Ano Novo Lunar | Comunidade chinesa em Portugal celebra online

Este ano as zonas da Alameda e do Martim Moniz, em Lisboa, não se enchem de pessoas para celebrar o Ano Novo Chinês como é habitual. No silêncio instaurado pelo confinamento, a comunidade chinesa celebra em casa com eventos online, cumprindo até os conselhos da própria embaixada da China em Portugal. A crise gerada pela covid-19 também está a afectar os comerciantes, que são ajudados por grupos de apoio

 

Bazares, tendas com nomes de lojas e restaurantes, olhares ocidentais com uma enorme curiosidade sobre a cultura chinesa e sobre uma comunidade com muita presença em Portugal. Era assim o cenário a 18 de Janeiro do ano passado quando a zona da Alameda, em Lisboa, se encheu de cor para celebrar o Ano Novo Chinês. Este ano, porém, o Boi faz a sua entrada num ano atípico e o confinamento decretado pelas autoridades portuguesas, que promete continuar nas próximas semanas, ditou diferentes celebrações. O Ano Novo Chinês celebra-se este ano entre sexta-feira, dia 12, e terça-feira dia 16.

Anting Xiang, a residir em Portugal há vários anos e que trabalha na área do atendimento ao cliente no segmento de luxo, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, confessou ao HM que todas as celebrações vão ser diferentes este ano.

“Este ano ficamos em casa com familiares, porque não há festas e não temos jantares com os amigos”, disse. Sem celebrações, a comunidade vira-se para os eventos online. No passado dia 28 de Janeiro foi divulgado um vídeo que marca o início de um novo ano segundo o calendário chinês. A Câmara Municipal de Lisboa assinalou mesmo a efeméride nas redes sociais. “O início do ano chinês do Boi, associado ao trabalho árduo e honestidade, foi assinalado a 28 de janeiro pela comunidade chinesa de Portugal numa cerimónia online, que procurou mostrar a riqueza da cultura milenar chinesa e a suas ligações ao nosso país e à cultura portuguesa.” No portal anonovochines.pt, há vídeos e diversos conteúdos relacionados com a cultura chinesa e com esta época em particular. Na cerimónia do dia 28, que decorreu na plataforma Zoom, Li Ji, conselheira cultura da embaixada da China em Portugal, explicou que este website vai continuar a ser actualizado nos próximos dias, a fim de mostrar “muitas atracções culturais de artistas da China, Portugal e Macau”.

Wang Suoyong, professora de línguas que preside à Associação Portuguesa dos Amigos da Cultura Chinesa, está a organizar um evento online que decorre no próximo sábado, dia 13. Muitos outros eventos online decorrem na plataforma WeChat, incluindo sessões de esclarecimento sobre a pandemia, entre outros assuntos.

“Este ano é diferente, algumas famílias juntam-se, mas pouco”, contou ao HM. “Antes os restaurantes estavam cheios, havia programas, os amigos juntavam-se. Este ano só a família que coabita no mesmo espaço é que celebra. Mas a comunidade chinesa tem muita conversas à distância”, disse.

Regra geral, a comunidade está a reagir bem aquele que é o segundo confinamento decretado pelas autoridades no espaço de meses. “Os chineses estão habituados e são muito disciplinados. Quando se implementa um confinamento e se obriga ao encerramento das lojas, eles fecham.”

Wang Suoying destaca ainda a eficácia das regras de confinamento no seu próprio país. “Sou de Xangai e vou tendo notícias da cidade. Quando o governo municipal decretou um confinamento de quase dois meses todos ficaram em casa e só saíam mesmo por extrema necessidade, sem fazerem vistas. As minhas quatro irmãs e os seus familiares não se juntaram nesse período.”

Y Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal, está no Porto, onde o cenário é semelhante. “Não há nada que possamos fazer e tivemos, aliás, o conselho da embaixada [da China em Portugal] para permanecermos em casa durante o Ano Novo Chinês, porque calha nas mesmas datas que o confinamento. Ficamos em casa, a ver televisão e a participar nos eventos online, e pouco mais”, frisou. Este ano não há pratos especiais à mesa porque não há visitas que o justifiquem. “Farei uma refeição normal”, adiantou.

Comunidade em crise

Muitos sectores da economia portuguesa estão a ser duramente afectados pelo confinamento, em especial o turismo, o retalho e a restauração, que mais dependem do movimento de pessoas e de turistas. Os comerciantes chineses não são excepção e há muitos casos de quem esteja a passar dificuldades. Há relatos de quem assinou contratos de arrendamento a semanas de arrancar o segundo confinamento e que se viu impossibilitado de arcar com uma renda, ou de pessoas que estão sem rendimentos há meses. Os pedidos de ajuda são, contudo, abafados e não saem da comunidade, cujos membros se ajudam entre si.

