Os nomes dos tufões e de outras tempestades

[dropcap]A[/dropcap] questão dos nomes dos ciclones tropicais tem sido alvo de curiosidade, havendo, no entanto, uma certa confusão sobre este assunto. Na realidade, em torno do globo terrestre, há várias bacias onde se desenvolvem este tipo de tempestades, as quais, devido a tradições há longos anos arreigadas nas populações, são identificadas por designações diferentes. A prática tem demonstrado que a identificação dos furacões, tufões e ciclones com nomes próprios, contribui para que os cidadãos prestem mais atenção à sua evolução e possíveis consequências. No entanto, em cada uma destas regiões, os critérios adotados para esse efeito são diferentes. As principais zonas de formação e desenvolvimento de ciclones tropicais, e as respetivas designações gerais, são as seguintes:

Atlântico Norte (incluindo Mar das Caraíbas e Golfo do México) – Furacões
Zona central e leste do Pacífico Norte (a leste da linha de mudança de data) – Furacões
Oeste do Pacífico Norte e Mar do Sul da China – Tufões
Oceano Índico (Golfo de Bengala e Mar da Arábia) – Ciclones
Oeste do Pacífico Sul e sueste do Oceano Índico – Ciclones (Ciclones Tropicais Severos)
Sudoeste do Oceano Índico – Ciclones (Ciclones Tropicais)

Fora destas regiões ocorrem esporadicamente fenómenos meteorológicos com as características de ciclones tropicais. É o caso dum ciclone tropical que se formou no Atlântico Sul, em março de 2004, e que afetou o Brasil. Por ter ocorrido no Atlântico Sul, não foi aplicado um nome da lista de furacões previamente elaborada, pelo que, com certa controvérsia, os meteorologistas brasileiros lhe chamaram Catarina, por ter afetado o Estado de Santa Catarina.

Tem acontecido, embora raramente, furacões passarem a ser designados por tufões, quando se deslocam para oeste, no Pacífico Norte, depois de transpor a linha internacional de mudança de data. Inversamente, um tufão pode passar a furacão quando se desloca de oeste para leste, atravessando essa linha. Tal aconteceu com o furacão John em 1994 que, tendo-se formado no Atlântico Norte, atravessou a América Central, entrou no Pacífico e, continuando a deslocar-se para oeste, atravessou o meridiano 180, entrando na região dos tufões. A certa altura inverteu o sentido do movimento e reentrou na parte leste do Pacífico, voltando a ser classificado como furacão.

A coordenação das atividades de cooperação nas várias bacias é levada a cabo por organismos regionais (comités) do Programa dos Ciclones Tropicais da Organização Meteorológica Mundial – OMM (WMO Tropical Cyclone Programme). São estes comités que, sob proposta dos respetivos membros, estabelecem os critérios e selecionam os nomes das tempestades.

Na bacia onde a Região Administrativa Especial de Macau está inserida (Oeste do Pacífico Norte e Mar do Sul da China), os nomes dos tufões constam de uma lista que se pode consultar no site do Comité dos Tufões (WMO/ESCAP Typhoon Committee – www.typhooncommittee.org), cujo secretariado está sediado em Macau desde 2007. Os nomes são propostos pelos membros dos vários comités, e são discutidos nas sessões anuais. No caso do Comité dos Tufões, cada um dos 14 membros propôs dez nomes, o que perfez uma lista de 140. Os nomes são retirados quando estão associados a tempestades que causaram estragos significativos, pelo que a lista tem de ser atualizada nas sessões anuais do Comité. Por exemplo, o nome do tufão Hato (Pombo, em japonês), que causou um número elevado de vítimas nas Filipinas, Macau e China, já não consta da lista.

Em geral os nomes dos ciclones tropicais são de pessoas, alternadamente masculinos e femininos, dispostos por ordem alfabética, com exceção na bacia em que Macau se insere, e também no Mar da Arábia e Golfo de Bengala. No caso dos tufões, os nomes podem ser de animais, monumentos, objetos, etc., e estão colocados sequencialmente, sem ser por ordem alfabética, não podendo ter mais de três silabas. A pronúncia não deve ser suscetível de interpretações erróneas em quaisquer das línguas dos países membros. Já tem acontecido alguns nomes terem sido retirados, não pelo facto de as tempestades terem causado graves consequências, mas para evitar suscetibilidades religiosas. Entre os nomes propostos por Macau contam-se Bebinca (nome de uma conhecida sobremesa com origem indo-portuguesa, muito popular em Macau) e Sanba, com origem na designação em chinês das Ruínas de São Paulo.

Tempestade tropical Bebinca, no Golfo de Tonkin – 17/8/2018

O nome Bebinca já foi usado quatro vezes (2000, 2006, 2013 e 2018), até à presente data, e em nenhum dos casos passou de tempestade tropical severa.

Bebinca – sobremesa de origem indo-portuguesa

Antes do século XX, estes fenómenos meteorológicos eram geralmente identificados fazendo referência às datas das ocorrências ou aos locais onde as suas consequências mais nefastas se fizeram sentir. É o caso, por exemplo, do tufão que quase destruiu Macau de 22 para 23 de setembro de 1874, que causou cerca de cinco mil vítimas mortais. Quando se pretende referir esta tempestade, é simplesmente identificada por “Grande Tufão de 1874”.

Outro exemplo é o caso do “Grande Ciclone Bhola” (Great Bhola Cyclone), o ciclone tropical que até à presente data é considerado o mais mortífero de todos, causando entre trezentas mil a meio milhão de vítimas, em 1970. Foi assim designado por ter afetado a região de Bhola, no então Paquistão Oriental. Ventos fortes da ordem de 200 Km/h provocaram uma maré de tempestade que, coincidindo com a maré alta, fizeram com que o mar invadisse grande parte do delta do rio Ganges. Devido à fraca resposta do governo central do Paquistão, esta tragédia provocou um forte sentimento que levou o povo do então Paquistão Oriental a intensificar a luta pela independência, o que aconteceu em 1971, passando o novo país a designar-se Bangladesh.

