Pal Lok e Johnny Tam, curadores do Festival BOK: “O teatro liga as pessoas”

Sobe aos palcos desde 2013 e assume-se como um projecto independente. Em ano de pandemia, o festival BOK foca-se nos artistas locais e do continente asiático e traz o teatro às ruas, para abrir horizontes. Pal Lok e Johnny Tam assumem que o mais importante é divertirem-se e querem partilhar essa felicidade com o público

 

 

Realizam esta edição do festival BOK em plena pandemia, com restrições de convites a artistas de fora. Quais os nomes que gostariam de ter convidado e que ficaram de fora?

Pal Lok (PL) – De facto este ano tivemos de nos focar na Ásia, com artistas locais e também oriundos de Pequim e Xangai.

Johnny Tam (JT) – Temos interesse em diferentes culturas. Já tivemos artistas da Áustria, por exemplo. Normalmente os artistas gostam de viajar pelo mundo, coleccionar diferentes experiências e reunir com outras pessoas. É este tipo de artistas que gostamos de convidar para virem até Macau. Este ano vamos transmitir espectáculos online e o nosso objectivo é partilhar esses espectáculos com outros produtores para que nos possam dar o seu feedback.

PL – Queremos desenvolver, com este festival, bons contactos na área do teatro e das artes performativas. Daí termos planeados estas transmissões de espectáculos em directo, online.

Existe uma característica comum a todos os espectáculos que compõem o cartaz deste ano?

PL – “BOK” remete para o caracter chinês que significa conexão, experiência. Esse é o espírito do nosso festival, e pegamos nisso, num certo sentido de aventura, para explorar novas coisas. O cartaz deste ano tem como slogan “Demo for Mary”, e todos os seis grandes espectáculos estão ligados pela música, é esse o ponto chave desta edição.

Se tivessem de destacar um espectáculo, qual seria?

JT – Recomendo o “Mirror-24 relationships” [de Cindy Ng, Yaya Lam e Hon Chong Chan]. Ela é uma pintora contemporânea e vive em Pequim. O ano passado, quando a convidei para fazer um espectáculo, ela já queria fazer algo que estabelecesse uma conexão com as pessoas, queria retirar lições do público. Recomendei-lhe que fizesse um encontro com o público primeiro. Por isso[nesta iniciativa] falamos sobre 24 diferentes tipos de relações e contactamos primeiro o público antes do espectáculo, perto do mar, por exemplo, ou junto a uma igreja. Depois de todos estes encontros será feita uma performance de pintura em palco para esse mesmo público.

Dar mais espaço e um novo ambiente a projectos de teatro locais é também um dos objectivos principais do BOK? Sem este festival seria mais difícil às associações apresentarem os seus projectos?

PL – Há diferentes festivais de arte em Macau e a maior parte deles são apoiados ou organizados pelo Governo. O mais importante para nós na organização de um festival que não está ligado ao Governo é que os artistas possam explorar mais plataformas. Esse é o espírito do festival BOK, tentar coisas diferentes e não recear as falhas. Damos esse espaço para que eles possam experimentar. Essa é a grande diferença em relação aos festivais ditos oficiais.

A independência é algo bastante importante para o projecto.

PL – Sim, sem dúvida.

Mas isso implica não ter apoio financeiro. Como é organizar este festival sem esse apoio?

PL – Para nós a independência não tem apenas esse significado financeiro. Claro que ajuda, porque este festival tem alguma dimensão e precisamos de ter diferentes apoios, seja de entidades independentes seja do Governo, mesmo que seja só através concessão de espaços para a apresentação de espectáculos. O mais importante são os contactos e as apresentações, uma vez que não estamos limitados a grandes espectáculos, podemos ter mais facilidades nesse aspecto.

A primeira edição deste festival aconteceu em 2013. Desde então têm contribuído para a criação de uma maior relação do teatro com a população local?

PL – Há muitas pessoas aqui a esforçarem-se por fazerem bons espectáculos. Não posso dizer que é apenas por causa do festival BOK que as pessoas têm maior ligação ao teatro. Mas certamente que o nosso festival deu um contributo.

JT – Nos últimos anos temos tentado fazer uma combinação entre um festival de artes e um festival também ligado ao entretenimento. Porque acredito que nem todas as pessoas de Macau podem entrar num teatro e ficar lá duas horas, é difícil para algumas. Mas quando dizemos a alguns amigos para virem porque vão ser apresentados espectáculos num mercado, por exemplo, tentamos transmitir a ideia de que podem usufruir da arte no dia-a-dia. É esta a ideia que queremos passar a todos.