“No primeiro confinamento as pessoas tinham medo e houve muitos comerciantes que fizeram obras, mas depois o movimento nas lojas foi muito fraco e agora entramos novamente num segundo confinamento. Temos um centro de apoio aos chineses, eles devem ter recebido pedidos de ajuda. Mas os chineses ajudam-se uns aos outros, e têm sempre algumas economias, nós poupamos muito”, explicou Wang.

Sobrevivem aqueles que têm pequenos negócios na área do ramo alimentar, que podem abrir com horário reduzido. “Quem tem lojas pequenas tem autorização para abrir, conheço um senhor que tem uma frutaria e que abre portas todos os dias. Mas há muitos comerciantes que tiveram mesmo de fechar”, acrescentou a professora.

Y Ping Chow diz que há “muitos casos” de dificuldades e que houve até dispensa de funcionários. “Os restaurantes estão todos praticamente fechados ou apenas fazem o serviço take-away, e as lojas estão todas praticamente fechadas também, mesmo aquelas que trabalham na área das revendas. Está tudo parado. Poucas pessoas voltaram para a China a não ser os trabalhadores, porque houve alguma dispensa de pessoal por parte da comunidade”, acrescentou o responsável.

No geral, “as pessoas têm a tendência de voltar para a China mas pretendem regressar a Portugal assim que tiverem oportunidade”. A obrigatoriedade do cumprimento de uma quarentena à chegada à China demove muitos de fazer a viagem, sempre com os dias contados e dependente de uma rígida rotina laboral em Portugal.

Mesmo que precisem de ajuda como os portugueses ou outras comunidades, os chineses acabam por se fechar em si mesmos. “No caso das pessoas que não têm trabalho ou que estão a passar por dificuldades a comunidade chinesa tem os seus grupos de apoio”, disse apenas Y Ping Chow.

Ainda assim, já houve uma resposta oficial a eventuais casos mais graves. No passado dia 18 de Janeiro, a embaixada da China em Lisboa anunciou a distribuição de cabaz do Ano Novo Chinês aos membros mais vulneráveis da comunidade chinesa em Portugal. Os cabazes foram distribuídos a estudantes chineses em Portugal, “extremamente pobres” e que não têm meios para regressar ao seu país, ou que vivem sozinhos nas cidades onde estudam. Foi dada prioridade a idosos e mulheres grávidas.

O objectivo desta acção foi os chineses a “reforçar a sua protecção pessoal”. Nesta altura, a embaixada aconselhou os chineses que residem em Portugal a registarem-se nas associações ou junto de um dos três pontos de apoio, situados em Lisboa, Vila Nova de Gaia e Albufeira, que entregaram os cabazes. A embaixada referiu que, desde o início da pandemia de covid-19, já lançou quatro campanhas que fizeram chegar aos cidadãos chineses em Portugal mais de 30 mil pacotes com máscaras cirúrgicas e desinfectante.

Wang Suoying destaca ainda o facto de muitos comerciantes de nacionalidade chinesa estarem abrangidos pelas medidas de apoio implementadas pelo Executivo português, tal como as moratórias bancárias.

A docente destaca também o apoio de Choi Man Hin, presidente do conselho de administração do grupo Estoril Sol e presidente da Associação de Comerciantes e Industriais Luso-Chinesa. O empresário também lidera o Centro de Apoio aos Emigrantes Chineses, em Lisboa. Este “assinou um documento urgente de luta contra a pandemia, com medidas concretas de apoio aos emigrantes com dificuldades económicas”, explicou Wang Suoying. Chen Jianshui, proprietário da cadeia de supermercados Chen, em Lisboa, contribuiu com três mil euros [cerca de 29 mil patacas] para o orçamento do Centro. O HM tentou chegar à fala com Choi Man Hin, mas até ao fecho desta edição não foi possível.

Na zona de Vila do Conde, no norte do país, e onde existe o maior centro de armazéns de produtos chineses, foi também estabelecido um outro grupo de apoio liderado pelo empresário Li Kai. Segundo contou Wang Suoying ao HM, em apenas dois dias foram angariados cerca de 80 mil euros [cerca de 771 mil patacas] para “concretizar medidas contra a pandemia e dar apoio aos compatriotas com dificuldades económicas”, adiantou Wang Suoying.

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