A arte do reencontro

[dropcap]O[/dropcap]lhem, amigos: agora mesmo e enquanto escrevo esta crónica atipicamente não tenho mais nada que dizer que não seja o que me esforço por fazer passar. Não tenho episódios veraneantes, explicações da ausência, citações pretensiosas, indignações sortidas, confissões de estados de espírito ou, como é o estilo desta coluna, tudo isso misturado. Irá acontecer, não duvido. Mas por agora só esta vontade única e irreversível de me sentar convosco para conversar. A minha ambição como cronista é esta: olhar toda a gente nos olhos e conversar e ouvir. Talvez seja pouco mas sinceramente esta atitude tende a ser menos praticada. Seja por escrito seja na chamada “vida real”.

Então, pela primeira vez desde que aqui estou não tive dúvidas: isto é um regresso e já aqui falei de como prefiro regressos a partidas e de como a segunda é essencial à primeira. É certo que o conceito não terá sido bem tratado pela literatura clássica e que Ulisses não teria necessidade de chacinar 42 pretendentes de Penélope (aceito correcções sobre o número de baixas, escrevo de cor) quando voltou a Ítaca. Mas quem sou eu? Respondo: sou o tipo que prometeu não fazer alusões pretensiosas no primeiro parágrafo. Enfim.

Ao que interessa, então. Numa destas crónicas tentei sinceramente partilhar o que é uma perda de amizade. Coisa dolorosa, maléfica e que tantas vezes deixa mais mazelas do que a perda romântica. Ainda continuo a acreditar no que escrevi. Mas e o reencontro com a amizade perdida, amigos? Esse momento extraordinário em que depois de tanto tempo e de argumentos de que já nem nos lembramos somos devolvidos de forma bruta mas ao mesmo tempo familiar ao que nunca nos terá deixado? Isso é precioso e feliz e quando acontece deparamos com uma estranha mistura de sentimentos, resumidos em duas frases: “O que aconteceu?” e “Agora quero lá saber”.

A amizade é livre, mais livre do que o amor. Isso não a torna moral ou eticamente melhor, até porque seria falácia a comparação. No amor conseguimos perceber quando acaba ou falha; na amizade – e falo da grande amizade – não é assim: a menos que de permeio exista pulhice à séria de uma das partes, fica-se num limbo de perguntas e respostas. E os dias, e as horas e os minutos vão passando. Nós vamos passando, passando como podemos com um vazio qualquer que nos chama nos momentos mais inoportunos e que são todos.

Depois, se tivermos sorte, existe um instante mágico – esse do recomeço. E estranhamente tudo parece familiar, como se todo o tempo que passou tivesse sido congelado num frame da nossa vida e finalmente libertado por um demiurgo benigno. Sim, amigos: o regresso da amizade contém todos os regressos. Vinicius dizia, provavelmente com razão, que a vida é a arte do encontro. Eu acho que é a arte do reencontro. E apetece escrever ou reescrever o mundo. Ou mais simplesmente frases ditas no cinema, como agora o faço: acho que este é o reinício de uma bela amizade.

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