A ideia de identificar os ciclones tropicais com nomes de pessoas parece ter sido do meteorologista inglês, Clement Wragge, radicado na Austrália, que iniciou essa prática na década de noventa do século XIX, dando-lhes nomes de mulheres, figuras míticas e políticos.

No que se refere aos furacões, a partir de 1953 passaram a atribuir-se-lhes oficialmente, por ordem alfabética, nomes de mulheres, o que perdurou até 1978. Acontece que, com o crescimento do movimento de emancipação das mulheres, foi considerado que não seria correto atribuir exclusivamente nomes femininos a tempestades que causavam tanta destruição. A feminista norte-americana Roxcy Bolton foi quem mais lutou para que houvesse alternância de nomes femininos e masculinos. Bob foi o primeiro nome masculino a ser atribuído a uma tempestade tropical, em julho de 1979, tendo sido Ana o primeiro nome feminino desse mesmo ano.

O sistema depressionário que dá origem a um tufão, furacão ou ciclone, começa por ser uma zona depressionária que vai evoluindo no sentido da diminuição da pressão atmosférica. Quando, nas cartas meteorológicas, é possível representar graficamente essa zona por um sistema de isóbaras fechadas, passa a designar-se por Depressão Tropical (Tropical Depression). Quando os ventos máximos sustentados forem iguais ou superiores a 34 nós (63 km/h) passa a Tempestade Tropical (Tropical Storm). Quando forem iguais ou superiores a 64 nós (119 km/h) passa a designar-se por Tufão, Furacão ou Ciclone, conforme as regiões.

No caso do oeste do Pacífico Norte e Mar do Sul da China, há ainda a considerar uma categoria intermédia, entre a Tempestade Tropical e o Tufão, que é a Tempestade Tropical Severa (SevereTropical Storm), quando os ventos máximos sustentados atingem valores iguais ou superiores 48 nós (88 km/h) e inferiores a 64 nós.

Note-se que o sistema depressionário só começa a ser designado pelo nome internacional quando atinge a categoria Tempestade Tropical. É frequente ouvir-se, ou ver-se escrito, que ocorrem anualmente cerca de vinte tufões nas Filipinas, o que na realidade não está correto, na medida em que esse número abrange não só os tufões, mas também as tempestades tropicais e as tempestades tropicais severas. Para evitar esta ambiguidade, o Regional Specialized Meteorological Centre do Japão (centro meteorológico de referência para os membros do Comité dos Tufões), nos seus relatórios, emprega frequentemente a expressão “named tropical cyclones”. No caso das Filipinas, além dos nomes internacionais, usam-se também nomes locais, para melhor sensibilizar o público. Por exemplo, o tufão Haiyan, que em novembro de 2013 causou neste país cerca de 6.000 vítimas mortais, foi chamado Yolanda.

No caso dos furacões (Atlântico Norte e leste do Pacífico Norte) estabeleceu-se a escala de vento de furacões de Saffir-Simpson (Saffir-Simpson Hurricane Wind Scale – SSHWS), referentes a vento máximo sustentado (maximum sustained wind) no intervalo de um minuto:

Categoria 1 – 64 a 82 nós (119–153 km/h)
Categoria 2 – 83 a 95 nós (154–177 km/h)
Categoria 3 – 96 a 113 nós (178–208 km/h)
Categoria 4 – 114 a 135 nós (209–251 km/h)
Categoria 5 – > 135 nós (> 250 km/h)

Define-se ventos máximos sustentados (maximum sustained winds) num ciclone tropical, o valor máximo da média da velocidade do vento que se verifica na zona mais próxima do olho da tempestade, num determinado intervalo de tempo. A Organização Meteorológica Mundial aconselha que este intervalo seja de 10 minutos mas, na realidade, nem todos os países seguem este conselho, considerando intervalos de 1 e, em alguns casos, de 2 e 3 minutos. Esta disparidade de critérios faz com que não se possa aplicar aos tufões a escala de Saffir-Simpson, criada especificamente para os furacões. Nas mesmas condições, os ventos máximos sustentados referentes a intervalos de 1 minuto são superiores em cerca de 14% aos referentes a 10 minutos.

Alguns países, além das categorias preconizadas pela OMM para os ciclones tropicais (Depressão Tropical, Tempestade Tropical e Tufão, Furacão ou Ciclone) adotaram também os conceitos de Super-Tufão e Super-Furacão, os quais não têm a mesma definição em todas as regiões. No caso da região onde Macau está inserida (oeste do Pacífico Norte e Mar do Sul da China), a tempestade toma a designação de Super-Tufão quando os ventos máximos sustentados são iguais ou superiores a 100 nós (185 km/h).

Recentemente, na Europa, também se passou a identificar as depressões muito intensas alternadamente com nomes masculinos e femininos, por ordem alfabética. A Irlanda e o Reino Unido iniciaram esta prática em 2015 e, em 2017, o grupo de países constituído por Portugal, Espanha e França, mediante acordo entre os respetivos Serviços Meteorológicos, recorrem também a uma lista de nomes. A primeira depressão a ter nome em Portugal, foi Ana, em 2017, seguida por Bruno. Os cinco países acordaram no estabelecimento de uma lista comum. Analogamente ao que se procede no caso dos ciclones tropicais, os nomes são retirados das listas quando os estragos causados pelas tempestades são significativos.

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