Covid-19 | Primeiro caso foi há dois anos. Residentes lamentam medidas restritivas

Faz amanhã dois anos que Macau registou o primeiro caso de infecção com o novo vírus SARS-Cov-2, que leva à doença covid-19. Quase um ano depois da chegada do primeiro lote de vacinas ao território, a taxa de vacinação continua a não ser a desejável e as medidas que, aos olhos de alguns, são demasiado restritivas, não deixam a economia avançar. Em dois anos, muitas famílias deixaram o território mais cedo do que esperavam face a este cenário

 

Foi a 22 de Janeiro de 2020 que Macau registou o primeiro caso de covid-19. A primeira infectada foi uma paciente com 52 anos de idade de Wuhan, a cidade chinesa que foi o epicentro do novo vírus SARS-Cov-2, que origina a covid-19. O somatório de casos é hoje de 79, sem qualquer caso mortal, e com a ocorrência de alguns surtos comunitários que obrigaram a rondas de testagem em massa, fecho temporário de fronteiras e confinamento de algumas zonas da cidade.

Em Fevereiro de 2020, ocorreu o impensável: o fecho dos casinos durante 15 dias, num território onde as apostas nunca tinham parado desde a liberalização do jogo. Ao longo destes dois anos, foram encerrados, por diversos períodos, escolas, teatros, cinemas, parques e ginásios, o que trouxe alguns constrangimentos à economia e às pequenas, médias e grandes empresas. O Governo lançou cartões de consumo para incentivar a população a comprar no pequeno comércio e criou linhas de empréstimos às empresas sem juros. Foram ainda atribuídos subsídios aos profissionais liberais.

Se no início as medidas impostas pelas autoridades para lidar com a pandemia foram elogiadas em todo o mundo, a verdade é que começaram a surgir críticas e descontentamento em relação a algumas políticas consideradas demasiado restritivas, como a imposição de quarentenas de 21 dias.

Além disso, continua a não se vislumbrar, a curto prazo, a possibilidade de viajar até Hong Kong sem cumprir quarentena ou, pelo menos, com algumas medidas restritivas.

Nestes meses, muitos portugueses e estrangeiros deixaram Macau perante a impossibilidade de verem os seus familiares com a frequência habitual, por não terem dias de férias suficientes para uma quarentena tão longa.

Disso dá conta Marisa Peixoto, directora do jardim de infância D. José da Costa Nunes, que não vê a sua família há mais de dois anos. “Obviamente que me custa, é difícil, mas emigrar foi uma opção que tomei. Estamos a sentir, na escola, em relação ao pessoal docente, agentes de ensino e famílias, que há pessoas a ir embora mais cedo do que iriam se continuássemos com as facilidades [de viagem] que tínhamos antes”, contou ao HM.

Marisa Peixoto considera “exagerado” o período de quarentena, principalmente tendo em consideração que quem chega da China cumpre, na maioria dos casos, um isolamento que não vai além de 14 dias.

Relativamente s medidas no jardim de infância, a directora recorda que, no início, foi “um pouco confuso”, seguindo-se um período de natural adaptação. “As directrizes que recebemos da Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) foram entrando na nossa rotina, na dos pais e crianças. Hoje continuamos a fazer o mesmo que fazíamos há dois anos.”

Francisco Ricarte, arquitecto e fotógrafo, está neste momento a cumprir quarentena de 21 dias num quarto de hotel, sendo submetido a vários testes de ácido nucleico por semana e sem ter qualquer contacto com o exterior.

Na sua visão, a taxa de vacinação dos idosos em lares ou centros de acolhimento, na ordem dos 30 por cento, é uma “situação problemática.

“A pandemia e o conhecimento que temos evoluíram muito nestes dois anos”, defendeu o arquitecto, resignado por essa evolução não ter sido acompanhada pelas autoridades e população de Macau. “Dois anos mudaram mentalidades, modos de procedimento. Começaram as primeiras situações que encaro com alguma perplexidade, que é o facto de não ter havido uma adesão imediata à vacinação.”

O residente lamenta que o Governo não tenha assumido “uma posição pró-activa no sentido de comunicar aos residentes que a vacina é um método seguro e eficaz”.

Hoje continuam a existir “medidas de prevenção extremamente restritivas e detalhadas”. “As pessoas que vêm de fora estão sujeitas a um escrutínio extremamente rigoroso em termos de saúde. O código de saúde passou de ser um mecanismo de mera gestão para ter um outro nível de rastreio, pois permite detectar onde as pessoas estiveram.”

