Dez anos da Fundação Rui Cunha marcados por “alheamento da comunidade jurídica” em Macau

O mentor da Fundação Rui Cunha (FRC), organismo que celebra hoje 10 anos e que foi criado para servir de centro de estudos do Direito em Macau, lamenta a falta de adesão por parte da comunidade jurídica.

“Houve até uma certa retração daqueles que estão mais ligados à função pública, um receio, é difícil de definirmos o que terá acontecido, mas acontece, há uma espécie de alheamento da comunidade jurídica”, observou em entrevista à Lusa o responsável pela FRC, Rui Cunha.

Quando abriu as portas, em 28 de abril de 2012, o organismo procurava impor-se enquanto núcleo de reflexão do Direito no território, até porque, segundo constata o advogado, “Macau não dispõe de bibliotecas e sítios onde juristas possam [consultar literatura]”.

“É uma área em que penso que se devia fazer um grande investimento no sentido de ser preservada, porque, no fundo, tem sido este edifício legal que permite a esta sociedade ser o que é”, disse.

Foi nesse sentido que Rui Cunha idealizou o Centro de Reflexão, Estudo e Difusão do Direito de Macau (CRED-DM), unidade interna da FRC, e adquiriu a biblioteca de cerca de quatro mil volumes do português Armando Marques Guedes (1919-2012), com uma especialista de Portugal para organizar o espólio.

“Estes livros são extremamente úteis, porque são essencialmente de um direito português que estava na origem do direito de Macau”, explicou Cunha, salientando que, apesar do legado jurídico, “não houve grande resposta” dos operadores de Direito locais. E notou: “A doutrina quase não existe em Macau”, apesar de tratar-se de “um suporte essencial para que qualquer Direito sobreviva”.

“Praticar Direito não é apenas exercer uma função e ganhar dinheiro, é mais do que isso, há por trás uma obrigação de elaborarmos conceitos e, com isso, nós teríamos um Direito de Macau muito mais sólido, mais coerente e mais encorpado que permitisse um enquadramento dentro do plano nacional daquilo que é o facto histórico de Macau pertencer à China”, considerou.

Embora esta visão para a FRC não se tenha cumprido, Rui Cunha admite, num balanço aos 10 anos do organismo, que, no setor cultural, o projeto atuou como “uma pedrada no charco, com ondas” a replicarem-se no seio de “algumas instituições” que se encontravam “muito dormentes”.

“Ainda ontem nós abrimos uma exposição e, ao mesmo tempo, abriram mais duas, e eu digo, ainda bem, Macau reviveu, ganhou ânimo e começou a pensar que a cultura não é algo estranho”, frisou.

Rui Cunha, a viver há 40 anos em Macau, avaliou que, com a falta de mercado de arte e perspectivas de trabalho no setor cultural, “especialmente a classe jovem” sentia-se “um pouco encurralada”, acabando por optar por um emprego seguro na função pública.

A fundação “ajudou muito a que o universo dos que se dedicam à arte, que se dedicam à música, possam pensar que essa vocação tem justificação”, sublinhou.

A FRC, com financiamento interno, organizou ao longo da última década perto de 1.400 eventos, entre exposições, concertos de música, festivais literários e conferências.

A sustentabilidade do organismo é uma das prioridades para o futuro, considerou Rui Cunha, que apontou para a necessidade de se procurarem outras fontes de receitas.

Para já, há que cumprir um desejo antigo: a descentralização dos eventos da fundação do coração da cidade, onde esta se encontra localizada, para bairros mais afastados.

“Macau tem uma característica, as pessoas do Iao Hon, [bairro no norte da cidade], ou da ilha da Taipa, por natureza, não vêm a eventos aqui. Se eles não se deslocam, o que é que a fundação tem de fazer? Ir lá”, advogou.

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