Grande PlanoÓbito | As mensagens que Jorge Sampaio deixou durante as visitas oficiais a Macau Andreia Sofia Silva - 13 Set 2021 A preservação da vida das gentes locais, garantia do Estado de Direito e continuidade do bilinguismo nas instituições públicas. Estas foram algumas das ideias deixadas por Jorge Sampaio nos discursos que proferiu em várias ocasiões públicas nas duas visitas oficiais que realizou a Macau antes de 1999. A documentação dos arquivos da Presidência da República traça uma rota de memórias dos momentos antes do retorno de Macau para a China. Em Fevereiro de 1997, na cerimónia de inauguração do edifício dos tribunais de primeira instância, Sampaio destacou a importância da Declaração Conjunta, que estabeleceu “a preservação da maneira de viver [do território], servida por um largo grau de autonomia das suas instituições, nas quais se compreende o poder judicial independente”. Sampaio referia que é nos tribunais que “sempre residirá a última garantia de que Macau é um território submetido ao Estado de Direito e aos inalienáveis princípios que o integram”. Era importante “dotar os tribunais dos meios adequados para o bilinguismo ser uma realidade integral”. O Presidente da República alertava, na mesma ocasião, para a importância do respeito dos princípios consagrados “para que os tribunais de Macau possam ser, agora e no futuro, os garantes da aplicação da justiça e o lugar seguro em que sempre encontrarão protecção os direitos, liberdades e garantias dos residentes neste território”. Uma AL multicultural Também em Fevereiro de 1997, Jorge Sampaio falou numa sessão solene na Assembleia Legislativa (AL), onde lembrou que a Declaração Conjunta acarretava “a prudência de quem sabe não poder comandar todo o destino de toda a História”, mas que tinha um “inequívoco apreço pelos valores essenciais desta comunidade”. O limite temporal de 50 anos estabelecido pelo documento, assinado dez anos antes por Portugal e China, deixava “caminho aberto, transcorrido tal período, para a vontade dos homens e para as oportunidades do tempo”. A declaração, lembrou Sampaio, estabelecia um “paradigma essencial”, que era a “preservação da maneira de viver de Macau”. Dirigindo-se aos deputados, Jorge Sampaio destacou a importância de estes “trazerem ao debate político o que melhor se poderá adequar ao aperfeiçoamento das condições de exercício da actividade económica” e “à mais proficiente definição de uma política de trabalho e de segurança social”. O discurso dava conta de alguns dos problemas de que já então o território sofria, tal como a necessidade de “ultrapassagem de bloqueios do comércio imobiliário” e “da atribuição a todos de habitação condigna”, sem esquecer a “redefinição da política industrial”, a “hierarquização das prioridades sectoriais de desenvolvimento e de iniciativa cultural” e “o aperfeiçoamento da escolaridade e dos seus sistemas”. O lugar dos macaenses No contexto global do final de milénio, Jorge Sampaio dava conta do lugar que Macau poderia ocupar, tal como Hong Kong, num seminário internacional em 1997. O pequeno território representava “um singular elo de união entre os dois extremos do grande continente”, passando “a ocupar uma posição central na política internacional, onde se revelará o futuro das relações entre as duas principais entidades regionais do pós-Guerra Fria”. Já em Março de 1999, a meses da transição, Jorge Sampaio marcava presença na abertura do terceiro Encontro das Comunidades Macaenses, onde começava por alertar que a transferência do exercício da soberania que se avizinhava não podia ser vista, em caso nenhum, “como o fim de Macau e das comunidades que aqui, ou pelo mundo além, têm esta terra como sua”. “Portugal deixará em breve de administrar Macau. Mas os laços que o ligam às suas gentes e ao seu destino, vivam elas no território, ou algures no mundo, vão manter-se”, assegurava o então Presidente, destacando o lugar importante da comunidade macaense. “A plena viabilidade da autonomia convencionada para Macau depende, em larga medida, da participação, em todos os domínios, dos ‘filhos da terra’, intérpretes fiéis daquela identidade”, concluiu.