Travessia do Estreito de Magalhães

[dropcap]A[/dropcap] navegar há um ano no Atlântico, Fernão de Magalhães partira do Sul de Espanha a 20 de Outubro de 1519 com cinco naus e quatro chegavam ao primeiro momento importante da viagem, a passagem do Oceano Atlântico para o Pacífico. O percurso, por estreitos e baías, iniciara-se a 21 de Outubro de 1520, sendo as 110 léguas, de um mar ao outro, todas feitas em território do actual Chile, cujo único ponto de contacto com o Atlântico está nas baías de Posesion e Lomas. Após 36 dias, a 26 de Novembro aparecia o Mar do Sul, assim baptizado o Pacífico em 1513 por Balboa.

Muito do texto que se segue foi construído com base na informação de José Manuel Núñez de la Fuente proveniente do seu livro, Diário de Fernão de Magalhães (Bertrand Editora, 2019).

A cinco léguas da costa, as quatro naus estavam a 52º Sul e apareceu a poente um comprido cabo de terra branca (hoje o Cabo Virgenes, a 52º22’S). Era mais uma baía a explorar, onde entraram a 21 de Outubro de 1520, dia da festa da Virgem e de Santa Úrsula e suas companheiras de martírio, e daí denominado Cabo das Onze Mil Virgens. Num porto resguardado por o cabo ficaram com o capitão-mor Fernão de Magalhães as naus Trinidad e Victoria. Já a Santo António, a maior e mais bem abastecida de mantimentos, comandada por Álvaro da Mesquita e a Concepción, por Duarte Barbosa, foram explorar para Oeste, procurando “um estreito com águas a correr de um lado para o outro”.

Prevendo ali ficar cinco dias à espera dos resultados das pesquisas, aproveitou-se ir a terra fazer aprovisionamentos. Mas ainda nessa noite o vento virou e tão forte estava que obrigou a soltar as âncoras dos barcos, deixando-os a pairar na baía à mercê do vento e correntes. A tempestade levou a temer-se um naufrágio das outras naus, por delas não haver notícias. Apareceram ao quarto dia; a San António não achara caminho, apenas pequenas bocas de mar baixo. Já Duarte Barbosa, cunhado de Magalhães, na nau Concepción, referiu “terem passado uma garganta muito apertada e dentro dela descobriram outra boca, ainda mais delgada, a mostrar ser um estreito, pois navegaram três dias sem encontrar terra que os parasse e quanto mais andavam para Oeste mais caminho tinham por diante” e lançando muitas vezes a sonda não achavam fundo, “parecendo ser maiores as correntes que as minguantes”. Magalhães logo nomeou o estreito de Virgem da Vitória.

A 28 de Outubro partiam as naus em conserva e pela primeira boca avançaram umas léguas até Magalhães enviar a terra um batel com dez homens sob comando do piloto João Lopes Carvalho para do alto do monte tentarem avistar a saída daquela estreita passagem. Depois seguiram, num rumo Nordeste-Sudoeste, pelo meio do canal a evitar os muitos baixios e desembocando do estreito chegaram à actual baía de S. Felipe. Aí navegando de Leste para Oeste, após contornar duas ilhotas de areia entraram numa nova passagem, menos apertada, mas mais torcida, a correr de Nordeste para Sudoeste. Ultrapassada, as naus singraram trinta léguas Sul-Sudeste e virando para Sul num cabo, por o flanco esquerdo avançaram para Sudeste, onde deram com uma grande baía de águas calmas e umas ilhas. Magalhães mediu a altura do Sol em 53º 33’ Sul e como o caminho se abria em dois canais, enviou a Concepción e a San Antonio verificar o de Sudeste.

Estava-se a 8 de Novembro e deu-lhes três dias para ali voltarem a se juntar. No dia seguinte, pelo outro canal partia a Victoria, com Fernão de Magalhães, que após duas léguas encontrou um cabo e junto dele um rio onde fundearam, mesmo sem abrigo para a nau. Aproveitaram para se abastecer de água doce e fresca do rio e de peixe ali abundante, colhendo nas margens lenha, de bom odor ao arder. Ansioso por saber se dali para a frente se abria a passagem ao Mar do Sul, enviou um batel afim de descobrir naquele labirinto o caminho a levar à abertura do estreito. Pelo correr das águas e suas marés eram uns excluídos e outros explorados.

Regressaram a 13 de Novembro, anunciando ter avistado de um monte o final do estreito, pois após um cabo se alcançava um mar largo ao qual não se via fim. Logo uma onda de euforia invadiu a tripulação, que animada navegou as duas léguas para o ponto de encontro com as outras naus. Ali ficara a Trinidad e com ela estava já a Concepción, mas a Santo António desde 8 de Novembro nunca mais fora vista, como relatou Juan Serrano ao noticiar ter explorado por duas vezes o canal, confirmando ser uma baía fechada (a Baía Inútil), e não mais viu a San António, apesar de a ter buscado. Perante a triste notícia, logo à sua procura o capitão Duarte Barbosa, na Victoria retornou todo o caminho até às águas do Atlântico. Estava-se em meados da Primavera e deu para rever a cinzenta paisagem desoladora, rochosa e de pelada vegetação, fustigada pelo vento e neve. Sem encontrar a nau perdida, colocou bandeiras em três montes à vista da costa e em panelas enterradas guardou as cartas do rumo por onde a frota iria seguir. Com isto passaram seis dias parados, desconhecendo estar a San Antonio já a caminho de Espanha, levando preso o seu capitão, o português Álvaro da Mesquita.

Até ao mar do sul

Fazia um mês que exploravam as passagens do presumível Estreito, e a 21 de Novembro estavam fundeados no Canal de Todos os Santos, a 53º e dois terços Sul, à espera do regresso das naus; mas no dia seguinte apenas a Victoria apareceu. Então Magalhães aproveitou questionar todos sobre a vontade de continuar a viagem, ou regressar, . [Carlos I, da dinastia dos Habsburgos, nesse ano, a 23 de Outubro de 1520, fora coroado Imperador do Sacro Império Romano Carlos V.] A maioria apoiou continuar e com víveres para três meses partiram a 23 de Novembro. Rumaram a Noroeste por um largo canal, com muitas ilhotas que não prejudicavam a navegação e a paisagem mudou para uma verdejante vegetação, aparecendo a Norte altas serras com neve nos cumes e se durante o dia não se via viva alma, à noite as grandes fogueiras assinalavam gente. Montanhas em ambos os lados pareciam cruzar-se a encerrar a passagem, aberta lentamente à medida da velocidade do navegar rumo Noroeste. Após algumas léguas, virando a Nor-Noroeste e dando muitas voltas, pela forma labiríntica do estreito, voltaram a seguir para Noroeste e muitas léguas depois, junto a três ilhas, um cabo, baptizado Desejado por Magalhães, cuja altura era de 52 graus e um terço Sul.

O correr das águas dava por fim a certeza daquela ser uma passagem entre os oceanos. Desembocando do estreito a 26 de Novembro, apareceu a bombordo mar aberto e a estibordo, a terra continuava para Norte por onde vogaram dois dias ao longo da costa abrigados dos ventos.

A 28 de Novembro de 1520, o capitão-mor perante o mar calmo e ventos temperados, aos 46º Sul mandou rumar a Noroeste, entrando as três naus pelo Mar do Sul adentro. Perante as calmas águas, Fernão de Magalhães chamou-o de Pacífico.

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