Manchete SociedadeFinCEN | BNU com mais de 40 milhões de dólares em transacções suspeitas João Santos Filipe - 21 Set 2020 Quatro bancos em Macau foram alvos de denúncias a autoridades norte-americanas devido a operações suspeitas de lavagem de dinheiro. O Banco da China foi a instituição no território com mais movimentos denunciados, numa lista onde constam também o BNU, ICBC e HSBC. O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou transacções potencialmente criminosas no valor de total de 2 biliões de dólares [dropcap]E[/dropcap]ntre Maio e Julho de 2015, clientes do Banco Nacional Ultramarino (BNU) receberam cerca de 40,3 milhões de dólares americanos em operações que foram denunciadas às autoridades dos EUA, por suspeitas de branqueamento de capitais. A informação foi revelada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) e tem por base mais de 2.100 documentos enviados por vários bancos internacionais à autoridade Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), entre 2000 e 2017, a avisar para transacções que poderiam envolver lavagem de dinheiro e fundos com origem ilegal. O BNU não é o único banco de Macau mencionado, mas é aquele que regista a maior quantia com proveniência suspeita. Os movimentos envolvem 40,3 milhões de dólares americanos dos 68,2 milhões que passaram pela RAEM. Os dados apresentados não permitem saber quantos clientes estão envolvidos, nem as identidades. Contudo, é possível saber que os cerca 40,3 milhões de dólares foram transferidos em três operações, todas com origem no banco J&T Bank & Trust, que está sediado nos Barbados, e faz parte do J&T Finance Group, que por sua vez está instalado na Eslováquia. As operações feitas entre o J&T Bank & Trust e o BNU tiveram como intermediária a instituição bancária The Bank of New York Mellon Corp., que segundo os documentos foi a responsável pelas denúncias que chegaram aos EUA. A primeira tranche dos 40,3 milhões americanos foi de 3,8 milhões e foi enviada para o BNU em três transferências bancárias, realizadas a 13 e 20 de Maio de 2015. A segunda tranche foi enviada através de quatro operações nos dias 20 de Maio e 22 de Julho e envolveu 12,6 milhões de dólares. Finalmente, a 9 e 29 de Julho foram feitas outras sete operações com um montante de 23,9 milhões de dólares. Rei das transferências No que diz respeito a transacções suspeitas, o Banco da China (BOC) surge em destaque com 43 movimentos dos 62 ligados ao território. É a partir do banco estatal chinês que saiu a maior quantidade de dinheiro cuja origem pode ser criminosa. Entre Maio de 2016 e Janeiro de 2017, saíram do BOC mais de 17 milhões de dólares para o banco suíço UBS AG. A primeira tranche de dinheiro saiu através de 14 operações entre 31 de Maio de 2016 e 5 de Janeiro de 2017 e envolveu 1,2 milhões. A segunda tranche começou a sair a 2 de Junho de 2016 e ficou finalizada no dia 29 do mesmo mês. Através de 8 transacções foram transferidos 16,3 milhões. As operações foram intermediadas pela representação americana do China Investment Corporation, fundo soberano de Pequim, que foi o responsável pela denúncia. No sentido oposto, os clientes do Banco da China (BOC) receberam 3 milhões de dólares em 21 transacções consideradas suspeitas, que decorreram entre 16 de Março e 25 de Novembro de 2016. Estas transferências bancárias tiveram origem em diferentes bancos como o alemão Deutsche Bank, o espanhol Banco Santander, o brasileiro Banco Itau Internacional, entre outros, e foram igualmente intermediadas pelo China Investment Corporation. Os casos ICBC e HSBC Ao nível de instituições em Macau que participaram em transferências denunciadas ao FinCEN consta ainda o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC, em inglês). Nesta instituição entraram cerca de 7,3 milhões de dólares americanos numa operação com três transferências bancárias que aconteceram a 17 e 23 de Janeiro de 2017. Os fundos vieram do banco BNP Paribas e a operação foi intermediada pelo The Bank of New York Mellon Corp.. O último banco com representação local que viu operações denunciadas foi o HSBC, em dois movimentos de saída de capitais que totalizaram 112 mil dólares americanos. As operações aconteceram a 29 de Abril e 29 de Maio e tiveram valores de 50 mil e 62 mil dólares, respectivamente. Neste caso, o intermédio utilizado foi o mesmo que a instituição que recebeu o dinheiro, o banco Standard Chartered. O HM contactou o BNU, o BOC e o ICBC sobre o envolvimento nestas operações e os procedimentos adoptados para que fossem feitas dentro da legalidade, mas até à hora de fecho não recebeu qualquer