PL – Na verdade, o nosso programa tem duas partes. A primeira, inclui seis espectáculos mais focados na performance teatral propriamente dita. Mas o foco especial é que trabalhamos com artistas e fazemos algumas actuações em espaços que não são teatros, como galerias ou mesmo na rua. A segunda parte do festival, é a nossa tentativa de fazermos uma ligação com o dia-a-dia das pessoas, e aí não nos focamos apenas em quem já tem interesse no teatro, mas sim em pessoas que à partida não estão muito interessadas em arte. Criámos a iniciativa “M Mode 24”, em São Lázaro, com vários acontecimentos ao fim-de-semana. O mais importante é que trabalhamos com proprietários de lojas e artistas dessa zona que ficaram interessados no projecto e tomaram várias iniciativas. “M24” tem a ver com o facto de Macau ser uma cidade de jogo onde as pessoas nunca dormem. Mas o “M”, pode também significar Macau e ainda “Minimal”, no sentido em que as pessoas podem definir os seus próprios projectos e personagens.

É desafiante fazer teatro em Macau nos dias de hoje? Há muitas associações a desenvolverem projectos, mas continua a ser difícil fazer teatro?

JT – É muito desafiante. O teatro é algo que tem muito significado para mim. Nem todos conhecem o teatro, que é um espelho, através dele as pessoas podem conhecer-se a si mesmas e também a sociedade em que estão inseridas. Diria que, neste momento, não tenho um sentido certo para onde devo ir, mas sei que fazer teatro tem um significado para mim. É difícil descrever. Penso que em qualquer lugar é difícil [fazer espectáculos].

As escolas deveriam ter mais programas dedicados ao teatro e às artes no geral?

JT – O teatro está muito relacionado com o pensamento criativo, que faz com que as pessoas tenham uma mente aberta para poderem olhar para todo o mundo e nunca parar de pensar. A arte é uma parte desse pensamento criativo, mas há muitas coisas que podem levar a isso, como a educação, que é muito importante. O teatro também é uma das coisas que pode ajudar a desenvolver pensamento crítico.

PL – Não estamos limitados ao teatro mas a muitos estilos artísticos e outro tipo de programas. Vejo que as pessoas em Macau estão cada vez mais ocupadas se compararmos com há 10 ou 20 anos atrás. Devido ao desenvolvimento da cidade, e com a indústria do jogo, as pessoas estão sempre ocupadas. Quando trabalhava num hotel, não tinha muito tempo para dar atenção aos programas artísticos que aconteciam na cidade. Devíamos viver de outra forma para abrir os nossos corações a coisas interessantes.

Como começou a vossa relação com o teatro?

JT – Todos os anos me pergunto porque é que continuo a fazer isto. Tenho 36 anos mas não me considero um jovem. Os jovens apostam muito na experimentação e eu não sou muito desse género, mas durante este processo posso conhecer as pessoas em Macau. O teatro liga as pessoas, leva-as a partilharem o que pensam e o que querem, os seus desejos. Costumava ser muito reservado, mas quando comecei a fazer teatro, e a dirigir espectáculos, precisava de falar com os actores e produtores, e esse processo fez-me perceber que não estou sozinho. Poderia discutir com eles, expressar as minhas ideias. Percebi que discutir com as pessoas podia ser bom. Isso teve bastante significado para mim.

PL – Não sou apenas curadora de projectos teatrais, às vezes também trabalho na área das artes visuais. Também não me considero jovem, mas ainda sinto o poder das artes e esse toque. Quando faço o planeamento dos espectáculos gosto de dar apoio a cada projecto e de criar coisas com significado. Macau é uma cidade muito pequena e criar projectos com significado é muito importante para a vida das pessoas. Se pararmos de fazer isso as pessoas vão simplesmente continuar a trabalhar e a ter uma vida mais aborrecida. Esta é a minha motivação.

Que expectativas têm para a edição deste ano do festival?

PL – Queremos continuar a criar conteúdos interessantes e espero poder levar estes projectos a outros lugares. Talvez possamos actuar em Portugal, por exemplo. Também esperamos que esta seja uma boa plataforma de partilha, onde os artistas podem expressar as suas ideias, para que as pessoas possam ter um pensamento criativo mais activo. Apenas nos queremos divertir e partilhar esta felicidade.

 

Cartaz plural 

É entre o dia 31 de Julho e 8 de Agosto que acontece a nova edição do festival BOK organizado pelas associações Own Theatre, Macau Experimental Theatre e MyLand Culture. As iniciativas decorrem no bairro de São Lázaro e no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais N.º 2. Uma das duas partes do programa intitula-se “BOK Movement” e inclui seis espectáculos onde a multidisciplinariedade assume um papel principal. Um deles intitula-se “There is no day as usual”, de Iat U Hong, Akitsugu Fukushima e Ivan Wing, e acontece no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais n.º 2 nos dias 4 e 5 de Agosto, às 19h30. No mesmo local, mas às 21h30, acontece “There is no day as usual” seguindo-se uma “After Party”, uma mistura de Djset e espectáculo de multimédia. Por sua vez, o bairro de São Lázaro, nomeadamente em locais como a Calçada da Igreja de São Lázaro, o Albergue SCM e o Armazém do Boi recebem as 100 actividades programadas, numa tentativa de juntar o teatro às pessoas que, por norma, não têm com ele qualquer ligação. O Albergue SCM recebe, entre sábado e 3 de Agosto, das 11h às 22h, a instalação multimédia “Or Bit”, estando também agendada a iniciativa “M Mode 24”.

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