Manchete SociedadePIB | Economistas antecipam tendência de quebra até ao final do ano Andreia Sofia Silva - 6 Set 2022 DR Uma contracção do Produto Interno Bruto de 39,3 por cento no segundo trimestre deste ano revela um cenário económico negro que deverá continuar, pelo menos, até ao fim do ano. Três economistas ouvidos pelo HM dizem que a possibilidade de recuperação vai depender das medidas que o Governo lançar no próximo ano para lidar com a pandemia Os dados não enganam: a economia está em recessão e os números são “alarmantes”. Dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) revelaram uma quebra do Produto Interno Bruto (PIB), em termos anuais, na ordem dos 39,3 por cento no segundo trimestre deste ano. Esta redução é a segunda consecutiva em termos reais. A DSEC indicou ainda que na comparação entre o segundo trimestre de 2020 e o mesmo período do ano passado, a queda tinha sido de 66,3 por cento, ou seja, quase dois terços da economia. Com este histórico recente, três economistas ouvidos pelo HM indicam que as perspectivas até ao final do ano vão continuar a não ser animadoras. “Esses números são alarmantes e é uma quebra brutal, considerando que estamos a sofrer os efeitos das medidas de combate à pandemia há algum tempo. Mas não surpreendem”, começou por dizer José Sales Marques. “Poderemos contar com alguma recuperação [nos feriados de Outubro], mas será difícil dizer até que ponto isso poderá fazer com que o PIB tenha melhores resultados. Temos meio ano perdido, e vamos ver se conseguimos que, pelo menos, o PIB não caia mais. Partimos do pressuposto que as políticas se vão manter até ao final do ano. No próximo ano teremos uma nova situação com a entrada em vigor da nova lei do jogo”, frisou. Também o economista Albano Martins traça um cenário desolador para uma economia que outrora foi fulgurante. “São dados alarmantes, mas era natural que o PIB caísse substancialmente, porque a economia está parada. A política da covid zero tem-na impedido de crescer. As pessoas não consomem e os agentes económicos, incluindo o sector do jogo, não têm as componentes necessárias para poder crescer.” “A quebra do PIB mantém-se em 2022, e em 2023 vai depender das políticas do Governo”, acrescentou. Albano Martins realça a importância de entender a situação económica de Macau realisticamente, sem alimentar “ilusões”, pois, caso cresça, dificilmente a economia local voltará a breve trecho aos valores pré-pandemia. “A situação de Macau deve-se à política de zero casos covid-19 e depois temos também uma cruzada contra o jogo. Não há hipótese de a economia voltar aos níveis anteriores, e isso significa que vamos continuar a ter mais desemprego e os problemas actuais. Dificilmente vamos crescer para atingir os níveis anteriores.” Para José Félix Pontes, a política governamental tem tido um impacto catastrófico na saúde económica da RAEM. “A economia local está doente como resultado directo da implementação da política de tolerância zero à covid-19, a qual tem sido muito mais eficiente a provocar efeitos económicos devastadores”, adiantou. Os dados não enganam. “O PIB desceu de 116,8 mil milhões de patacas, no final de 2019, para 62,7 mil milhões de patacas, em Dezembro de 2021, ou seja, a ‘riqueza perdida’ da RAEM ascendia a 54,1 mil milhões de patacas”, acrescenta Félix Pontes. A tal variável Albano Martins deixa ainda o alerta para o facto de as exportações de bens, uma das oito grandes variáveis do PIB, ter crescido além do habitual, e logo nos anos da pandemia em que Macau registou números muito baixos de visitantes. “A exportação de bens foi sempre a sétima variável [de um total de oito], e hoje em dia é a quarta maior. Salvo melhor, apenas um ano na história de Macau o valor das exportações foi acima dos 17 mil milhões de patacas, mas em plena época de covid em 2021 exportaram-se cerca de 65 mil milhões. Em 2020, em pleno ano da pandemia, exportaram-se por volta de 34 mil milhões de bens. E isto significa que nesses dois últimos anos se venderam a não residentes que por cá ‘passaram’ muito mais do que as exportações que saíram pelas alfândegas”, declarou. Como se explicam, então, estes valores? O economista alerta para uma alteração da metodologia por parte da DSEC. “Como as lojas importaram produtos para vender a não residentes, a DSEC ‘presumiu’ que venderam [esses bens] aos não residentes, os visitantes. Antes, os não residentes iam a Macau e compravam, porque na China paga-se IVA, mas no território não. Tecnicamente é uma exportação, pois é uma venda a não residentes que levam esses bens para o outro lado da fronteira. Esses valores não eram declarados para efeitos do PIB, mas agora são, o que contrabalança parcialmente a queda na exportação de serviços. Se se estava em período de pandemia, com uma queda do número de não residentes e das suas despesas, como se pode presumir que tenham vendido, ou exportado, mais?” “No passado, por trimestre, praticamente nunca se exportavam bens acima dos 4,6 mil milhões de patacas. No terceiro trimestre de 2020 passou-se para 11,3 mil milhões, uma subida brutal face aos 4,4 e 3 mil milhões dos dois trimestres anteriores. No segundo trimestre de 2021 registaram-se 21,5 mil milhões, um crescimento nominal de mais de 612 por cento. Isto quando a quebra de não residentes em Macau foi tão acentuada nesses anos de covid. Houve presunções da estatística, mas no caso do PIB temos de ir aos valores efectivamente reais”, disse. O economista adianta que a mudança na metodologia no cálculo das exportações de bens que permitiu a “economia crescer mais, mas vai ter de agora em diante um efeito contrário”, contribuindo “para que a queda do PIB seja bem maior, como já é visível no segundo trimestre de 2022, onde a quebra nominal foi já de cerca de 35 por cento”. “Em 2020 e 2021 ‘ajudou’ a fazer decrescer menos a economia”, frisou. Os números da crise José Félix Pontes recorda ainda o recorrente recurso à Reserva Financeira da RAEM, de onde já saíram cerca de 168 mil milhões de patacas, registando-se uma redução de 25 por cento dos seus activos, para cobrir despesas com rondas de apoio financeiro. Além disso, “o número de empresas encerradas cresce dia-a-dia, pelo que a taxa de desemprego geral tem vindo a crescer, tendo já atingido 4,1 por cento, relativamente a Junho, enquanto que esse mesmo indicador para os residentes já vai nos 5,4 por cento. Ora, em Dezembro de 2019, a taxa de desemprego geral quedava-se nos 1,7 por cento”. Félix Pontes destaca ainda a perda de horas de trabalho, num só mês de confinamento, na ordem das 56 milhões, contabilizando 350 mil trabalhadores a multiplicar por 40 horas semanais de trabalho, por um período de quatro semanas. Por sua vez, “a ‘facturação perdida’, numa visão optimista, deve atingir vários mil milhões de patacas”. “O número de turistas, a taxa de ocupação dos hotéis (descontado o efeito da sua ocupação devido a quarentenas), as receitas dos casinos e o correspondente imposto para o governo são insignificantes! Daí ser recorrente em Macau dizer-se ‘Não morremos da doença, mas da sua cura’”, lamentou.