Artes, Letras e Ideias hPrimórdios das forças de segurança em Macau José Simões Morais - 18 Out 2020 [dropcap]D[/dropcap]esde que Macau foi elevada a cidade em 1586, o Senado mandava fazer as rondas e nomeava capitães para elas, surgindo daí o embrionário serviço civil da ronda, tanto diurna como nocturna. Refere Gonçalo Mesquitela, “A necessidade de uma guarda municipal foi reconhecida logo em 1583, tendo sido criada no mesmo Conselho Geral que elegeu as primeiras autoridades municipais. Em caso de emergência era reforçada por todos os cidadãos válidos e pelos escravos negros.” Quando em 17 de Julho de 1623 tomou posse o Governador e Capitão de Guerra D. Francisco de Mascarenhas (1623-26), alguns dos soldados da força militar de cem homens que trouxera consigo foram alistados como polícias para vigiar e tomar conta do sossego das ruas. A ronda feita por civis apareceu referida de novo em 1685, quando os marinheiros da fragata S. Paulo, antes de partirem para o Japão afim de repatriar os náufragos japoneses, pediram ao Senado que no regresso os isentasse de fazer a ronda. O Governador da Índia D. Rodrigo da Costa concedeu, por alvará de 30 de Abril de 1689, que o Capitão Militar de Macau “com os vereadores compartia ainda a responsabilidade pelo funcionamento das rondas nocturnas à cidade. Neste caso, contudo, a obrigação do governador limitava-se à organização do serviço, competindo ao Senado a nomeação das ordenanças”, segundo Martins do Vale. Sobre esse documento refere o padre Manuel Teixeira, “Compete ao Senado nomear os capitães da ordenança, como até agora se fez. Disto se conclui ser praxe antiga do Senado mandar fazer as rondas e nomear os capitães.” Desde então são frequentes as referências a essa civil guarda de segurança e aos seus capitães da ronda, que mantinham a ordem na cidade. O Capitão militar de Macau Francisco de Melo e Castro pedia a 4 de Dezembro de 1710 ao Senado para escolher nove pessoas idóneas para ele nomear três capitães de ronda, mas como não obteve resposta, mandou desarmar os capitães sem licença do General seu antecessor, [Diogo de Pinho Teixeira (1706-10), devido ao Senado se ter revoltado contra ele a 13 de Fevereiro de 1710, deixou a 28 de Julho de ser Governador] que andavam com insígnias militares nesta praça. Dois dias depois, a lista foi-lhe entregue, escolhendo ele três capitães de ronda. Mas logo em Agosto do ano seguinte, já com um novo Governador António de Siqueira de Noronha (1711-14), o Senado referia as queixas dos Capitães da ronda, pois o Governador lhes tinha mandado dar baixa. O Senado, para atender aos moradores com a vigia necessária da terra, assentou com os capitães em se manterem nos lugares, respondendo Siqueira de Noronha não poder ceder. Este, a 5 de Setembro de 1711 recusou aprovar a nomeação feita pelo Senado de António Rodrigues de Brito para capitão da ronda. “Noronha afirma que em princípio as rondas deviam depender dele, como governador militar; mas que o Senado se tinha apropriado delas com representações ao Governo Central. O Governador, portanto, desliga-se delas e deixa-as nas mãos do Senado”, segundo o padre Manuel Teixeira, de quem são muitas das informações deste artigo, que refere, “o Senado se apropriara dum privilégio que ao Governador pertencia, tendo sido aprovado pelo Rei.” O Vice-Rei da Índia Conde D. Luís de Meneses escrevia a 22 de Abril de 1720 ao Senado de Macau referindo ser absolutamente preciso soldo para um “Sargento-mor como houve em outros tempos; pois tantas Fortalezas, e as contínuas rondas, que é preciso fazer para evitar os assaltos dos ladrões, mostram ser este posto muito necessário para a vigilância na paz, e para a segurança em qualquer ocasião da guerra que se oferece, pois o Governador militar não pode ao mesmo tempo acudir às diversas partes.” Casas Fortes O Senado a 28 de Dezembro de 1718 nomeou capitães da ordenança, Francisco Mendonça Furtado para o bairro de S. Lourenço, Francisco Barradas da Rosa para o de S. António e Manuel Dutra Vieira para o bairro da Sé Catedral, cada um com o soldo de quatro pardaus por mês. Um ano depois, a 26 de Dezembro, o mesmo Leal Senado registava a fundação e o provimento das capitanias das três Casas Fortes dos três bairros, ao mesmo tempo que atribuía a cada um dos três capitães uma força de sete praças ou irregulares, também chamadas da ordenança, segundo o padre Videira Pires. Assim a fundação das Casas Fortes como quartéis de Polícia e a sua orgânica datam de 1719, mas o Vice-Rei da Índia só dez anos depois, em 1728 foi informado da criação deste Corpo de Polícia de terra e da construção dos seus aquartelamentos. Resolveu então ser do Senado a proposta dos Capitães, que nomearia três sujeitos, dos quais o Governador escolheria o que lhe parecesse mais idóneo. Mas o Senado contestou, referindo ser por alvará régio regalia sua, e não dos governadores, o provimento das capitanias da sua ordenança e o Vice-Rei da Índia João de Saldanha da Gama (1725-32) aceitou. Já desde o tempo do Governador Silva Telo e Meneses (1719-22) o Senado pagava 21 praças para fazer as rondas; mas os seus sucessores serviam-se delas para as guardas das suas portas e vigias das fortalezas. Proibindo os governadores de continuarem a proceder assim, o Vice-Rei, em carta de 24 de Abril de 1730, confirmava as determinações régias da autoridade do Senado. O Senado sem dinheiro para pagar os soldos, em 1733 pretendeu extinguir a ordenança e para isso consultou o Governador, que o mandou falar com o Vice-Rei. Mas o Senado ainda nomeou por despacho de 2 de Abril de 1735 Tomé Vaz Ribeiro capitão de ordenança do bairro da Sé, que fez juramento de posse aos Santos Evangelhos dezoito dias depois, sucedendo nesse cargo a Luís Rodrigues Rebelo, sendo a 29 de Abril de 1737 substituído por Francisco Marques de Sousa. Goa aceitara em finais de 1753 a proposta do Senado em extinguir a Casa Forte de S. Lourenço e o licenciamento das suas sete praças e um capitão. Por isso, um ano depois, a 31 de Dezembro de 1754, os vereadores voltaram a pedir ao Vice-Rei a extinção das restantes por falta de verba e sem utilidade nenhuma para segurança da terra mais do que tão-somente para dispêndio. Mas tal não veio a ocorrer. Em 1759, todos os moradores estavam obrigados ao serviço das rondas, excepto os juízes ordinários e o procurador do Senado, enquanto se mantivessem no exercício dos respectivos cargos. Tal como os seus antecessores, o Governador José Plácido Saraiva (1764-67) pretendendo arrogar para si os direitos de nomear os capitães da gente de ordenanças, em 1766 abriu um conflito de jurisdição nesta matéria, resolvido a favor do Senado, por ser sua competência pelo Regimento de 10 de Dezembro de 1750. O Governador da Índia João José de Melo ordenou, por carta de 14 de Abril de 1768, que fossem respeitados esses privilégios do Senado. A guarnição e a polícia de Macau até 1784 eram constituídas por 80 filhos da terra que patrulhavam também a cidade, quando chegou de Goa a primeira tropa regular, um batalhão de 150 cipais.