6º Relatório do IPCC – Alterações climáticas 2021

Como é sabido, a Organização das Nações Unidas foi criada com a missão de promover a paz no nosso planeta. A primeira organização internacional com esse objetivo, a Liga das Nações, iniciou a sua atividade logo após a primeira guerra mundial, em 1919. Apesar de ter falhado ao não conseguir evitar a II guerra mundial, a Liga serviu de inspiração para o nascimento da ONU, em 1945.

A atividade das Nações Unidas não se limita a aspetos relacionados com a paz mundial. Entre as suas várias agências especializadas e programas destacam-se a Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, sob os auspícios dos quais foi criado o IPCC, em 1988, com o intuito de monitorizar as alterações climáticas e disponibilizar, para os decisores políticos, avaliações regulares sobre essas alterações, os seus impactos, riscos futuros e opções de adaptação e mitigação.

Ao longo dos seus 33 anos o IPCC já publicou, além de outros documentos intermédios, cinco Relatórios de Avaliação (Assessment Reports – AR) completos sobre a evolução das alterações climáticas, e parte do sexto relatório (AR6), que foi dado a conhecer há algumas semanas. O Relatório de Avaliação anterior (AR5) havia sido divulgado em 2013. A periodicidade destes relatórios é de cerca de 6 anos. O mais recente sofreu atraso devido às circunstâncias relacionadas com a epidemia COVID-19.

O IPCC não recorre a especialistas próprios, elabora os seus relatórios com base em estudos de centenas de cientistas pertencentes a diversas instituições, nomeadamente universidades, institutos e organizações intergovernamentais.

O AR6 resulta das contribuições de três Grupos de Trabalho: Grupo de Trabalho I (Física como ciência base), Grupo de Trabalho II (Impactos, adaptação e vulnerabilidade) e Grupo de Trabalho III (Mitigação). A parte correspondente ao Grupo de Trabalho I foi apresentada em conferência de imprensa a 9 de agosto do ano corrente. As partes referentes aos Grupos de Trabalho II e III ainda não estão completas, prevendo-se a sua apresentação em fevereiro e março de 2022, respetivamente. Será também publicado um Relatório Síntese, nos fins de setembro desse mesmo ano.

Uma das organizações intergovernamentais que tem vindo a colaborar com o IPCC, o ESCAP/WMO Typhoon Committee, tem o seu secretariado sedeado em Macau. A sua colaboração tem consistido na coordenação de estudos elaborados por meteorologistas e climatologistas dos catorze países e territórios daquela organização intergovernamental, situados nos limítrofes do noroeste do Pacífico Norte e do Mar do Sul da China. No caso específico do atual relatório, o Comité dos Tufões contribuiu com a publicação “Terceira avaliação dos impactos das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais na região do Comité dos Tufões” (título original: Third assessment on impacts of climate change on tropical cyclones in the Typhoon Committee Region”), publicado em 2020.

(Curiosamente o secretariado deste Comité está sedeado na Avenida 5 de Outubro, data da implantação da República Portuguesa, em 1910, a algumas centenas de metros do Largo General Ramalho Eanes, em Coloane, o que ilustra, em certa medida, a ligação histórica entre Macau e Portugal).

A parte recentemente publicada, correspondente ao Grupo de trabalho I, é um extenso documento com 3.949 páginas, em que se apresentam, de modo exaustivo e com base científica, o estado atual do clima e os vários cenários que poderão condicionar a evolução das alterações climáticas em função da injeção de gases de efeito de estufa (GEE) e as suas implicações para o futuro do planeta. Como é prática habitual, foi também publicado o “Resumo para os Decisores Políticos” (Climate Change 2021 – The Physical Science Basis – Summary for Policymakers – SPM), que consiste num documento de 41 páginas, com linguagem mais acessível, não só sobre o estado atual do sistema climático e as suas possíveis alterações devido à ação antropogénica, mas também sobre como limitar as implicações dessas alterações nas diferentes regiões do globo.

O SPM consta de quatro partes: A – O Estado Atual do Clima; B – Climas Futuros Possíveis; C – Informação Climática para Avaliação de Riscos e Adaptação Regional; D – Limitando Futuras Alterações Climáticas. No que se refere à parte A, há a salientar as seguintes constatações: 1) Não há dúvida que as atividades humanas têm vindo a provocar o aquecimento da atmosfera, do oceano e da terra. Têm ocorrido alterações rápidas e generalizadas na atmosfera, oceanos, criosfera e biosfera.

2) A escala de alterações recentes no sistema climático e o estado atual de muitos aspetos do clima são sem precedentes, desde há milhares de anos.
3) As alterações climáticas induzidas pelas atividades humanas estão a acentuar muitos extremos climáticos e meteorológicos em todas as regiões do globo, nomeadamente ondas de calor, precipitação intensa, secas e ciclones tropicais.