resposta. Os suspeitos do costume A investigação publicada pelo ICIJ foi feita através dos documentos obtidos com informação enviada à autoridade Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), que representam transferências superiores a 2 biliões de dólares. No total, foram analisados 2.657 documentos dos quais 2.100 dizem respeito a relatórios de denúncias de actividades suspeitas. O facto de haver um relatório de denúncia não significa que as transferências correspondam a dinheiro ilegal, apenas que uma das entidades envolvidas na operação considerou haver indícios de branqueamento de capitais. No entanto, foi através destes documentos que se ficou a saber que o banco HSBC permitiu que os responsáveis por um esquema de pirâmide, que gerou perdas de 80 milhões de dólares, movimentassem os ganhos obtidos com o crime. Segundo a BBC, o dinheiro foi enviado para Hong Kong em 2013 e 2014, já depois do banco ter sido informado sobre o acto criminal. O HSBC diz que cumpriu todas as exigências legais. O impacto na imagem do HSBC sentiram-se na bolsa de Hong Kong com os títulos do banco a sofrerem uma quebra de 5,33 por cento e a serem negociados no valor mais baixo desde 1995, ou seja, com cada título a valor 29.30 dólares de Hong Kong. Mas, o HSBC não está sozinho, e a fuga de informação mostra ainda que pelo menos os bancos JP Morgan, Standard Chartered Bank, Deutsche Bank e Bank of New York Mellon lucraram com operações financeiras ligadas a redes e indivíduos criminosos espalhados por todo o mundo. No que diz respeito ao banco JP Morgan os documentos atestam as ligações ao escândalo 1MDB, que gerou a perda de mil milhões de dólares do fundo soberano da Malásia. Suspeitos do costume Uma instituição que também surge em destaque é o defunto Banco Espírito dos Santos, não só pelas operações em Portugal, mas também pela representação dos EUA, que foi posteriormente vendida ao banco Banesco. Em 2013 e 2014, a representação do BES denunciou um total de 79 transacções, no total de 262,8 milhões de dólares ligadas à companhia do venezuelano Alejandro Ceballos Jiménez. O empresário foi um dos mais fortes apoiantes de Hugo Chávez, e agora de Nicolás Maduro, e segundo a oposição venezuelana terá ficado de forma ilegal com mais de 500 milhões de dólares, que resultaram da venda de activos do Estado sul-americano. Jiménez chegou a estar na mira da justiça da Venezuela, mas o processo foi encerrado sem que tenha havido qualquer acusação. No caso das operações denunciadas pelo BES, era indicado que uma firma de advogados suíços estava a ser utilizada como fachada para cobrir a identidade de Jiménez. O mesmo relatório apontava que o empresário estava a tentar movimentar dinheiro obtido através do desvio de fundos estatais destinados à construção de habitação pública. Outra figura conhecida presente nas denúncias é Isabel dos Santos, que surge ligada a dois relatórios de denúncia. O primeiro foi feito pela JP Morgan diz respeito a uma transferência feita pelo marido, Sindika Dokolo, no valor de 4 milhões de dólares, que permitiu à empresária usar recursos públicos para obter uma participação privada na joalharia De Grisogono. A segunda denúncia foi elaborada pelo Standard Chartered e menciona uma transferência da empresa Untitel, onde Isabel dos Santos é accionista, para a empresa Vidatel Limited. O montante envolvido foi de 18,7 milhões de dólares. Gabinete de Informação Financeira diz que é tudo confidencial O Gabinete de Informação Financeira (GIF) recusou fazer comentários às operações reveladas pela investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. A instituição justificou o silêncio com obrigações legais que obrigam a manter a confidencialidade sobre o assunto. Foi desta forma que o GIF respondeu às questões do HM, onde era perguntado se as operações em causa também tinham sido denunciadas às autoridades de Macau e se agora, que alguns dados são públicos, ia ser aberto um processo para averiguar as operações. “Por motivos legais, o GIF é obrigado a manter a confidencialidade, de forma proteger os relatórios sobre transacções suspeitas e para evitar que seja revelada qualquer informação que prejudique análises e investigações em curso. A revelação de qualquer informação deste tipo é ilegal.” No entanto, o GIF garante que as denúncias de transacções suspeitas são reencaminhadas para o Ministério Público, após uma primeira análise. “Em relação aos relatórios de transacções suspeitas, se depois de uma análise houver indícios de branqueamento de capitais, são todos reencaminhados para o Ministério Público”, foi acrescentado.