e como aconteceu, é ainda possível obter relatos que remontam aos anos 80.

A partir dessa década os edifícios novos em Macau foram muitos e passaram a ser revestidos por mosaico.
Até essa ocasião, as rotinas de fiscalização para a manutenção obrigatória dos edifícios cada 5 anos centravam-se principalmente nos trabalhos de pintura de paredes exteriores, para os quais sequer era necessário escrutinar os estado das edificações. Bastava que a última licença para execução de trabalhos de pintura tivesse sido emitida há mais de 5 anos.

Seria apenas necessário inspeccionar o local se a licença administrativa para esses trabalhos não fosse requerida, ou se o proprietário achasse que as mesmas ainda estavam em estado aceitável, e pedisse a inspecção da DSSOPT para que esta lhe concedesse a prorrogação dessa obrigação.

Essa rotina de pinturas deixou de ser necessária quando os edifícios passaram a ser revestidos a mosaico e, a reboque disso, extinguiram-se as rotinas de manutenção e de inspecção dos edifícios depois de construídos.

Foi assim que as construções ilegais passaram a ter terreno fértil.
(continua amanhã)

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