A parte B do Resumo para os Decisores Políticos (Climas Futuros Possíveis) consta essencialmente dos resultados de modelos de previsão climática em resposta a cinco cenários diferentes, estabelecidos em função das quantidades de GEE injetadas na atmosfera, obtendo-se, assim, projeções dos aumentos de temperatura relativos a períodos a curto (2021-2040), médio (2041-2060) e longo prazo (2081-2100), tomando sempre como referência a temperatura média global referente ao período 1850-1900.

Nos relatórios do IPCC são usados, entre outros, os seguintes termos para indicar a probabilidade de ocorrência dos resultados dos modelos: praticamente certo (99-100%), muito provável (90-100%), provável (66-100%), tão provável como improvável (33-66%), improvável (0-33%), muito improvável (0-10%), excecionalmente improvável (0-1%). Assim, quando se afirma que é muito provável que o aumento da temperatura no fim do corrente século, considerando o cenário de emissões muito altas, possa atingir valores entre 3,3 e 5,7 °C, é o mesmo que afirmar que a probabilidade de que tal aconteça é de 90% a 100%.

O quadro resume o aumento muito provável da temperatura média global correspondente aos cinco cenários estabelecidos: Emissões muito baixas, Emissões baixas, Emissões intermédias, Emissões altas e Emissões muito altas.

De acordo com este quadro, é muito provável que o aumento da temperatura a longo prazo (2081-2100) esteja compreendido entre 1,0 e 1,8 °C no cenário de baixas emissões de GEE. Analogamente, também no fim do século, no cenário emissões intermédias o aumento de temperatura seria muito provavelmente de 2,1 a 3,5 °C e no cenário de emissões muito altas, de 3,3 a 5,7 °C.

Se não houver um esforço concertado a nível global para reduzir as emissões de GEE, a situação atual poderá evoluir de modo a ser enquadrada no cenário mais pessimista (usualmente referido como “business as usual”), é muito provável que o aumento da temperatura no fim do corrente século possa atingir valores entre 3,3 e 5,7 °C, o que seria catastrófico para a vida no nosso planeta.

Ainda segundo o AR6, de acordo com estudos paleoclimáticos, foi há mais de 3 milhões de anos a última vez que a temperatura média do ar (em relação ao período 1850-1900) se manteve igual ou acima de 2,5 °C.

A parte C do SPM (Informação Climática para Avaliação de Riscos e Adaptação Regional), trata de informações sobre como o sistema climático responde à influência da interação da atividade humana com fatores naturais e a própria variabilidade interna, tendo em vista o planeamento de medidas de adaptação e de redução de riscos à escala regional.

A parte D (Limitando as Futuras Alterações Climáticas) debruça-se sobre a necessidade de limitar as futuras alterações climáticas, enfatizando que o controlo de possíveis climas futuros está intimamente relacionado com redução drástica das emissões de CO2. Realça também a constatação de que existe uma relação quase linear entre as emissões de dióxido de carbono produzido pelas atividades humanas e o aumento global da temperatura. Estabelece que para cada mil gigatoneladas de CO2 acumulado na atmosfera corresponde um aumento global de temperatura de cerca de 0,45 °C.

O passar do tempo tem revelado que as projeções do IPCC são por vezes ultrapassadas pela realidade. Em certas regiões do globo o aquecimento tem sido superior ao previsto. Assim, por exemplo, a temperatura média do ar em zonas terrestres próximas do círculo polar ártico atingiu recentemente valores nunca registados, o que tem facilitado a ocorrência de incêndios na tundra e nas florestas da Sibéria onde, na cidade Verkhoyansk, a temperatura atingiu 37 °C em junho de 2020. O aumento de temperatura em regiões de latitudes tão elevadas tem vindo também a causar o degelo em vastas áreas em que o solo húmido permanece quase permanentemente gelado, formando o que se designa por pergelissolo (permafrost, em inglês) e que, ao fundir, provoca a libertação de grandes quantidades de metano, o que contribui para reforçar o aquecimento global.

O aumento da temperatura nestas regiões tem sido duas vezes superior à média global. Comparado com o CO2, o metano, como gás de efeito de estufa, é cerca de 20 vezes mais potente, embora permaneça muito menos tempo na atmosfera.

Outra implicação das alterações climáticas é o aumento do nível médio do mar, devido não só ao degelo de grande parte das calotas polares e de glaciares, mas também à dilatação provocada pelo aquecimento. Segundo medições obtidas via satélite, o nível do mar tem aumentado cerca de 3 cm por década. Através do AR6 pode-se ter acesso a um simulador que nos disponibiliza um mapa com as projeções de subida do nível do mar.

Um sinal de que as alterações climáticas são uma realidade é o facto de ter chovido significativamente, em 14 e 15 de agosto do corrente ano, no ponto mais alto da Gronelândia, algo que nunca tinha acontecido desde que há registos das ocorrências de fenómenos meteorológicos. O tipo de precipitação normal nessa região é a queda de neve. A chuva contribui para acelerar o ritmo do degelo nas calotas polares. Este acontecimento ilustra bem uma das constatações do AR6 no que se refere ao agravamento das condições favoráveis ao degelo na Gronelândia, que tem vindo a acentuar-se nas últimas duas décadas devido às emissões de GEE.

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