A vergonha, o sexo e o riso

DR

Quem já tentou falar com jovens sobre sexo certamente se deparou com os risos tontos ou as bochechas rosadas de vergonha. Gostaria que fosse um fenómeno exclusivo dos jovens de hormonas aos saltos. A verdade é que o riso inusitadamente se infiltra nos temas que julgamos mais vergonhosos. Para os jovens, e para muitos adultos, o sexo continua a ser isso: um tema que envergonha.

Para alguns teóricos, como o Goffman ou o Billig, a vergonha é útil para a organização social de uma forma geral. A vergonha que, inevitavelmente se associa ao gozo, serve de barómetro do que é aceitável ou não aceitável em contextos sociais. Tudo o que é corpóreo costuma cair nessa categoria: dar puns ou ter ranho no nariz.

Da vergonha existe uma relação íntima com o riso, que não é o mesmo que o riso prazeroso que nos oferece todo um conjunto de boas hormonas e bem-estar. Frequentemente a vergonha é gerida pelo riso unilateral, por pessoas com menos empatia, com um grande à vontade para apontar o ridículo. Aí cria-se uma espiral de culpa que a vergonha alegremente atravessa. A ejaculação depois de 3 segundos de penetração pelo rapazinho de 14 anos durante a sua primeira relação sexual pode ser acompanhada do ridículo – do riso desnecessário do parceiro ou parceira. Um exemplo clássico onde a empatia teria sido muito mais produtiva.

Mas não é por isso que desistimos do riso por completo. O riso pode ter outras funções bem mais interessantes, um riso que empodera em vez de castrar. Aquele que se faz em conjunto, de uma dinâmica capaz de carregar as nossas vergonhas por outros meios e caminhos. Transformar o condenável com a leveza de uma gargalhada compreendida é capaz de mover delicadamente a vergonha. Aquela gargalhada que não traumatizaria o rapazinho de 14 anos com pressão para a performance.

Dessa forma o sexo pode ser tonto ou cómico. O riso como canal de descarga. As pessoas ficam nuas, as peles baloiçam, as pregas criam-se em locais estranhos, os pêlos que ninguém pediu que nascessem, os ruídos abdominais, puns vaginais e os gritos de orgasmo originais.

A vergonha é inevitável. Aprendemos com os outros que há limites para aquilo que podemos mostrar. Mas também é com os outros que podemos re-alinhar esses limites, principalmente quando a ligação é feita com sinceridade. Um sexo cheio de tabus e de ensinamentos judaico-cristãos só vê transformação quando há à-vontade para nos rirmos à gargalhada com o que nos limitou no passado. Confiem no vosso acesso de riso porque caíram da cama ao tentar aquela posição difícil. Podem rir-se quando o sexo não é perfeito. Rir do desconforto é o antídoto – mas só e quando existe uma ligação.

Atirar com o cliché da “ligação” é vago, reconheço. É demasiado inespecífico para descrever o que acontece entre duas pessoas. Mas nada tem que ver com um estado enamorado, porque o sexo nem sempre precisa de amor. Precisa, sim, da consciência da presença de dois (ou mais) seres, e da sua humanidade. Só com essa conjuntura relacional é que o sexo e o riso podem fazer algum sentido.

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