Regresso a casa

Albano Martins, economista e presidente honorário da ANIMA – Sociedade Protectora dos Animais de Macau, está de regresso a Portugal, depois de décadas a residir em Macau. Voltou por motivos de saúde, embora a pandemia o tenha afectado. “Voltei em definitivo por não me rever mais na Macau de hoje. Sob o manto da segurança, estamos a entrar em áreas muito perigosas”, alertou.

O responsável destaca que, no início da pandemia, as autoridades tomaram as decisões mais correctas. “Os primeiros meses de intervenção do Governo foram inteligentes, mas a partir de determinada altura deixou-se comandar toda a economia por decisões muito discutíveis. Ficámos confinados convencidos de que é possível ter uma política de casos zero, mas não é possível.”

Para Albano Martins, Macau acabou por seguir “o caminho mais doentio, que é o de restringir as saídas das pessoas e, ao mesmo tempo, não se conseguir convencer a população a vacinar-se”. “As restrições são naturais, o que não é natural é a quarentena de 21 dias, mais o período de auto-gestão de saúde. As pessoas, do ponto de vista psicológico, estão a ficar muito abaladas.”

José Sales Marques, economista, confessa que “já perdeu a noção do tempo” desde que a pandemia começou. “Podemos dizer que as medidas tomadas foram acertadas, pois Macau conseguiu manter-se como um lugar seguro do ponto de vista sanitário. Não têm havido praticamente casos comunitários em Macau. Mas sem dúvida que a política de zero casos exige uma grande perseverança, que tem uma lógica própria que devemos respeitar.”

Para Sales Marques, Macau “tem tido pouca sorte”, pois ocorrem surtos nas regiões vizinhas perto das épocas festivas que, por norma, atraem mais visitantes a Macau, como foi o caso da semana dourada, em Outubro, e agora no ano novo chinês, com a ocorrência do surto em Zhuhai.

“O Governo conseguiu acumular algumas reservas que são agora fundamentais para a continuidade da sua capacidade de produzir medidas e levar a cabo políticas públicas de apoio à economia, mas há muitas empresas mais pequenas que não têm essa capacidade [de recuperação]. O pequeno comércio e restauração tem vindo a mudar de seis em seis meses, mas não deixa de haver alguma vontade de procurar soluções.”

O economista e presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau destaca, contudo, que a população tem sabido reagir com alguns projectos de empreendedorismo.

“Houve mexidas e vemos a tentativa de encontrar soluções através de um certo tipo de empreendedorismo. [Essas pessoas] podem basear-se em empréstimos ou investimentos de capital acumulado, mas vemos uma forte tentativa de resposta.”

Em relação ao sector do jogo, fortemente abalado pela pandemia, Sales Marques destaca a chegada ao hemiciclo da nova proposta de lei do jogo, que permite pôr fim a uma situação que não estava clarificada.

“Tem havido uma reacção positiva do mercado em relação a isso e ajuda a trazer alguma esperança. Se houver uma certa recuperação do jogo e alguma abertura… todos pensávamos numa abertura com Hong Kong e de repente as coisas acontecem. É tudo imprevisível.”

Em relação às comunidades estrangeiras, “é evidente a pressão psicológica”. “Há famílias e pessoas que depois de tantos anos de Macau acabam por ir embora, quando talvez ficassem mais tempo”, apontou.

Recorde-se que, em Novembro, as imposições de quarentena foram criticadas pelo epidemiologista português Manuel Carmo Gomes. Apontando o dedo à política de zero casos, seguida pela China, Macau e Hong Kong, o especialista destacou que “é muito difícil, sem ter uma [taxa] de vacinação muito alta, aguentar com medidas dessas”. “Estão apenas a atrasar o inadiável”, frisou.

“Países que apostaram na política de zero casos rapidamente perceberam que a população não adere à vacinação, porque não sente que existe um perigo real. É o caso da Nova Zelândia e da Austrália, que já abandonou a política de casos zero e está a apostar na vacinação. Se houver muito poucos casos devido a esses confinamentos muito rigorosos as pessoas não sentem necessidade de se vacinar”, reforçou.

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Jorge Mendes
Jorge Mendes
22 Jan 2022 05:22

Todos criticam as medidas do governo de macau mas os resultados estao a vista.Macau continua a ser umas das cidades com menos infectados e nenhum morto com covid !!!